Livro resenhado: FERDINAND, Malcom. Uma Ecologia Decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. Tradução de Letícia Mei. Editora Ubu. 2022.
Sou bióloga, funcionária do IB-USP e doutoranda do PIEC-USP. Trabalho no apoio de diversas pesquisas e participo do GPEAFE (https://educacaoambiental.ib.usp.br/). No doutorado pesquiso sobre a Educação Ambiental escolar e em Unidades de Conservação. Amo escrever, fazer trilha e estou sempre ouvindo música. Instagram: @bia_bio
Educadora, bióloga e pesquisadora. Sou do tipo que se emociona, que se indigna, que esperança e se envolve em lutas para construir outros mundos possíveis. Atuo como Analista Pedagógica no Instituto Canoa, apoiando a formação de professores de Ciências e Matemática, faço mestrado pelo PIEC-USP e participo do GPEAFE. Instagram: @luana.hallai
Sou bióloga, funcionária das prefeituras do Recife-PE e Jaboatão dos Guararapes-PE, professora de Ciências do Ensino Fundamental II, e doutoranda do PIEC-USP onde faço parte do GPEAFE e pesquiso sobre Estratégias Pedagógicas em Educação Ambiental e Interfaces com a Redução do Risco de Desastres (RRD). Amo viajar, praia, gastronomia, culturas diversas, como uma boa nordestina raiz (cuscuz, forró, frevo, bolo de rolo) e gastar da vida! Instagram: @marinhocristiana
05 de novembro de 2024 | 10:00
Em seu livro, o autor martinicano Malcom Ferdinand, graduado em engenharia ambiental e doutor em filosofia política e ciência política, coloca o Caribe no centro da tempestade moderna para pensar a profunda interseção entre a história do ambientalismo e a história da colonização da América Latina. O início de cada capítulo e do epílogo contém histórias de navios negreiros reais. Trazendo a figura do navio como metáfora política do mundo, o navio negreiro tem a função de remover as pessoas da terra e do mundo, a partir da política do desembarque. De uma forma poética, ele constrói seus conceitos a partir dessa ideia.
De acordo com Ferdinand, existe uma importante dualidade: de um lado, as teorias e movimentos ecologistas que desconsideram o legado do colonialismo e da escravidão; de outro, os movimentos pós-coloniais e antirracistas que negligenciam a questão animal e ambiental. Segundo o autor, essa dupla fratura colonial e ambiental da modernidade enfraquece a construção de um habitar do mundo diferente e as próprias demandas desses movimentos, uma vez que a exploração do ser humano e da natureza sempre caminharam juntas.
Com a colonização das Américas, foi implantado de forma violenta um modo específico de habitar a Terra, o habitar colonial. Esse modo de habitar, fundamentado na exploração das terras e das pessoas, causou o genocídio dos povos indígenas, o desenraizamento e escravização de africanos e a destruição de ecossistemas. Seus princípios e fundamentos perduram até hoje, por vezes de maneiras sutis.
O anticolonialismo se desenvolveu sem questionar a exploração intensiva da terra, o que resultou na substituição de quem se beneficia pelo habitar colonial, mas mantendo a exploração de humanos e não humanos. Por exemplo, o habitar colonial se reflete hoje no agronegócio: Latifúndios de monocultura que partem do desmatamento empobrecendo a terra e dizimando a diversidade, de plantas, de animais e de modos de relação com a Terra em nome do lucro.
As mudanças climáticas são, então, a consagração daqueles que mantêm a rota do navio adentrando à tempestade indiferentes aos que estão no porão, ou que caem ao mar. Como resposta, os movimentos ambientalistas começaram a se manifestar em busca da salvação da humanidade, mas sem repensar o modo de habitar colonial, muito menos a discriminação social presente nele.
A missão da ecologia decolonial é questionar este habitar, debater juntos antiescravismo, anticolonialismo e ambientalismo, desfazer-se da sombra do porão do Antropoceno reconhecendo que o “nós” diante da crise climática não está delimitado. A tempestade não é mais observada de um ponto seguro por um observador de fora do navio, e sim a partir do interior do mundo a partir das histórias do porão, dos que são abandonados, excluídos ou jogados ao mar.
Aproximando essas interfaces entre a Educação Ambiental (EA), Decolonialidade e o Contexto Escolar, pode-se ampliar olhares para o território local, nos remetendo também a Paulo Freire, para construir saberes, através das práticas culturais e dos saberes produzidos por grupos sociais tradicionais ou periféricos que habitam esses territórios, pois os lugares produzem e ensinam maneiras particulares de pensar, sentir e estar no mundo, além da dupla fratura.
A EA, que trabalha a ecologia decolonial, permite uma diversidade curricular, de processos formativos e de práticas pedagógicas atreladas a interculturalidade e a ecologia dos saberes. No entanto, o cenário educacional está posto por uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que engessa estas possibilidades, impedindo a compreensão das diferentes culturas como contribuição pedagógica.
O autor propõe por fim a criação do “navio-mundo”, que reconheça e embarque a pluralidade de humanos e não humanos. Para a construção desse mundo, ele diz ser necessário trazer ao convés da justiça as violências e destruições históricas causadas pela dupla fratura. Trabalhar na escola temas como a luta dos povos indígenas e a resistência de seu mundo, reparações entre países colonizadores e a África, por exemplo, buscando analisar criticamente como ocorreu a construção do mundo atual, são formas através da educação de criarmos o “navio-mundo”.