Envelhecimento e Aparência: Manifesto em 10 atos!

14/10/2022

 

Modelo: Luzia Tanoue

Foto: Suzanne Tanoue

 

Participação da Profa. Dra. Andrea Lopes no evento intitulado Boteco da Diversidade, cujo tema de setembro de 2022 foi Beleza sem Padrão, realizado no dia 24 nas dependências do SESC Pompéia, São Paulo, instituição responsável.

A palestra tratou-se de um Manifesto em 10 atos, descritos abaixo, na íntegra:

 

Primeiro ato:

Aos poucos, o envelhecimento vem deixando de ser um

privilégio e se tornando um direto.

Um marco democrático, fruto da constituição cidadã de 1988.

Na segunda metade do século XX, por diversos motivos,

passamos a viver mais no Brasil.

Esse marco, que se repetiu em grande parte do mundo, nos conta que pela primeira vez na espécie humana estamos vivendo tanto,

em grupo e em condições melhores.

Sim, acreditem, melhores. Já foi muito pior.

No entanto, um conjunto de desafios ainda estão presentes.

Um deles, penso que um dos mais pungentes,

trata-se da apresentação pessoal e coletiva. A chamada aparência.

 

Segundo ato:

O envelhecimento, assim como a aparência, são processos dinâmicos.

Ambos são construídos ao longo do curso da vida e resultam da combinação ora harmoniosa ora dilacerante de aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais.

Nesta direção, experimentamos o que entendemos serem perdas e ganhos.

Porém, em todo e qualquer caso, um ganho não mais se discute: os avanços na conquista da nossa singularidade.

O direito de ser eu, sim, eu mesma, você mesmo.

 

Terceiro ato:

As aparências não enganam.

Somos nós os analfabetos do nosso próprio povo, do nosso próprio ego.

Ignorantes de suas potencialidades e diversidades.

A aparência é nossa face mais complexa.

Compõem-se de três domínios, que se retroalimentam:

estrutural, contextual e funcional.

Trocando para o varejo: nossos aspectos físicos, simbólicos, comportamentais, atitudinais, estéticos, tempo histórico, relações, hábitos, papéis\tarefas e espaços sociais. Serve para nos proteger ou sermos assassinados. Expressa significados, linguagem, grau de pertencimento, crenças e significados.

 

Quarto ato:

Apesar dessa absoluta capacidade de existirmos,

grande parte de nós ainda é invisível.

Ou vê-se apenas o que se quer.

Não ser visto faz sofrer. Ser apagado a cada santo dia atormenta.

O principal deles é não sabermos quem somos.

Perdermos a nossa noção de identidade.

 

Quinto ato:

No curso da vida contemporânea a velhice é a etapa que viveremos mais.

Conta rápida: na velhice, que no Brasil juridicamente se inicia aos 60 anos, pode-se conter diferentes gerações inteiras de velhos em uma mesma família –

avó de 100, filha de 80 e neta de 60. Todos na velhice.

Dentre os velhos, os mais longevos são os que mais aumentam.

A velhice é a fase da sua vida que você vai viver mais tempo.

Já parou para pensar nisso?

 

Sexto ato:

Viver muito é uma prerrogativa das atuais mulheres velhas,

que conquistaram essa façanha.

Mesmo assim, impressionantemente, elas são, ainda, as mais excluídas,

quanto o assunto é, inclusive, aparecer.

A construção da aparência para as mulheres velhas é ceifada pela ditadura da juventude, dentre tantos outros apelos.

Ser jovem, diz Debert, é um ato moral.

Uma fábula moralizante, diria eu.

Não seremos jovens eternamente, como prega o mito,

mesmo nos crucificando ao desejo do congelamento eterno.

Se nos conscientizarmos que o tempo passa, seremos aprendizes de duas únicas certezas: que estamos envelhecimento, em qualquer idade, e que vamos morrer, mesmo que seja lá longe, um dia, quem sabe, talvez.

 

Sétimo ato:

Assim, seguem as mulheres velhas, buscando encontrar espaço entre os cantos mais profundos do imaginário popular, ali, entre o `ridículo` e o icônico.

Usando aqui apenas poucos dos muitos predicados, essas mulheres procuram uma forma de constituírem aparências legitimadas pelo desejo, beleza, inclusão, segurança simbólica e afetiva.

As aparências das mulheres velhas fizeram avanços? Diversos, incontáveis.

Porém, “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos…”

 

Oitavo ato:

A revolução das aparências femininas na velhice ainda se resume às mulheres brancas, altas, magras, finas, ricas, educadas e distintas, entendidas como jovens. Velho eu? Sei que me entendem.

Neste imaginário perverso e desajustado, manter-se fiéis aos pregos que nos fixam as nossas cruzes, sim, aquelas que nos prometem congelar o tempo,

é um caminho dado.

Que cafonice delirante!

 

Nono ato:

As mulheres velhas, aquelas que não se devem o ato de se ver e serem vistas, são reservados valores fundamentais na construção da aparência, como a descrição, a neutralidade, o conforto, a naturalidade e a simplicidade.

O pavimento? “não se há idade mais para isso”.

Faltam-lhes convites, capas, manequins, vitrines, anúncios,

design, ocasiões, propósitos, grandeza, sexo.

Sobram vergonha, inadequação, decadência, desleixo, agulhas, cremes milagrosos sabor café com leite, conformidade, apagamento, exclusão e isolamento.

Mulheres velhas. Vivem mais e à mercê de tudo isso.

 

Décimo e último ato:

Levanta mina

olha pra cima

sente esse clima

hoje vamos exalar poder” (…)

“porque não adianta passar pano, que o pano rasga”

Pa(d)(t)rões, nossas belezas estão de olho!