Por André Martins
Muitos textos que definem o que são sistemas complexos, assim como este, começam pela dificuldade em se definir o tema e sobre quantas definições diferentes podem ser encontradas. E o leitor, as vezes, fica com alguma confusão porque nem sempre se diz claramente que existem aqui duas perguntas. Elas estão associadas, mas não são a mesma coisa. A primeira pergunta, sobre a qual eu entrarei em maior detalhe aqui, é sobre o que é a área do conhecimento entendida como Sistemas Complexos. A segunda pergunta, mas específica, é sobre o que faz um sistema específico poder ser chamado de complexo (e não apenas complicado).
Algumas boas definições se baseiam no conceito de emergência, que seria uma propriedade básica necessária para um sistema ser complexo, ainda que não seja o suficiente para definir a área. Emergência, no contexto de Sistemas Complexos, é o fato de que, quando juntamos muitas coisas em um todo maior, esse todo costuma ter propriedades que não são fáceis de se prever olhando apenas as partes. Essas propriedades que surgem na descrição do todo são o que chamamos de propriedades emergentes. No caso mais padrão, vindo da Física, se olharmos um material composto por moléculas, a descrição do sistema se pensarmos nas moléculas como unidades, se dá ao especificarmos a posição de cada uma e a velocidade delas, incluindo aí a direção do movimento. Mas, se olharmos para muitas moléculas, por exemplo, um copo cheio de um gás, surgem outras medidas muito úteis para a descrição, como temperatura e pressão. Nem a temperatura nem a pressão aparecem na descrição individual das moléculas. Elas só fazem sentido como medidas de um conjunto muito grande das unidades básicas, que, nesse exemplo, são as moléculas. Claro que as próprias moléculas são compostas de entidades menores. E, da mesma forma, compostos e substâncias podem se juntar e criar células, que podem se juntar em organismos. Em cada um desses casos, podemos pensar em como as características das unidades mais fundamentais (micro) se juntam gerando propriedades dos sistemas maiores (macro). Um exemplo tradicional de emergência é o como bandos de pássaros movendo-se juntos formam belas formas e comportamentos quando observamos o bando como um todo.
Outras pessoas preferem definir Sistemas Complexos como um conjunto de ferramentas. Sendo assim, a área seria definida de uma forma diferente das demais ciências tradicionais, por não ter um aspecto específico do universo que ela estudaria. Biologia, por exemplo, estuda os seres vivos. Sociologia estuda sociedades humanas. Mas Sistemas Complexos seria melhor definido por uma série de ferramentas matemáticas, começando com métodos trazidos da Mecânica Estatística, conceitos de Caos da Mecânica Clássica (ambas, sub-disciplinas da Física), métodos da Estatística, modelos de redes/grafos, assim como técnicas computacionais, em especial simulação por agentes. Sendo assim, a disciplina seria definida pelo que ela pode fazer e não exatamente pelo que estuda.
Há bons motivos para as duas formas de se definir a área. Pessoalmente, eu vejo que há, na verdade, um aspecto da natureza que é, sim, estudado por todas essas técnicas e que pode servir de definição base, a partir da qual, tanto o conceito de emergência como qual técnica utilizamos em cada problema passa a ser um aspecto da definição mais geral. Basicamente, o que a área Sistemas Complexos estuda são as relações entre sistemas maiores e suas partes constituintes. E esse estudo inclui tanto o como componentes microscópicos geram as leis e regras que descrevem o sistema macroscópico, o que é a aplicação mais comum, como também como características macroscópicas poderiam, em princípio, influenciar o comportamento dos elementos microscópicos. Vale notar que microscópico e macroscópico, aqui, não tem a ver com uma comparação com o tamanho de seres humanos e sim sobre quais elementos são pequenas partes do sistema e quais as variáveis descrevem o sistema maior. Assim, microscópico poderia ser referir a moléculas e macroscópico a um vírus. Ou da mesma forma, os elementos microscópicos poderiam ser seres humanos, que juntos, podem criar uma sistema melhor que, em vários aspectos, pode ser melhor explicado por uma descrição macroscópica de sociedade.
Dessa forma, a noção de emergência é um aspecto desses sistemas. Um sistema onde ela não acontece não é dito complexo. Mas isso não quer dizer que não seja um sistema não estudado pela área. Afinal, ao calcular se há algum tipo de emergência ou não, o trabalho será de Sistemas Complexos, qualquer que seja a resposta. E, quanto às técnicas, elas começaram a ser estudadas de fato na Física, para descrever como as propriedades de gases e outros materiais seriam consequências das interações entre as moléculas. A essas técnicas, várias outras foram acrescentadas. Mas toda a modelagem de Sistemas Complexos, todas as técnicas que usamos, visam esse entender a relação entre sistemas de tamanhos diferentes. As técnicas mencionadas acima são fundamentais para nossa compreensão deste tipo de problema. Mas o problema é bem definido mesmo antes de falarmos sobre quais ferramentas vamos usar para resolvê-lo. Ou seja, há uma diferença importante entre perguntar se um determinado sistema pode ser descrito como complexo e o que é a área do conhecimento chamada de Sistemas Complexos.