"Porque eu sou um cientista / O meu papo é futurista / É lunático". Nessa cauda de cometa, sou educador ambiental e educador popular. Em nosso lindo balão azul, graduei-me em Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela UNESP de Ilha Solteira. Atualmente, sou aluno de mestrado em Ensino de Ciências no PIEC-USP e integrante do Grupo de Estudos de Educação Não Formal e Divulgação em Ciências (GEENF).
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12 de outubro de 2024 | 10:00
Já não é de hoje, com o cenário de mudanças climáticas e crise ambiental, que há clamores por trabalhar a Educação Ambiental no contexto da educação formal, inclusive como uma disciplina própria. O tema do meio ambiente é associado de forma direta a áreas do conhecimento estabelecidas de forma disciplinar na Educação Básica, como a Geografia e as Ciências da Natureza. A questão do consumo é frequentemente abordada no âmbito da Educação Ambiental, mas pode ser assumida como um tema próprio - Educação para o Consumo.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento aprovado pelo Ministério da Educação em 2017, de caráter normativo e que define a elaboração e a implementação de currículos nas redes de ensino de Educação Básica no Brasil. A partir deste documento, não há encaminhamentos para que a Educação Ambiental seja estabelecida como uma disciplina própria. Contudo, sua elaboração não ignora o tema e o trata de forma especial, em sua Série Temas Contemporâneos Transversais (TCTs), no Caderno Meio Ambiente, contendo dois temas, Educação Ambiental e Educação para o Consumo.
A contemporaneidade e a transversalidade dos temas da BNCC
No âmbito da BNCC, os TCTs são colocados como referência obrigatória para a elaboração ou adequação de currículos e cada um tem uma base legal. A Educação para o Consumo, associada à Macroárea Meio Ambiente, possui um marco legal próprio no Brasil, estando sua primeira referência nas Diretrizes Curriculares Nacionais (Resolução CNE/CEB nº 7/2010), assim como foi pautada pela Lei de Proteção do consumidor (Lei nº 8078/1990) e a Política de Educação para o Consumo Sustentável (Lei nº 13.186/2015).
Jordão e Silva (2024) em levantamento de dissertações e teses sobre Educação para o Consumo entre 2000 e 2022 no Brasil, destacam que o tema foi introduzido à BNCC apenas em 2020, então para a pesquisa foi necessário estabelecer sua conexão com a Educação Ambiental. Ademais, uma pesquisa rápida no Google Acadêmico denota que ainda é incipiente o debate sobre a relação entre Educação para o Consumo e BNCC.
Logo, pode a Educação para o Consumo ser abordada de forma separada da Educação Ambiental? O que é possível considerar, sob a perspectiva da Educação Ambiental, acerca da Educação para o Consumo conforme apresentado no Caderno de seu TCT?
Para tal reflexão, resgatam-se as atuais macrotendências no campo da Educação Ambiental conforme Layrargues e Lima (2014): a conservacionista, a pragmática e a crítica. Enquanto, a ênfase da macrotendência conservacionista é a de desvincular a conservação ambiental das questões sociais e políticas, a macrotendência pragmática visa estabelecer uma relação consensual entre o desenvolvimento econômico com a conservação ambiental, por meio das perspectivas educacionais de Desenvolvimento Sustentável e para o Consumo Sustentável. Já a macrotendência crítica busca superar os problemas ocasionados pelo modelo de desenvolvimento econômico capitalista por meio da Educação Ambiental Popular, Emancipatória e Transformadora.
Educação para o Consumo da BNCC considerada pelas tendências da Educação Ambiental
O tema Educação para o Consumo na BNCC está associado à ideia de Educação para o Consumo Sustentável, e seria muito simples apontar a tendência pragmática de Educação Ambiental como a que as permeia. Contudo, sigamos para análise.
Quando analisando a finalidade da Educação para o Consumo no Caderno Meio Ambiente, sua introdução indica que os indivíduos sejam educados para conhecerem seus direitos de consumidor, assim como seus impactos pelo consumo dos recursos naturais, bem como que isto incide na participação ativa do indivíduo na comunidade ou sociedade. Os estudantes devem agir de forma responsável ao tomar suas próprias decisões de consumo. A educação é considerada (reduzida ao) o meio mais eficiente para que sejam desenvolvidas ferramentas para um consumo consciente no nível individual.
Na perspectiva dos TCTs, a busca por uma sociedade mais sustentável é limitada a uma postura crítica acerca dos hábitos de consumo, à uma educação que promova meramente mudanças de hábitos. A responsabilidade e a tomada de decisões ocorrem a nível individual, não sendo considerado o homem enquanto sujeito coletivo e possibilidade de ação coletiva para a transformação social.
A lógica de produção da economia de mercado, que sustenta a acumulação do capital e predomina no contexto neoliberal (Layrargues; Lima, 2014), é intocável nesta perspectiva educacional. Há um padrão de consumo problemático, mas que é subordinado a tal padrão de produção. E é a tendência pragmática, a qual Layrargues e Lima (2014) já apontaram como ascendente por este cenário, que retroalimenta o mesmo. Esta tendência representa a hegemonia na atualidade, o que não é diferente no caso da abordagem da Educação para o Consumo na legislação educacional brasileira.
Reunir a Educação para o Consumo e a Educação Ambiental
Uma vez que a abordagem de Educação para o Consumo incorre na potencial responsabilização individual dos sujeitos, o efeito da tendência pragmática de Educação Ambiental para o Ensino de Ciências é de conduzir os estudantes a uma visão acrítica e ahistórica de ciência, com conhecimentos prontos e imutáveis (Rosa, 2016).
A posição de uma Educação Ambiental crítica e problematizadora permite superar essa fragmentação entre Educação para o Consumo e a ciência, ao destacar a indissociabilidade entre sociedade e natureza para a compreensão de que os problemas sociais e ambientais estão associados. Esta perspectiva deve ser contemplada pelo Ensino de Ciências, pois colabora para proporcionar uma perspectiva crítica acerca da dominação do ser humano e da acumulação do capital, para que seja possível o enfrentamento de desigualdades e da injustiça socioambiental.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Caderno Meio Ambiente: Educação Ambiental - Educação para o Consumo. Brasília, DF: Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, 2022. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/implementacao/cadernos_tematicos/caderno_meio_ambiente_consolidado_v_final_27092022.pdf. Acesso em 30 ago. 2024.
JORDÃO, Graziela Martins; SILVA, Arleide Rosa. Formação continuada de professores: análise do estado da questão na perspectiva da Educação para o Consumo. Revista de Estudos Interdisciplinares, v. 6, n. 1, p. 01-18, 2024.
LAYRARGUES, Philippe Pomier; LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. As macrotendências político-pedagógicas da educação ambiental brasileira. Ambiente & sociedade, v. 17, p. 23-40, 2014.
ROSA, Marcelo D’Aquino. A Educação Ambiental na formação inicial de um licenciado em Ciências Biológicas: reflexões baseadas em uma prática com uma turma do ensino fundamental. Revista da SBEnBIO, v. 9, p. 831-840, 2016.