Um projeto científico reestruturador

Por Caroline C. N. da Silva e Mariana Fonseca Colaboração: Carla Müller Sob supervisão de Islaine Maciel

Pesquisadora utiliza análise de sistemas comportamentais para estruturar centro de atendimento para crianças autistas no IPUSP

O Centro para o Autismo e Inclusão Social (CAIS), do Instituto de Psicologia da USP, forma estudantes do IPUSP e do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo para a pesquisa e fornece tratamentos terapêuticos a crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), além de treinamento para seus cuidadores e/ou familiares.

O projeto surgiu em 2007, coordenado pela Profa. Maria Martha Costa Hübner. Atualmente as atividades do CAIS envolvem disciplinas de graduação e pós-graduação. A equipe do CAIS é formada pela coordenação geral, pelos supervisores dos casos de atendimento (alunos de pós-graduação e pós-doutorado do IPUSP e estudantes do curso de especialização em Terapia Comportamental do HU, também coordenado pela professora Maria Martha Hübner) e os terapeutas (alunos de graduação).

Veja mais explicações sobre o funcionamento do CAIS no dossiê “Autismo” do Portal de Divulgação Científica do IPUSP. Confira! (clique aqui)

A pesquisadora Lívia Ferreira Godinho Aureliano. Acervo pessoal

Pensando em aprimorar a estrutura organizacional do CAIS , a pesquisadora Lívia Ferreira Godinho Aureliano elaborou sua tese de doutorado “O uso da Análise de Sistemas Comportamentais para o aprimoramento dos serviços prestados pelo Centro para o Autismo e Inclusão Social (CAIS-USP)”, orientada pela professora do Departamento de Psicologia Experimental Maria Martha Costa Hübner, que também coordena o Laboratório de Estudos de Operantes Verbais (Leov). 

Lívia iniciou seu estudo de doutorado pelo Programa de Psicologia Experimental em 2014, com a proposta de reorganizar o sistema e a administração do Centro de Atendimento CAIS, tendo como base o Modelo de Engenharia de Sistemas Comportamentais.

A metodologia utilizada foi a da pesquisa-ação, recurso em que o pesquisador é parte integrante do trabalho a ser estudado. “Nessa técnica, a própria pesquisadora atende, faz a análise do processo, maximiza a clareza e a organização para melhorar os resultados do sistema”, explica a orientadora.

Reprodução. Ilustração por Islaine Maciel

Após participar das atividades, coletar dados e analisar todo o processo do CAISdesde a coordenadora, os supervisores e os terapeutas até as crianças e os pais do CAIS  –, Lívia partiu para a primeira etapa de sua intervenção, que foi estabelecer a missão do CAIS. “Ficávamos em dúvida entre priorizar a prestação de serviços aos clientes (Sistema Público de Saúde), e ao mesmo tempo formar o aluno (CAIS-USP)”, diz a orientadora. 

Em consonância à pesquisa-ação, Lívia aplicou o instrumental Análise de Sistemas Comportamentais para discutir qual era o universo, em qual macrossistema o CAIS se inseria. Para tanto, a pesquisadora elaborou um questionário contendo perguntas sobre a estrutura e aspectos organizacionais do Centro. Com todos os resultados em mãos, uma reunião entre a pesquisadora e a coordenadora do CAIS, orientadora da pesquisa, chegaram à definição da missão do CAIS.

Reprodução. Ilustração por Islaine Maciel

Para Lívia, essa primeira etapa de intervenção foi crucial, pois definir a missão do CAIS lhe trouxe as bases para estabelecer as estratégias de intervenção que culminou na criação de uma disciplina de graduação, um dos maiores resultados da pesquisa.

Aprimorando o ensino

A disciplina criada é optativa na graduação; intitulada “Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo”, faz parte do departamento de Psicologia Experimental (PSE). Antes da criação dessa matéria específica, os alunos de graduação que possuíam interesse em atuar no projeto se inscreviam em disciplinas eletivas para participar voluntariamente das atividades de atendimento do CAIS. 

Am do fato de essa disciplina passar a ser atrelada ao CAIS, foi obtido o direito ao programa de bolsas de monitoria da USP, o que permitiu a participação mais efetiva dos alunos no centro de atendimento. “O programa passa a ter mais visibilidade e tornou o processo mais organizado, os alunos passaram a ser monitores, e isso possibilita maior tempo de permanência do estudante no atendimento”, relata a Profa. Maria Martha Costa Hubner.

A formação de terapeutas

Outra etapa no plano de ação da pesquisa de Lívia foi identificar e analisar os processos de formação e tarefas do CAIS para qualificar o aproveitamento e aprendizagem das aulas e acompanhar se os objetivos estavam, de fato, sendo cumprido.

Assim, durante o treinamento, terapeutas e alunos foram submetidos a testes de desempenho antes e depois das aulas ministradas pelos supervisores.

Os resultados dos pré e pós-testes mostraram que a diferença de acertos entre o pré e o pós-teste não era tão grande quanto a esperada pela coordenadora, mostrando que havia um déficit de conteúdo. Assim, os temas e estruturas das aulas foram revisado, como referências bibliográficas, programação e conteúdo.

Além disso, outro tipo de indicador do desempenho dos terapeutas foi acrescentado: a avaliação em procedimentos de tentativa discreta. Esse teste consistia em uma simulação na qual o supervisor se passava por um paciente com TEA e analisava as respostas e atitudes dos terapeutas diante das situações, observando se eram seguidos os protocolos esperados. Tinha-se como objetivo avaliar de forma mais direta o desempenho ativo dos terapeutas, indo além do conhecimento teórico que estava sendo avaliado anteriormente pelos testes escritos. 

Esse tipo de avaliação prática pôde mostrar que a mudança na estrutura das aulas, feita a partir dos resultados dos pré e pós-teste, foi muito positiva, pois acarretou em um aumento considerável de acertos nos testes de tentativa discreta, principalmente entre os terapeutas que não possuíam nenhuma experiência em atendimento. 

De acordo com a pesquisadora, foi possível perceber maior participação dos terapeutas nas aulas após as mudanças curriculares, mostrando que a nova didática adotada aumentou o engajamento dos alunos e, consequentemente, melhorou a formação deles, cumprindo a missão do CAIS de forma mais efetiva.

Outro levantamento importante feito por Lívia foi o recolhimento de informações sobre a atuação de terapeutas que passaram pelo CAIS. Apesar de obter uma pequena amostragem, foi possível inferir que a maioria dos egressos continuam atuando na área de atendimento a pessoas com TEA, o que indica uma influência positiva da formação do CAIS para o aumento de profissionais deste ramo. “O fato de grande parte dos terapeutas continuarem na área, mesmo antes da intervenção, mostra que o CAIS está cumprindo seu propósito como formador de profissionais” diz a pesquisadora.

A importância da pesquisa

A professora Maria Martha explica que o trabalho feito por Lívia foi muito significativo para trazer transparência ao processo de formação dos terapeutas do CAIS. A partir dos dados levantados, foi possível estabelecer as metas e mudanças a serem feitas. Avalia-se que também seja necessário iniciar esse processo de avaliação e levantamento de dados para os supervisores, já que, até então, tudo havia sido voltado aos terapeutas.

 

O IP Comunica contou com a consultoria técnica dos professores Francisco Baptista Assumpção Junior  e Marcelo Fernandes da Costa e Martha Costa Hübner,  para a produção desta matéria.

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