Das academias científicas coloniais aos museus de ciência atuais: a história da divulgação científica no Brasil

Colagem com personagens importantes para a história da divulgação científica no Brasil de diferentes períodos. Da esquerda para a direita: o médico radiodifusor Edgard Roquette Pinto; o zoólogo Louis Agassiz; o físico Albert Einstein; o Imperador Dom Pedro II. Créditos: Luciene Silva. Fonte: google.com.

Quando começou a divulgação científica no Brasil? Qual foi o percurso até os dias de hoje? Especialistas na área traçam um histórico da comunicação científica do Brasil Colonial até o final do século XX.

Anderson Ricardo Carlos

Sou biólogo e professor de Biologia pela Unesp Botucatu, com período sanduíche loja na Radboud University (Holanda), mestre em Ensino e História das Ciências (UFABC) e doutorando pelo PIEC-USP, com bolsa FAPESP (Processo no. 2020/10406-8, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), na área de História das Ciências no Brasil e interfaces com a formação de professores. Amante de cinema, política, história, cultura drag e passeios ao ar livre em meio à natureza. Também faço parte da equipe da BALBÚRDIA.

@andersonr.carlos

05 de dezembro de 2022 | 10:00

À princípio, o leitor pode imaginar que a divulgação científica, como feito pela Revista BALBÚRDIA, é algo bem recente no Brasil. Provavelmente iniciada com publicações em revistas de divulgação científica, na década de 1980. Entretanto, a ideia de que o trabalho de comunicação da ciência é recente se configura como um mito. De acordo com o capítulo Aspectos históricos da divulgação científica no Brasil, escrito por Ildeu de Castro Moreira e Luisa Massarini, e publicado no livro Ciência e Público: caminhos da divulgação científica no Brasil em 2002, a trajetória da comunicação científica é muito mais longínqua1.

O objetivo do trabalho dos autores, a partir de vasta revisão histórica, é evidenciar que a divulgação científica tem pelo menos dois séculos de história, com iniciativas datadas ainda no período colonial. Moreira e Massarini analisam como se intensificou as atividades de “vulgarização científica”, sobretudo na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento das iniciativas sendo coroadas e mais difundidas a partir do século XX.

Primeiras iniciativas e intensificação da divulgação científica na segunda metade do século XIX

Antes do século XVIII, a proibição de impressão de livros e a inexistência da imprensa no Brasil dificultaram qualquer iniciativa de difusão do conhecimento. Só a partir da criação da Academia Científica do Rio de Janeiro pelo marquês de Lavradio, em 1772, que alguma preocupação com a divulgação da ciência ocorreu, alinhada com necessidades técnicas ou interesses militares nas áreas de astronomia, cartografia e mineração. Contudo, a Academia foi fechada quase duas décadas depois, por acusação contra a Colônia de conspiração pró-Independência do Brasil. Perseguições políticas a divulgadores da ciência não são coisa da atualidade.

A partir da vinda da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808, manifestações da comunicação científica se tornaram mais consistentes. Abriram-se os portos e a proibição de imprimir foi finalmente suspensa. Uma das instituições destaque na ciência e na divulgação dela foi o Museu Real (hoje chamado de Museu Nacional do Rio de Janeiro), fundado em 1818. Jornais regionais também começaram a publicar notícias relacionadas à ciência, como O Patriota

Mas foi na segunda metade do século XIX que as atividades de fato se intensificaram. Dom Pedro II, Imperador do Brasil na época, era um grande entusiasta da ciência, financiando laboratórios e abrindo o Museu Nacional para naturalistas estrangeiros. Nesses tempos do Brasil Imperial, 7000 periódicos foram criados, sendo 300 relacionados às ciências. Apesar de boa parte deles terem o dizer “científico”, muitos focaram na divulgação da ciência, tratando temas variados, como a história da Terra, classificação zoológica ou doenças tropicais. 

Muitas conferências públicas foram ministradas ainda na segunda metade do século XIX, como as Conferências Populares da Glória. Destaco aqui uma palestra no Rio de Janeiro de Louis Agassiz (1807-1873) que, embora naturalista especializado em zoologia e explorador da Amazônia brasileira, atacou a público a teoria de seleção natural de Darwin. A difusão das ideias científicas, ainda segundo Moreira e Massarini, foi intensificada pela visita de diversos nomes importantes da ciência no século XIX como Karl Phillip von Martius (1794-1868), Charles Darwin (1809-1882) e Alfred Wallace (1823-1913). Todavia, ao fim do Império de Dom Pedro II e início da República Velha, quando os militares ascenderam ao poder, o investimento na ciência diminuiu e, por sua vez, as atividades de difusão científica. Novamente, a história parece se repetir de maneira cíclica.

Iniciativas no século XX

Ainda que no início do século XX não houvesse uma tradição científica consolidada, iniciativas foram crescentes a partir da década de 1910. Entre elas, destaca-se a criação das sociedades e associações brasileiras de ciências e da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923. A última revolucionou ao ser a primeira rádio brasileira, cujo objetivo era difundir informações e temas educacionais, científicos e culturais. Inclusive, em 1925, a Rádio Sociedade contou com a presença ilustre de ninguém menos que Albert Einstein (1879-1955). Em sua visita pelo Rio de Janeiro, o físico fez uma breve alocução em alemão, comentando a importância da divulgação científica. A Rádio também contou com uma revista, intitulada Rádio – Revista de divulgação científica geral especialmente consagrada à radiocultura, sob direção do médico e antropólogo Edgard Roquette-Pinto (1884-1954). Em certa ocasião, ele declarou: “Eu quero tirar a ciência do domínio exclusivista dos sábios para entregá-la ao povo”. Assim, a divulgação científica foi tomando novos rumos, popularizando mais massivamente o conhecimento. 

A partir da década de 1940, mais organizações foram criadas, com bastantes eventos transformadores, sobretudo de caráter institucional. Entre eles, em 1951, destaca-se a criação do Conselho Nacional de Pesquisas, o atual CNPq. Ainda nessa década, o fato do brasileiro Cesar Lattes ter participado da descoberta do méson pi, entre 1947 e 1948, contribuiu para um aumento do interesse público na área da física. Portanto, revistas especializadas e de circulação geral noticiaram o feito, chegando até mesmo a sua expressão nas artes, como referências à física em sambas de Cartola e na poesia de Carlos Drummond de Andrade. Logo com o início do período militar, em 1964, a divulgação científica passou por impactos profundos. Apesar dos autores não desenvolverem essas consequências, presume-se que os anos de chumbo limitaram fortemente a divulgação científica em razão da censura e da perseguição política.

Já a partir da década de 1980, a divulgação científica também alcançou a TV com o Globo Ciência. Revistas destinadas exclusivamente à divulgação científica também ganharam mais evidência, como a Globo Ciência (atual Galileu) e a Scientific American. Na mesma década, foram criados os primeiros museus científicos, como Centro de Divulgação Científica e Cultural, de São Carlos, e seções específicas em jornais de grande circulação nacional para falar de ciência.

Por fim, Moreira e Massarani alertam que o modelo de divulgação científica ainda deve ser reavaliado. Isso porque ainda se reforçam visões estereotipadas da atividade científica, mitificando-a e trazendo aspectos geniais e espetaculares do fazer científico. Dessa maneira, é aconselhável que a divulgação científica traga uma visão mais realista da ciência e de sua natureza, abarcando riscos, incertezas, controvérsias e seu profundo enraizamento na cultura. Embora o artigo seja de 2002, suas reflexões históricas, vinte anos depois, ainda parecem extremamente atuais.

Nota de rodapé

1. A ideia de fazer o TDC desse artigo surgiu da discussão do grupo de estudos de Divulgação Científica que a equipe editorial da Revista BALBÚRDIA realiza para a formação dos próprios quadros. Para tanto, reuniões foram realizadas para a discussão de temas e textos relevantes da Divulgação Científica.

 

Ficou interessado(a)? Leia a referência:

MOREIRA, Ildeu de Castro; MASSARANI, Luisa. Aspectos históricos da divulgação científica no Brasil. In: MOREIRA, Ildeu de Castro; MASSARANI, Luisa; como montar loja BRITO, Fátima (Org.). Ciência e Público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002, p. 43-64.