“A pandemia revelou de modo muito perverso uma política genocida que acirrou ainda mais a desigualdade”, assinala o prof. Geide Coelho, da UFES.

A conjuntura atual exige o posicionamento ativo em defesa da educação pública e de qualidade, em especial após a pandemia.Créditos: pexels.com.

Em entrevista concedida à Revista BALBÚRDIA, o professor Geide Coelho, que atua na Universidade Federal do Espírito Santo, fala sobre os impactos da pandemia na educação, permeando o seu contexto de atuação, desde a universidade à Escola de Educação Básica.

Geide Coelho

Professor da Universidade Federal do Espírito Santo;
Pesquisador da área de Educação em Ciências;
Um mineiro em terras capixabas;
41 anos, marombeiro, noveleiro e em relacionamento sério com Bruno Miguel e com memes.

Bate-bola da BALBÚRDIA

Um cientista
Jose Abdalla Helayël 

Um educador/professor de ciências
Professores e professoras da Educação Básica e Rosa Maria (Física) e Camila Reis (Biologia) da Residência Pedagógica.

Um divulgador científico
Átila Iamarino 

Um livro
Evolução das Ideias da Física (Antônio Pires).

Um sonho
Uma utopia: educação e outros direitos sociais assegurados para uma vida digna

Uma referência profissional
Orlando Aguiar Junior. 

02 de maio de 2022 | 10:00

Por: Ygor Bernardes

Em entrevista concedida à Revista BALBÚRDIA, Geide Coelho, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) fala sobre os impactos da pandemia no ensino. Solicitamos ao professor que comentasse sobre os seus contextos de trabalho, desde a universidade às Escolas de Ensino Básico em que atua por meio dos alunos da Residência Pedagógica, dos alunos de estágio docente e dos estudantes do mestrado profissional. O professor destaca que é preciso olhar com atenção e cautela para os impactos da pandemia. Para Geide, ninguém saiu ileso do processo que vivemos. Neste sentido, o professor defende que devemos perseguir em prol de uma sociedade mais justa no que tange um projeto político que possamos nos alinhar e que traga a educação como pauta essencial.

BALBÚRDIA: Como a pandemia impactou o seu trabalho como professor, como professor de uma universidade pública e federal?

GEIDE COELHO: Falando do meu contexto de trabalho na Universidade, existe um certo distanciamento dos estudantes e uma luta para manter o diálogo com os professores da Educação Básica. Com estudantes da licenciatura mantemos o estabelecimento de uma rede colaborativa, não só para questões de trabalho, mas também para afirmar a continuidade da vida. Isso tudo carregado com muita ansiedade, preocupação com a nossa saúde e de nossos familiares, claro, mexe com nossa existência. Foi uma difícil tarefa a de promover educação sem a presença efetiva dos corpos e com uma certa frieza da tela, mas entendendo-a como uma ferramenta essencial para mantermos uma possível sociabilidade, interações e processos formativos. Mas uma coisa era certa: estar junto com os professores, estudantes da graduação e pós-graduação era uma aposta importante neste processo.

BALBÚRDIA: Você é professor de disciplinas do ciclo básico e disciplinas específicas tanto da graduação quanto da pós-graduação, o que, de certo modo, te possibilita conviver com uma diversidade de alunos e com diferentes realidades. Gostaríamos de saber como você pôde perceber os impactos da pandemia na vida dos seus alunos da licenciatura e da pós-graduação?

GEIDE COELHO: Uma coisa é certa: ninguém sai ileso de um processo como o que vivemos. Mortes repentinas, necessidade de suspensão de atividades e encontros presenciais, suspensão de algum tempo (no caso da UFES) do calendário acadêmico. Mas essa leitura também é importante ser feita trazendo os contextos social e político mais ampliados que implicaram a vida de todos (incluindo dos estudantes) com relação ao aumento do desemprego, redução de bolsas (o que afeta a vida de muitos estudantes da graduação e pós-graduação). Poderia relatar casos bem específicos em relação aos estudantes, principalmente da graduação, do ponto de vista da necessidade de se afastar de compromissos do curso para exercer outras atividades, sem vinculação acadêmica, para manter a sobrevivência da família (pois sem bolsa, com perda de emprego de familiares, seria mais uma responsabilidade importante para sobrevivência de todos). 

A minha experiência com os estudantes da pós-graduação mostra o mesmo que um estudo exploratório que desenvolvemos com nosso programa de mestrado profissional, que revelou como a  adaptação  às  novas formas de trabalho (pela maioria dos estudantes atuarem na Educação Básica), o cuidado parental e familiar e o bem-estar mental, influenciados pela pandemia, se constituíram  como  desafios  para  os  estudantes,  sendo  mais  intenso  para  as  mulheres.

BALBÚRDIA: Desde a sua graduação você sempre foi um professor, pesquisador que manteve o pé na escola, digo, o distanciamento entre a universidade e a escola não está muito presente na sua realidade, o que podemos ver nas suas publicações e suas orientações de mestrado, por isso, gostaria de perguntar: você como professor universitário, coordenador do programa de Residência Pedagógica como você percebeu os impactos da pandemia nas escolas de ensino básico e nos seus respectivos alunos?

GEIDE COELHO: Penso que me caracterizou muito bem e sempre fico muito feliz com essa percepção sobre meu trabalho nessa vinculação direta com a Educação Básica, para mim é fundamental, pois a minha carreira docente inicia neste espaço e o trabalho com os estágios e a Residência Pedagógica permite que me desenvolva profissionalmente enquanto professor-formador-pesquisador nesse encontro, ou como o povo gosta de falar: no “chão da escola”. Esse impacto na Educação Básica foi sentido junto com professores do mestrado profissional, dos nossos parceiros nos estágios e na Residência Pedagógica. Inicia-se com os desafios enfrentados com os professores de manutenção de práticas educativas no fechamento das escolas e no estabelecimento de interações, práticas com os alunos e as complexidades foram diversas em função da “fé” estabelecida nas tecnologias, mas fomos compreendendo que nem todos têm acesso a ela e, nesse contexto, como democratizar o acesso a todos? A entrega de material impresso foi uma saída para alguns e também as redes sociais, às vezes por um único telefone disponível para a família. Mas o mais desafiador, penso que tenha sido as não respostas dos estudantes nas ações promovidas nas escolas e as incessantes buscas por notícias pela equipe da escola ou pelos professores. Os professores e a escola como um todo (sempre pautando na minha experiência com professores, sem generalizar) foram buscando modos, por diferentes vias, de garantir acesso aos processos educacionais, a uma possibilidade de interação com esses alunos, uma resposta que seja “sobre o que se passava com esse aluno” que não estava realizando as atividades. Além disso, a tela do computador que se fez tão presente em nossas vidas nesses dois últimos anos, que não conseguia unir a todos virtualmente e os que estavam, muitas vezes não tinha interação para além do avatar que o caracterizava, o que cria um ambiente mais frio pela ausência do ‘calor humano’. Isso foi evidenciando como é complexa a desvinculação dos processos educativos do corpo, das sensações que ele expressa, enfim uma educação sem o corpo não é completa em seu objetivo de humanização.  Foi um esforço muito grande. Ou seja, todos se movimentaram, repensaram estratégias, abordagens. Conversando com a professora Rosa [professora de Física preceptora do programa Residência Pedagógica¹ junto a UFES]  sobre o resultado do PAEBES (Avaliação externa  que se coloca como Programa de Avaliação da educação no estado do Espírito Santo), percebo que ela estava satisfeita pelos indicadores alcançados em Física, pois a expectativa dela era de ser um desempenho pior e a análise contextual que fizemos, por meio desses indicadores, permitiu compreender que os enfrentamentos, a resiliência frente a todo esse contexto, valeu a pena. Quando o professor consegue reconhecer a importância do seu trabalho em um contexto como esse de pandemia e fica feliz, depois de momentos de tanta tristeza, também fico muito feliz junto. Seguimos firmes, agora com uma nova variável (além do vírus) que é o Novo Ensino Médio  e suas implicações na vida dos estudantes, dos professores, mas penso que essas cenas são para um próximo capítulo.

BALBÚRDIA: Tendo caminhado nesse percurso de impactos pandêmicos da sua vida como docente para a vida dos seus estudantes e dos alunos da Educação Básica, gostaria de fazer uma pergunta, tanto complexa quanto ampla. Como gerenciar os impactos da pandemia na Educação?

GEIDE COELHO: Realmente complexa e ampla essa questão. Acho que não é possível falar em gerenciamento dos impactos da pandemia sem acenar para um investimento pleno em políticas educacionais, ciência e tecnologia e políticas sociais. A pandemia revelou de modo muito perverso uma política genocida que acirrou ainda mais a desigualdade, o desinvestimento na educação e na ciência e tecnologia. Ou seja, assistimos um movimento contrário ao que deveria ser realizado para esse gerenciamento. Nas políticas educacionais, como mencionei anteriormente, temos a implementação do Novo Ensino Médio (NEM) que se vincula a uma mudança muito importante na vida dos estudantes, dos professores, e diria até mesmo da educação científica na educação básica, visto que as composições curriculares privilegiam, na formação geral dos estudantes, matemática e português que se constituem como “linha mestra” das avaliações externas (nacionais e internacionais). Como garantir educação plena, emancipação dos sujeitos se reduzimos o encontro deles com as áreas das humanidades e linguagens, reduzimos a carga horária das disciplinas de ciências da natureza? Essas mudanças se desenrolam em um momento em que variantes do coronavírus ainda circulam e também o vírus do neoliberalismo se acentua na implementação do NEM, sua vinculação com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e repercutindo nas diretrizes de formação de professores com a aprovação da Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN-2019) que alinha a formação de professores a implementação da BNCC, em uma perspectiva bem tecnicista (explícito, nada oculto). Desse modo o “gerenciamento”, termo trazido na pergunta é do modo empresarial mesmo, escapulindo aos modos emancipatórios e de humanização que a educação se fundamenta.

BALBÚRDIA: Visto que os impactos da pandemia na educação são consideráveis, quais as suas sugestões para a educação brasileira, a médio e a longo prazo?

GEIDE COELHO: Penso ser importante trazer essa discussão a partir do que foi exposto na pergunta anterior . O movimento deve ser no sentido de minimizar o avanço dessas políticas educacionais e curriculares empresariais para que tenhamos possibilidade de mudanças. Sentiremos durante um bom tempo os efeitos dessas políticas que têm reduzido  o  papel  do  Estado  frente às  políticas públicas  de  educação.   A  posição  crítica (e constitucional),  que  considera  a  educação  como  direito  de  todos  a ser assegurado pelo Estado é a que devemos perseguir. Essa “perseguição” em prol de uma sociedade mais justa (e que a educação se apresenta como uma agenda fundamental neste enfrentamento) tem relação a um projeto político que possamos nos alinhar e que traga essa pauta como essencial (ao se deslocar em movimento contrário ao que foi se desenhando nos últimos anos) e em ano eleitoral como este de 2022 é muito importante que estejamos atentos para que qualquer mudança seja estabelecida.


[1] O programa Residência Pedagógica propõe uma articulação entre universidade e escola, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica a partir da segunda metade de seu curso de licenciatura.