Pesquisadores analisam a situação da Rede Municipal de Ensino de Teresina (PI) com relação à Educação Ambiental e às Mudanças Climáticas.
Sou licenciada em Física pela UNESP (2011), além de mestra (2015) e doutora (2019) pelo PIEC-USP. A paixão por ciência e educação vem do ensino médio, por isso me aventurei em fazer a licenciatura. Minhas primeiras experiências docentes foram na faculdade, em monitorias, estágios e no PIBID, onde fui bolsista do primeiro subprojeto de Física da UNESP. Desde que me formei, atuei em várias escolas e cursinhos populares até me tornar professora no IFRJ (campus Nilópolis), em 2016. Desde então, encaro também a responsabilidade de formar professoras e professores no curso de Licenciatura em Física. Não paro quieta, tenho diversos interesses dentro de minha área, que vão desde Formação de Professores até Divulgação Científica. Fora da Ciência e Educação, minhas paixões incluem também corrida, yoga, teatro e jornalismo!
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10 de setembro de 2024 | 10:00
No momento em que escrevo este texto, vejo notícias sobre queimadas nos biomas brasileiros que batem recordes e sobre os riscos da realização de grandes eventos sob calor extremo, como as peregrinações em Meca e os Jogos Olímpicos de Paris. Enquanto os prejuízos humanos e materiais ainda são uma realidade para a população que sofreu com a inundação no Rio Grande do Sul, em maio de 2024, cabe às educadoras e aos educadores a reflexão: o que estamos fazendo e podemos fazer para a formação de cidadãos conscientes acerca das mudanças climáticas, seus impactos ambientais e sociais? O Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, fruto da Eco-92, estabelece: “O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente [...]”. O que há implantado nas escolas que garanta o acesso à informação e estimule o exercício da cidadania ambiental?
Em publicação de 2021 na revista Ciência & Educação, Neyla Oliveira, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI) e Francisca Oliveira e Denis Carvalho, ambos da Universidade Federal do Piauí (UFPI), analisaram documentos institucionais para mostrar a situação da Rede Municipal de Ensino de Teresina (RMET) com relação ao Programa Escolas Sustentáveis no contexto da Educação Ambiental e das Mudanças Climáticas. A análise do contexto específico dessa rede de ensino nos permite refletir sobre realidades e potencialidades da educação climática, considerando o estudo de conceitos técnicos junto à valores da Educação Ambiental, em prol de transformações que visam a sustentabilidade.
Um panorama da pesquisa documental
Os pesquisadores analisaram três documentos que fornecem uma visão geral sobre as propostas pedagógicas com a temática Mudanças Climáticas na RMET. O primeiro documento, intitulado “Formando COM-VIDA – Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola: construindo Agenda 21 na escola”, foi organizado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2007. A COM-VIDA foi uma proposta de Política Pública que se formou a partir de 2003. Essas Comissões unem a comunidade escolar em uma rotina democrática participativa com potencial para o desenvolvimento da cultura de respeito ao meio ambiente e à sociedade mais sustentável.
Os outros dois documentos analisados, envolvem o contexto local da pesquisa. São eles: as Diretrizes Curriculares de Teresina e o Relatório Programa Escolas Sustentáveis do Núcleo de Educação Ambiental, ambos organizados pela Secretaria Municipal de Educação de Teresina. O Programa Escolas Sustentáveis, implementado a partir de 2014 na RMET com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), viabilizou a criação das COM-VIDA e a realização de atividades de Educação Ambiental nas escolas de Teresina com o envolvimento da comunidade local, a fim de alcançar os objetivos da Agenda 21.
A frequência de palavras-chave (Educação Ambiental, Mudanças Climáticas, sustentabilidade, perda da biodiversidade, refugiados ambientais, movimentos sociais e meio ambiente) foi analisada nos três documentos a partir da técnica de análise de conteúdo apresentada pela pesquisadora francesa Laurence Bardin. No processo, os pesquisadores criaram três categorias de estudo: 1. Educação e sustentabilidade na escola; 2. Educação ambiental e sensibilização ambiental; e 3. Educação, mudanças climáticas e ações antropogênicas.
O que os documentos analisados revelam
Na primeira categoria de estudo (“Educação e sustentabilidade na escola”), as palavras-chave que apareceram nos documentos com maior frequência foram: meio ambiente (76 vezes), Educação Ambiental (62 vezes) e sustentabilidade (27 vezes). Já a palavra-chave Mudanças Climáticas apareceu apenas duas vezes. Termos correspondentes como dinâmica climática, fenômeno climático, domínio morfoclimático, zonas climáticas e variedades climáticas apareceram nas Diretrizes Curriculares, indicando que conceitos técnicos relacionados estão presentes no currículo, ainda que as discussões sejam sucintas ao se considerar a realidade local.
Com base nos referenciais teóricos adotados, os pesquisadores defendem a importância de abordar tópicos que contemplem problemas locais e a relação com o contexto global em todas as áreas de conhecimento – e o tema Mudanças Climáticas é frutífero para isso. Ainda mais considerando as características locais de Teresina, que é um município do interior do continente, em região de baixa latitude e de terreno com poucas elevações. Por conta de suas características geográficas, é suscetível a altas temperaturas, principalmente entre os meses de setembro a dezembro, período conhecido como B-R-O BRÓ. Além disso, é localizada entre dois rios, Poti e Parnaíba, e possui parques ambientais com fauna e flora exuberantes. Assim, há espaços propícios para que os educadores abordem relações entre Educação Ambiental, sustentabilidade e Mudanças Climáticas.
Na categoria “Educação ambiental e sensibilização ambiental”, os pesquisadores destacam o Programa Escolas Sustentáveis, que contemplou 176 unidades de Teresina entre 2014 e 2017. Essas unidades passaram por transformações tanto em suas estruturas físicas, quanto no desenvolvimento de propostas pedagógicas. No Relatório do Programa, notou-se o desenvolvimento de temas como: violência, sensibilização ambiental, meio ambiente, tráfico de animais silvestres, educação no trânsito, resíduos sólidos, reciclagem e coleta seletiva em projetos desenvolvidos em parcerias institucionais como com o Ministério Público do Piauí, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA). Tendo em vista a ausência de temas relacionados às Mudanças Climáticas, os pesquisadores consideram que projetos de arborização, consumo sustentável, transportes ecológicos e diminuição da pegada ecológica são promissores para abranger essa temática no contexto dessas escolas.
Por fim, na categoria “Educação, mudanças climáticas e ações antropogênicas”, aponta-se que as Diretrizes Curriculares de Teresina destacam temas como: biodiversidade, degradação e impactos ambientais, fluxos migratórios e desenvolvimento sustentável, além de abordar ações antropogênicas e as implicações no meio ambiente. O destaque à influência humana na degradação ambiental é relevante e a criação de projetos e campanhas educativas de sensibilização e para fomentar iniciativas individuais e coletivas para a solução dos problemas ambientais representam um potencial curricular para a abordagem das Mudanças Climáticas na RMET.
Pautando a formação para o exercício da cidadania ambiental
A pesquisa apresentada indicou avanços e lacunas sobre o desenvolvimento dos temas ambientais em uma rede municipal de educação. As investigações realizadas nos ambientes educacionais e que se focam diretamente no processo ensino-aprendizagem são muito comuns, mas esse tipo de análise documental também é muito importante. Para além da sala de aula, educadores(as), gestores(as), estudantes, pais e responsáveis ou qualquer cidadão/cidadã interessado(a) em educação precisam também observar para quais caminhos se dirigem as políticas públicas e um modo de fazer isso é através da análise crítica de documentos como os que esses pesquisadores estudaram.
Como eles mesmos apontam, é preciso alimentar o debate entre duas dimensões que dominam as políticas curriculares: os conteúdos e a formação para o exercício da cidadania ambiental. Em suas palavras: “enfatizar os direitos e deveres com o meio ambiente, considerar a preservação dos recursos naturais e os cuidados com os ecossistemas, com o intuito de minimizar os impactos ambientais” (2021, p. 14). Apesar da identificação de lacunas dos documentos no que diz respeito à temática Mudanças Climáticas, a pesquisa inspira a criação de propostas pedagógicas que não precisam reinventar a roda: já há potencialidades em projetos desenvolvidos nas Escolas Sustentáveis da RMET. Que todas essas iniciativas sejam ampliadas e inspirem outras em escolas de todo o Brasil!
Quer se aprofundar mais no tema? Confira as seguintes indicações:
Artigo original da pesquisa divulgada:
OLIVEIRA, Neyla Cristiane Rodrigues de; OLIVEIRA, Francisca Carla Silva de; CARVALHO, Denis Barros de. Educação ambiental e mudanças climáticas: análise do Programa Escolas Sustentáveis. Ciência & Educação, v. 27, e21068, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ciedu/a/tNK3jw3zjzP9b8mkRmSt79s/ Acessado em 09 jul. 2024.
Coluna em que o conceito de cidadania ambiental é problematizado e atualizado:
PURVIN, Guilherme. Decolonizando a ideia de cidadania ambiental. ((o))eco, 8 abr. 2024. Disponível em: https://oeco.org.br/colunas/decolonizando-a-ideia-de-cidadania-ambiental/ Acessado em 09 jul. 2024.
Reportagem sobre o estabelecimento do Antropoceno como Era Geológica e como outras áreas das Ciências Humanas se aproximam com o tema:
COIMBRA, Vinicius. Antropoceno gera debate entre cientistas e motiva pesquisas em diversas áreas do conhecimento. GZH, 31 jul. 2023. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/ambiente/noticia/2023/08/antropoceno-gera-debate-entre-cientistas-e-motiva-pesquisas-em-diversas-areas-do-conhecimento-clkriyyro009l0154a2ltc4dg.html Acessado em 18 jul. 2024.
Reportagem que traz inspirações para práticas pedagógicas acerca das Mudanças Climáticas, incluindo o relato de experiência de educação inclusiva desenvolvida em uma turma de 5º ano de um colégio privado da região metropolitana de Porto Alegre:
ZASSO, Bianca. Mudanças climáticas: como abordar o tema em sala de aula? Educação em pauta, 25 jan. 2024. Disponível em: https://sinepe-rs.org.br/educacaoempauta/pedagogico/mudancas-climaticas-como-abordar-o-tema-em-sala-de-aula/ Acessado em 09 jul. 2024.