As redes sociais na construção da imagem do sujeito

Pesquisador do IPUSP investiga como pessoas em situação de desemprego utilizam o Facebook e o LinkedIn para construir a própria imagem

A modernidade alterou alguns hábitos dos seres humanos. Hoje, além de dormir, comer e trabalhar, o indivíduo também reserva um tempo do seu dia para as redes sociais. Tanto é assim que, segundo a pesquisa “2015 Brazil Digital Future in Focus”, os brasileiros gastam, em média, 650 horas por mês em redes sociais.

Fonte: ConsCore

Com a importância que as redes sociais adquiriram ao longo dos últimos anos, a inclusão de celulares, tablets e computadores na rotina diária das pessoas acabou remodelando alguns de seus comportamentos, inclusive determinadas atitudes referentes à postura profissional.

Por isso, o psicanalista, doutor em Psicologia Social e consultor de treinamento e desenvolvimento organizacional Antônio Carlos de Barros Júnior escreveu sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Psicologia da USP, “Quem vê perfil não vê coração: a ferida narcísica de desempregados e a construção de imagens de si no Facebook e no LinkedIn”.

A sociedade do espetáculo narcísico

No trabalho, o pesquisador afirma que, tanto no mundo real quanto no mundo virtual, vivemos uma “sociedade do espetáculo narcísico”, porque nos esforçamos para tentar atrair e cativar o público, quase que numa tentativa de nos vender como produtos indispensáveis e da mais alta tecnologia. Mas na internet a exposição parece ser ainda mais explícita, porque, segundo ele, as redes sociais agem como uma espécie de vitrine na qual as pessoas tentam se manter “‘vendáveis’ o tempo todo”.

 

 

 

 

 

 

 

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Em tudo o que é publicado nas redes sociais, existe a criação de uma imagem, normalmente muito bem elaborada feita pelo sujeito de si para o outro. Esse estímulo ao narcisismo individual, cada vez maior, busca o desejo de ser reconhecido pelo outro, “desejo este que tem adquirido proporções que talvez nunca antes na história tenham sido alcançadas”, afirma Barros Júnior.

A necessidade de aprovação

Mas como funciona esse processo quando uma pessoa não está satisfeita consigo mesma? No caso de pessoas fragilizadas por estarem em situação de desemprego, o pesquisador explica que o indivíduo utiliza as redes sociais como um modo de bloquear a imagem negativa que ele acredita apresentar nesse período. Para isso, ele seleciona apenas aquilo que possa participar da encenação do seu gozo imagético, isto é, só mostra fatos que validem a sua vontade de ser tomado como o sujeito mais importante e especial de todos, escondendo tudo aquilo que possa desmentir essa realidade social criada por ele e, principalmente, elidindo seu sofrimento ligado à condição do desemprego.

Assim, enquanto estamos recebendo curtidas e comentários favoráveis nas redes sociais, ficamos a gozar e a imaginar que somos melhores e mais especiais do que o outro. Em resumo, gozo imagético seria a imaginação de que se é melhor do que o outro, uma satisfação com a própria imagem que é sempre muito fugaz e impermanente.

Portanto, Barros Júnior revela que as redes sociais acabam, muitas vezes, promovendo uma intensa dependência da aprovação alheia, porque a necessidade de sentir que se é amado, admirado e invejado vem da ânsia de querer ser o objeto de desejo do outro. Contudo, como nos alerta o psicanalista, a vontade urgente e constante é, sobretudo, efêmera, já que, mesmo quando ela é pontualmente atendida – ao recebermos curtidas no Facebook ou visualizações no LinkedIn, por exemplo -, a satisfação por ela proporcionada é curta e passageira.

O pesquisador também acrescenta: “não que, provavelmente, todos não estejamos gozando ou tentando gozar nessa dinâmica, em alguma medida, mas é que o gozo pelo gozo […] é destrutivo: num limite extremo, tende a aniquilar os sujeitos”.

Nesse sentido, quando pensamos em desemprego nos dias de hoje, “a questão do ser ‘útil’, do fazer algo nesta sociedade é muito forte e o peso de não se encaixar nessa imagem torna-se um fardo bastante incômodo, a ponto de o sujeito afastar-se, distanciar-se das outras pessoas”, explica o psicanalista em sua tese.

“E as novidades?”

Assim,  o pesquisador verificou na pesquisa que o espetáculo da novidade, observado no Facebook, exige que os usuários da rede postem “novidades” constantemente, isto é, escritos e imagens que comprovem que suas vidas estão repletas de prazer e alegria. Isso se torna um problema para os desempregados, tendo em vista que a vida apresenta uma estagnação indesejada, o que tira deles a chance de compartilhar situações que mostrem ao mundo como eles estão felizes.

Em conjunto com a ideia de vida monótona, o pesquisador constatou em sua tese que, segundo o discurso das pessoas desempregadas analisadas, elas também são expostas a sentimentos de vergonha, constrangimento e angústia, que produzem nelas uma percepção de que são inferiores aos seus amigos, unicamente pela falta de trabalho.

A solução mágica para os problemas…

Nesse sentido, Barros Júnior esclarece que o LinkedIn e o Facebook representam uma forma de esconder o que os psicanalistas chamam de “ferida narcísica”. Isso significa que as redes sociais exercem a função de um véu de autoestima que cobre o ferimento causado pela falta de emprego.

Por isso, a conclusão a que o pesquisador chega em sua tese é a de que as redes sociais examinadas representam “certo tamponamento da ferida narcísica […] para os que estão em situação de desemprego. Representam um véu de gozo imagético sobre essa ferida”.

E como ele explica que o lugar simbólico do desempregado na sociedade ainda é um tabu, esse estado continua sendo, ideologicamente, associado ao fracasso individual, de maneira que o desconforto provocado ao sujeito nessa condição também gera incômodo aos que o rodeiam.

Por mais que esse diagnóstico seja desagradável, a pesquisa de Barros Júnior alcançou considerações fundamentais para se entender o sujeito moderno. “Hoje, as pessoas ficam muito dependentes da aprovação do outro, e o cerne dos resultados da pesquisa giram em torno da evidenciação do narcisismo e do desejo de reconhecimento do outro nas redes sociais”.

Barros Júnior salienta que essa dinâmica não se restringe ao Facebook e ao LinkedIn, porque ela também é observada nas relações sociais cotidianas do “mundo real”. No entanto, essas questões ficam mais evidentes na internet, porque não existe um esforço para mascará-las.

Para lidar com o sofrimento, o “bom sinthoma”

E qual seria a saída viável para superar esse excesso de narcisismo e insegurança que só causam mal? Segundo o pesquisador, “se escapar a esse real não é possível (exceto, talvez, pela morte), que cada um possa encontrar o seu ‘bom sinthoma’, o seu jeito singular de amarrar (sintomaticamente) isso que aí está, lidando com ele, de preferência com menos sofrimento”.

“O problema é que as redes sociais caminham no sentido oposto, porque elas incentivam as pessoas a publicar para que recebam curtidas e provem o seu valor, o que traz o retorno da ilusão da criança de que ela pode ser tudo para o outro, que ela é tão especial que preencheria a falta do outro. Assim, as redes sociais estimulam esse narcisismo que não leva a nada, porque ninguém consegue representar tudo para o outro, ninguém é tão especial para ter a completude retomada, até porque ela nunca foi completa, isso era apenas fruto da imaginação infantil”, relata.

Dessa forma, nas redes sociais, Barros Júnior descreve que um exemplo de bom sinthoma seria um indivíduo desempregado que faz um trabalho voluntário e posta as fotos da ação com o intuito de criar uma página e reunir outras pessoas interessadas em apoiar a iniciativa.

Essa seria uma maneira de amenizar a insatisfação com a própria vida. O mundo virtual é tão abrangente que se torna impossível (e até mesmo contra-indicado) ser plenamente sincero e expor as nossas verdades, sobretudo as nossas tristezas. Desenvolver um bom sinthoma por meio das artes, do trabalho ou do convívio com as pessoas, por exemplo, seria, portanto, o melhor recurso para escapar da necessidade de criar uma imagem enganosa sobre si mesmo.

 Por Anátale Garcia
Edição e revisão, por Islaine Maciel

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