Um espaço para o autismo dentro do IPUSP

ATUALIZADO EM 14/8/2020

Por Caroline C. N. da Silva
Sob supervisão de Islaine Maciel

No mês internacional de conscientização do autismo, o IP Comunica buscou conhecer o CAIS, primeiro modelo de atendimento utilizando o método Análise do Comportamento Aplicada (ABA), em crianças com TEA, dentro de uma universidade pública no Brasil

O CAIS (Centro para o Autismo e Inclusão Social) é um projeto de extensão desenvolvido dentro do Instituto de Psicologia da USP. Surgiu em 2007 como resultado de uma parceria internacional envolvendo o Brasil (Universidade de São Paulo e Universidade Federal Fluminense) e os Estados Unidos (University of Maryland e University of Wisconsin). Faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT | ECCE) e está inserido no Leov (Laboratório de Estudos de Operantes Verbais) do Departamento de Psicologia Experimental da USP. 

“Esse intercâmbio foi importante para analisar como é feita a inclusão de crianças com TEA nos Estados Unidos e o Brasil a fim de se inspirar num modelo de atendimento dentro de políticas públicas. E daí criamos o CAIS, que foi o primeiro modelo de atendimento [utilizando Terapia ABA] a crianças com TEA dentro de uma universidade pública”, diz Maria Martha Hübner.

Seus objetivos são: formar alunos para o trabalho inclusivo e prestar atendimento a crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e suas famílias. 

Estrutura

Fonte: Facebook Cais Usp.

O projeto é coordenado pela Profa. Maria Martha Costa Hübner e composto por alunos de graduação e pós-graduação. Os alunos de graduação ingressam no programa por meio da disciplina semestral “Análise do Comportamento aplicada ao Autismo”, atuando como observadores, auxiliares de terapeutas ou terapeutas em treinamento. Os alunos de pós-graduação (orientandos da profa. Maria Martha ou estudantes egressos dos cursos de especialização em Terapia Comportamental no Hospital Universitário da USP), por sua vez, desempenham a função de supervisores de caso. O CAIS também conta com a presença de terapeutas, profissionais formados. 

O objetivo é capacitar todas essas pessoas ao trabalho de inclusão de pessoas com TEA e ampliar sua formação na área de Terapia Comportamental. Além dos alunos, os principais beneficiários do projeto são crianças diagnosticadas com TEA e seus cuidadores. Atualmente, sete famílias estão sendo atendidas.

Como destacado, o CAIS não apenas realiza atendimentos à população, como também é um centro de formação. Logo, seu enfoque é o ensino. Tal conclusão foi estabelecida a partir da tese de doutorado de Livia Ferreira Godinho Aureliano, intitulada “O uso da Análise de Sistemas Comportamentais para o aprimoramento dos serviços prestados pelo Centro para o Autismo e Inclusão Social (CAIS-USP)”. 

Orientada pela profª. Maria Martha, a pesquisa de Livia buscou reorganizar a estrutura e administração do CAIS aplicando a Análise do Comportamento. Como resultado, definiu-se a missão do centro e criou-se uma nova disciplina, pela qual os estudantes de graduação ingressam no CAIS: “Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo”.

Para maiores informações, acesse a matéria “ Um projeto científico reestruturador” sobre a reorganização do CAIS, publicada no Portal de Divulgação Científica do IPUSP. 

Inscrição

A inscrição para o CAIS se dá no site do Leov, e os critérios para escolha são: ordem na lista de espera, idade (a preferência é por crianças até 03 anos, pois o trabalho com intervenção precoce é mais eficaz) e a não-realização de terapias particulares. O limite de idade para a criança permanecer no CAIS é até os 13 anos. Por enquanto, as inscrições estão suspensas

Após conseguirem uma vaga, pais e crianças devem comparecer juntos ao Instituto de Psicologia uma vez por semana para o atendimento, que tem duração de duas horas. O projeto, porém, não se limita ao atendimento com as crianças. A formação se inicia algumas horas antes, com os alunos, e se estende aos pais e cuidadores. 

Metodologia

No âmbito do CAIS-USP, o referencial teórico é o da Análise do Comportamento Aplicada (em inglês, ABA – Applied Behavior Analysis), pois, segundo a profa. Maria Martha, é a única terapia fundamentada em evidências científicas. Essa intervenção comportamental visa obter mudanças em comportamentos de forma que esses adquiram uma função mais adaptativa, sejam generalizáveis para uma diversidade maior de ambientes e sejam mantidos ao longo do tempo. Clique aqui para consultar a matéria “Análise do Comportamento auxilia no tratamento de TEA” , publicada no Portal de Divulgação do IPUSP.

A hipótese primária que subsidia o trabalho no CAIS é a de que o arranjo dos elementos ambientais ou do contexto pode favorecer consideravelmente a aprendizagem e o progresso do indivíduo na obtenção do comportamento novo. A intervenção comportamental ocorre por meio da identificação de comportamentos alvo e de avaliações constantes, comparando as medidas iniciais e verificação do progresso.

Rotina

A rotina do CAIS é dividida  em três etapas no dia do atendimento:

  • Treinamento de alunos na disciplina: semanalmente, antes das famílias chegarem, os estudantes e a coordenadora se reúnem para discussões teóricas e acompanhamento de casos. Neste momento, os alunos são submetidos a um pré-teste, com o intuito de constatar o aprendizado antes e depois da aula. Após as aulas, ocorre o pós-teste, para verificar a consolidação do conteúdo e áreas que precisam ser melhoradas. 
  • Núcleo de atendimento: Firmada a parte teórica, os alunos e terapeutas se dirigem ao Centro Escola do Instituto de Psicologia para aplicar os conhecimentos na prática. 

Quando uma criança entra no CAIS, ela precisa passar por uma série de avaliações para que o seu tratamento possa ser elaborado. São essas:

  • Avaliação indireta comportamental: a partir de um questionário semi-aberto, adaptado do livro The Verbal Behavior Approach (Barbera, 2007), busca-se levantar as principais habilidades das crianças e comportamentos inadequados.

  • Avaliação indireta – avaliação de preferências: esta avaliação consiste no uso de um questionário adaptado de Wayne W. Fisher(1996), para fazer o levantamento de brinquedos e reforçadores primários e investigar os diferentes tipos de interesse das crianças.

  • Avaliação de preferências – escolha forçada: nesta etapa, apresentam-se variados itens para verificar quais a criança escolhe com maior frequência.

  • Avaliação de habilidades: a última avaliação se baseia no VB-MAPP (Verbal Behavior – Milestone Assessment and Placement Program), e identifica a linha de base das habilidades da criança; compara com as habilidades de pares com desenvolvimento típico e auxilia na formulação do PEI (Programa Educacional Individualizado).

Para cada criança, elabora-se um Programa Educacional Individualizado (PEI), que fornece informações sobre os níveis de habilidade e estabelece metas objetivas e mensuráveis a serem cumpridas em qualquer área. Para todas, há uma sequência curricular comum, dividida em níveis, e um programa “Seguimento de Instruções”.

Fonte: http://www.saude.sp.gov.br/resources/ces/homepage/destaques/apresentacoes-seminario-ii/martha_hubner_sbpconferencia2012caisusp.pdf

O critério de alta consiste no uso de um instrumento de avaliação da criança chamado “Verbal Behavior Map”, dividido em três níveis de habilidades. Para receber alta, a criança precisa ter atingido o nível 3. 

  • Treinamento de pais: Enquanto as crianças estão sendo atendidas, aplica-se com os pais um modelo de treinamento chamado BST (Behavioral Skills Training), baseado em: instruções, dramatização e modelação, reforçamento positivo na forma de elogios e feedback corretivo. 
  • Instruções: alunos da pós-graduação ensinam princípios básicos da Análise do Comportamento e da Terapia ABA para os pais. Também há coleta e análise de dados. 

  • Dramatização: o responsável “dramatiza” dois papéis, por exemplo: mãe como criança e mãe como terapeuta. Busca-se desenvolver um repertório de habilidades básicas e localizar áreas com dificuldades.

  • Modelação: o responsável observa uma parte das sessões e o terapeuta demonstra com a criança as habilidades necessárias. 

  • Reforçamento positivo: o terapeuta elogia os comportamentos adequados do cuidador durante todo o processo.

  • Feedback corretivo: falhas durante a sessão são apresentadas e corrigidas; apresentação dos dados de performance durante as sessões. 

O intuito é que esses conhecimentos possam ser multiplicados e  as atividades não se limitem ao CAIS. Os responsáveis também passam pelas fases de pré-teste e pós-teste para verificar seu aprendizado. A profª Maria Martha explica: “a duração de duas horas da terapia semanal é insuficiente. A carga horária máxima que se pode prestar é de quarenta horas semanais, mas nem pais ou alunos podem comparecer ao IPUSP para esse trabalho. Por isso, é essencial ensinar os pais, para que a terapia continue em casa”.

Depoimento dos pais

Percebemos que havia algo diferente no Eduardo, quando ele ele tinha 2 anos. Porque ele andou na idade certa, engatinhou, mas não falava. Ele nem balbuciava. Até que um dia a pediatra falou: “ah, menino é mais devagar”. Resolvemos consultar outra pediatra para ter uma segunda opinião – depois de uma bateria de exames, fechou o diagnóstico de TEA. Ele participa do CAIS há 2 anos. Nos inscrevemos e esperamos por alguns meses e fomos chamados. Nesses dois anos que ele está aqui, notamos o quanto o comportamento dele melhorou. Nós passamos a aprender a lidar com a situação… Os supervisores e terapeutas nos orienta, e então conseguimos aplicar os comandos na rotina do Eduardo. Claro que na teoria é muito mais fácil, mas realmente temos visto resultados positivos.
Regina e Rafael (pais)
Eduardo - 7 anos
É ótimo aqui. Senti muita diferença, só tenho a agradecer. As aulas do CAIS são muito importantes, vi o Diego se desenvolver muito. Já estou procurando outro lugar para ele continuar com o tratamento – porque ele vai ter de sair por conta da idade. Queremos acompanhamento pelo menos até o Diego fizer 14 anos. Ele adora.
Gerson Otaviano (pai)
Diego - 11 anos
Conheci o CAIS por meio de uma pesquisa de células troncos. Aqui é praticamente o meu refúgio percebo que o comportamento mudou muito. Ainda não consigo aplicar tudo em casa, porque pra mim é muita novidade. Eu não conhecia ninguém autista. Mas estou me empenhando, com a aula já deu para ter uma base.
Daiane (mãe)
Henrique - 4 anos
A diretora da escola do Diogo é psicóloga e me indicou o CAIS. Na verdade, já estávamos desconfiando, consultamos vários neurologistas e psiquiatras até que conseguimos fechar o diagnóstico. Tenho percebido muita melhora no desenvolvimento do Diogo. Ele começou aqui em março de 2018 e o comportamento realmente mudou muito. Eu ainda não consigo trabalhar em casa com ele direito, mas elas (terapeutas) estão me orientando. Em casa ele faz muita birra, não quer fazer. Mas estou tentando.
Solange (mãe)
Diogo - 4 anos
O Miguel tem paralisia cerebral, ele é cadeirante e nasceu com 6 meses de gravidez. Ele fez tratamento na AACD por um tempo, mas não aceitava as terapias, chorava muito. Aos 3 anos de vida começaram a desconfiar que ele tinha autismo, e fizeram todos os exames, e, aos 4 anos foi fechado o diagnóstico de TEA. Já estou no terceiro ano no CAIS. Antes ele estava no HC. Ele já melhorou bastante. Eu percebo muita mudança, muita mesmo. Ele já está respondendo a alguns comandos. Quando fazemos alguma pergunta, ele já consegue responder. A interação social está melhor, já é possível sair com ele para algumas atividades cotidianas. Aqui mesmo no CAIS, no início ele ficava chorando e agora não, ele já pergunta “Mãe, hoje tem USP?”.
Angelita(mãe)
Miguel - 7 anos

Fotos do CAIS

Nota: Todas as imagens foram autorizadas pelos responsáveis das crianças atendidas pelo CAIS. 

O IP Comunica contou com a consultoria técnica dos professores Francisco Baptista Assumpção Junior , Marcelo Fernandes da Costa e Martha Costa Hübner,  para a produção desta matéria.
Agradecemos a contribuição!

 

 

Atualizado em 14/8/2020

VOCÊ PODE GOSTAR ...