Adriana Vidotte
Homem e Natureza no pensamento cristão - séculos XII-XIII
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: Este projeto apresenta reflexões sobre o conceito de Natureza na Europa medieval, entre os séculos XII-XIII. Trata-se de uma proposta de abordagem das relações do homem com o meio ambiente que ocupa, habita, interage, modifica: a observação do homem em uma paisagem que é natural, histórica e social. Nesse sentido, a pesquisa se vincula ao núcleo Espaço e Comunidades. Interessa-nos compreender a percepção do meio ambiente e o conceito de Natureza em fontes escritas e iconográficas. Pretendemos analisar como os escritores da época descreveram e representaram as paisagens naturais e revelaram as relações dos homens com o meio ambiente. Esta pesquisa busca compreender uma nova atitude dos intelectuais dos séculos XII-XIII ante a Natureza. Partimos da ideia de que a Natureza já não é vista apenas mediante um código de símbolos que deve ser decifrado pelo homem para chegar à verdade, mas, nesse período, ela passa a ser estudada mais a fundo, como um objeto científico-filosófico. Essa evolução do conceito de Natureza deve ser entendida no contexto das influências, transferências e fusões com os saberes do mundo grego e do mundo islâmico. Essa confluência de saberes, que contribuem nas estruturas de pensamento na Europa Ocidental, marcam um crescente interesse no estudo racional da Natureza. Ao estudar o conceito de Natureza nos séculos XII-XIII, podemos ampliar nossa compreensão sobre a ideia que o homem do período tinha do mundo e de si no mundo.
Adrien Bayard
Redes comerciais do sal na Primeira Idade Média (séculos V-X)
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: O objetivo deste projeto é estudar a circulação econômica, especialmente o comércio de sal e a produção monetária, na costa Atlântica durante a Primeira Idade Média. Esta questão, na encruzilhada do estudo das redes de intercâmbio e da construção do espaço social, permite estudar as conexões entre três tipos diferentes de sociedades: os estados pós-romanos (francos e visigodos); as sociedades celtas da Irlanda, da Bretanha ou da Cornualha; e a criação de Al-Andalus. As mudanças ocorridas durante o século VIII nas redes de comércio e circulação foram analisadas para o espaço mediterrâneo e para os mares do Norte, mas não para o Atlântico.
Alex da Silva Martire
História e Arqueologia Públicas digitais: concretizando resultados no desenvolvimento de um jogo de tabuleiro com temática medieval
Eixo: Métodos Digitais
Resumo do projeto individual: Com base nos eixos estratégicos de Formação e Desenvolvimento Profissional Docente/ Tecnologia, Inovação e Educação Profissional no Currículo da Educação Básica, no Currículo da Cidade da SME (Tecnologias para Aprendizagem) e na BNCC (Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação no Contexto Escolar: Possibilidades), este projeto tem como objetivo geral desenvolver e implementar um jogo de tabuleiro com temática medieval que explore a interconectividade existente nesse período na orla mediterrânica. O jogo proposto será híbrido, combinando elementos analógicos e digitais: os avatares/tokens serão produzidos em impressão 3D, enquanto complementos e narrativas que orientarão a jogabilidade serão disponibilizados digitalmente para dispositivos móveis. O propósito pedagógico deste projeto é, portanto, fomentar uma investigação sobre o passado, promovendo um processo ativo de aprendizagem para estimular o protagonismo do estudante diante do conhecimento.
Alexis Wilkin
Geografias da fome? Conexões comerciais temporárias entre o Mediterrâneo e o Norte da Europa no final da Idade Média, em períodos de fome
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto: No final da Idade Média Central e na Baixa Idade Média, a interconexão dos mercados de cereais foi um dos fenômenos que atraiu a atenção dos medievalistas: de fato, esses mercados tinham o potencial de aliviar as crises alimentares, transportando cereais que poderiam estar em falta em regiões afetadas pela escassez. Todavia, a integração do mercado também tinha o potencial de tornar contagiosas as crises alimentares inicialmente localizadas, ao remover grãos de regiões que não eram a priori afetadas por fatores que desencadeavam crises (por exemplo, distúrbios climáticos ou militares) e, assim, generalizando o aumento de preços, as tensões no mercado de grãos e a escassez de alimentos. Como uma continuação do projeto desenvolvido por Marcelo Cândido da Silva, este projeto visa: 1) melhorar o nosso conhecimento sobre a interconexão dos mercados cerealíferos do Mediterrâneo com os espaços do Norte da Europa nos séculos XIII, XIV e XV. As crises alimentares (por exemplo, a de 1315-1317) levaram a uma integração econômica dos mercados alimentares pelo menos durante as crises, favorecendo a exportação através do Sul da França e da Costa Atlântica/Mar do Norte de cereais direcionados para as áreas sob tensão. Estes cereais poderiam, em particular, vir da Península Ibérica, das Ilhas Baleares ou da Sicília, que estavam altamente interligadas. Será dada atenção às redes de transporte e circulação de informações entre as duas regiões e ao alinhamento (temporário?) dos preços dos cereais entre estas duas áreas. 2) Seguindo o projeto Portugal 1300 e o projeto QFAME da ULB (banco de dados e cartografia da fome), a segunda linha desta pesquisa se concentrará na integração dos conjuntos de dados já coletados, através do mapeamento cruzado (no QGIS) das menções literárias da fome entre o Norte e o Sul (particularmente as áreas portuguesa e ibérica, e a Holanda). Este mapeamento fortalecerá a reflexão sobre a natureza “transfronteiriça” da fome e seu contágio comercial por rio ou mar.
Aline Benvegnú dos Santos
O românico catalão no contexto mediterrânico e a circulação de tradições na escultura monumental
Eixo: Métodos Digitais
Resumo do projeto individual: O objetivo dessa proposta é trabalhar a noção de circulação de tradições imagéticas pelo Mediterrâneo durante os séculos XI e XIII a partir da constituição de uma base de dados de imagens esculpidas em monastérios românicos catalães, com um foco na escultura ornamental dos capitéis localizados em claustros. Essas imagens se formam a partir de tradições que circulam pelo Mediterrâneo e, nesse sentido, os aportes metodológicos da História Global são de grande valia, ao possibilitarem o olhar sobre a diversidade de formas imagéticas presentes nos edifícios e a compreensão das tradições e circulações que, na escultura, participam das formas de comunicação e interação sociais.
André Miatello
Das assembleias religiosas à esfera pública: as cidades mediterrâneas entre os séculos XIII e XV
Eixo: Espaço e Circulação
Resumo do projeto individual: Do ponto de vista da história religiosa, o Mediterrâneo oferece um campo de estudos muito rico para uma História Conectada. Chamado recentemente de o Mar da Fé, o Mediterrâneo ajudou a forjar as comunidades judaica, cristã e islâmica tanto quanto foi transformado por elas. A crítica atual tem acentuado o papel positivo das comunidades religiosas na organização dos espaços urbanos e das políticas públicas, funcionando como vetores de ação social e lugar de debate público. Partimos da hipótese de que sinagogas, igrejas e mesquitas nunca foram apenas templos, pois abarcavam assembleias participativas que interagiam com o espaço profano e com seus dilemas, dentro e fora das cidades. Por isso, queremos entender como funcionavam tais assembleias e qual a sua relação com a prática política citadina, ao redor do Mediterrâneo, entre os séculos VII-XV, apontando para as propostas de ação social dali emergidas. Por meio de análise comparativa e do arcabouço conceitual da História Conectada ou Global, iremos analisar os seguintes materiais: Nicetas Choniates, The city of Bizantium; Constantino Porfirogênito, De administrando imperio; Geoffroy de Villehardouin, The Conquest of Constantinople; Ibn Khaldun, The Muqaddimah; Al-Razi, La description de l’Espagne d’Ahmad al-Razi; Al-Idrisi, Nuzhat al mustaq fi Ihtirak al-afak; Chronica da Tomada desta Cidade de Lisboa aos mouros e da fundaçam deste Moesteiro de Sam Vicente; Crónica del Emperador Alfonso VII; Bullarium Ordinis Fratrum Minorum; Bullarium Ordinis Fratrum Praedicatorum, Salimbene de Parma, Cronica; Jacopo de Varagine, Chronica civitatis Ianuensis.
Bruno Tadeu Salles
A Itinerância como resposta aos desafios de um ambiente adverso: as comunidades nômades do espaço de Bilad Al-Sham e suas relações com os poderes Latinos e Muçulmanos durante as Cruzadas
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: O espaço que compreende o Egito, a Síria e a Mesopotâmia, durante os séculos XII e XIII, foi um dos ambientes mais hostis ou desafiadores para a ocupação humana. Índice da conexão climática daquelas regiões, os climas áridos e semiáridos, conjugados com períodos de fome e seca, compunham um quadro dramático. Ainda é preciso acrescentar as disputas e os dilemas do convívio que se seguiram ao estabelecimento dos reinos Latinos durante as Cruzadas e suas disputas com os poderes muçulmanos da região. Por outro lado, personagens importantes deste período, as comunidades nômades – berberes, beduínos e turco – mantinham sua itinerância secular, procurando pastagens férteis e estabelecendo compromissos relativamente estáveis com os poderes sedentários. Contudo, essas comunidades ainda não se constituíram em tema de estudos detidos, notadamente em língua portuguesa. Nesse sentido, a partir de uma documentação de origem muçulmana, propomos estudar a presença dessas comunidades nômades no Levante e as respostas que deram àquelas circunstâncias. Pretendemos analisar essas comunidades a partir dos escritos sobre o tempo produzidos por Usama Ibn Munqhid (1095-1188), Ibn- al-Athir (1160-1232) e Ibn al-Furat (1334-1405), dedicando, assim, uma atenção exclusiva aos corpora islâmicos. Edições documentais de tratados e textos pragmáticos do período, traduzidos para o inglês e o francês, também serão mobilizados para complementar o arcabouço de fontes relativas àquelas comunidades. Em suma, nosso problema pode ser sintetizado na seguinte pergunta: como as comunidades nômades, segundo a perspectiva dos cronistas e historiadores muçulmanos, responderam aos desafios ambientais e políticos de viver, sobreviver e conviver em Bilad Al-Sham (Levante) dos séculos XII e XIII?
Carlos Augusto Ribeiro Machado
Mudança ambiental e resiliência urbana na Itália tardo-antiga
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: É atualmente consenso que mudanças ambientais tiveram um impacto determinante nas sociedades mediterrâneas durante a Antiguidade Tardia. O fim do chamado “ótimo climático romano” e o início da “pequena idade do gelo tardo-antiga”, associados à difusão de novas epidemias, tiveram enchentes, quebras de colheita e a peste de Justiniano como seu sinal mais evidente. Os julgamentos de historiadores se dividem entre os catastrofistas e aqueles que enfatizam o papel de impérios e mercados inter-regionais na explicação da sobrevivência destas sociedades após o século VII. Este projeto contribuirá para esse debate analisando o como diferentes comunidades urbanas reagiram e se adaptaram a estes fenômenos naturais globais, tomando como estudo de caso a península itálica. Esse foi um processo complexo de mudança social e redimensionamento de escalas, do qual as cidades italianas emergiram estruturadas por novas hierarquias de poder e inseridas em novas redes econômicas e políticas. Entre o início do século IV e o final do século VI, a Itália passou por diversas crises, incluindo fragmentação política, instabilidade militar, o declínio das estruturas cívicas tradicionais e o surgimento de uma nova estrutura de poder baseada na religião. Nesse contexto, comunidades urbanas interagiram com a Igreja, autoridades imperiais, povos invasores e grandes proprietários de terras, buscando respostas para os desafios impostos por processos de mudança ambiental. Existe uma rica documentação para essa interação entre micro-realidades locais e autoridades macro-políticas: o registro arqueológico registra mudanças climáticas (através de proxies) e em padrões de assentamento e urbanismo, assim como na cultura material e nível de consumo; leis e documentos oficiais atestam políticas de imperadores, reis e bispos, assim como petições de seus súditos; crônicas e cartas testemunham o impacto destes eventos em nível local. Este projeto tem como objetivos a) identificar como processos ambientais globais incidiram sobre as micro-regiões italianas, e qual seu impacto; b) examinar possíveis correlações entre mudanças climáticas e na cultura material, seja através de novos padrões de consumo, abastecimento de água, ou na reorganização de redes comerciais; c) analisar respostas imperiais, eclesiásticas e citadinas a estes fenômenos em seu contexto histórico específico.
Carolina Gual da Silva
Crise, resistência e transformações climáticas: a cobrança e coleta de dízimos no Mediterrâneo (séculos XII-XV)
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: A história da cobrança obrigatória do dízimo na sociedade medieval surge em meio à noção de crise, desde o século VII. Autoridades eclesiásticas e seculares colocavam a cobrança como uma medida de exceção que convocava o pagamento para lidar com catástrofes sociais e ambientais. Ao longo dos séculos XI-XII, o caráter de exceção foi deixado de lado e observamos um esforço, por parte de todas as instâncias da Igreja, em definir a obrigatoriedade e universalidade da cobrança do dízimo. No século XII a cobrança estava bem estabelecida e representava parcela significativa dos rendimentos de paróquias e dioceses, particularmente na região mediterrânica. Por tratar-se de uma forma de imposto cobrada principalmente sobre a produção agrícola, os rendimentos estavam sempre sujeitos a flutuações ocasionadas por fatores endógenos e exógenos. Assim, para além dos aspectos econômicos, sociais e políticos, o dízimo precisa ser tratado também a partir da perspectiva das transformações ambientais por estar ligado a noções como crise, caridade, ação dos homens sobre as terras e variações climáticas. A partir do cruzamento de fontes jurídicas, crônicas, atos da prática, libri decimarum, análises de proxies e outros dados climáticos são os objetivos desse projeto: entender como as mudanças climáticas a partir particularmente do século XIII impactaram no recolhimento dos dízimos e como esse impacto relaciona-se com os movimentos de resistência aos dízimos; como podemos pensar uma nova cronologia dos dízimos a partir da combinação das condições econômicas, políticas, sociais e ambientais.
Cláudia Regina Bovo
A circulação cristã de modelos e práticas de poder: cultura escrita e identidades nas relações Mediterrânicas entre os séculos V e XI
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: O período entre os séculos V e XI é marcado por grandes transformações nas relações de poder entre o Império Bizantino e as comunidades políticas surgidas no Ocidente latino após o fim da dominação imperial romana. A cidade de Roma havia se tornado econômica e militarmente modesta, embora mantivesse o prestígio pela sua importância histórica. Por outro lado, Constantinopla era então centro político, militar e cultural do Império. É um período no qual se verifica a disseminação de diferentes modelos e práticas de poder nas relações entre as populações mediterrânicas, fossem elas diplomáticas ou conflituosas, tanto na instância dos governos quanto nas episcopais. Neste projeto, trabalharemos com a produção e circulação de diferentes tipos documentais, escritos por autores bizantinos e latinos no espaço mediterrânico. A proposta terá como fontes principais textos historiográficos e atas conciliares, analisadas junto a outro grupo de documentos, tais como cartas pontifícias, coleções de epigrafia, sermões, obras de caráter teológico e textos eclesiásticos. O objetivo é compreender a circulação de diferentes tipos de cristianismos para além da divisão tradicional entre Ocidente e Oriente. Pretende-se, por meio do estudo das relações de aliança e competição entre diferentes autoridades clericais e laicas, analisar a construção de identidades das comunidades político-religiosas ao longo do Mediterrâneo. Será alvo de atenção particular a forma como novas identidades foram gestadas em um ambiente eminentemente multicultural. Esta proposta se insere no núcleo temático Circulação e Comunicação, identificada com a História Global a partir do diálogo constante com outras ciências e por não considerar as fronteiras políticas como limites temáticos às nossas reflexões.
Daniele Solvi
A rede textual da Ordem dos Frades Menores (séculos XIII-XVI)
Eixo: Comunicação e Circulação
Resumo do projeto individual: O pesquisador irá refletir sobre o nascimento, o funcionamento e as transformações da densa rede da Ordem dos Frades Menores nos séculos XIII e XVI em todo o espaço geográfico e cultural europeu: das ilhas Canárias ao Oriente Médio cristão, da Itália mediterrânica à Escandinávia. Mais especificamente, ele analisará tal presença capilarizada da Ordem e seus relacionamentos com essas diversas realidades políticas, socioeconômicas e intelectuais a partir de três instâncias: a) os viajantes; b) os textos e livros; c) as trocas epistolares. Serão privilegiados dois momentos de especial dinamismo: 1) a construção e a sobrevivência de uma rede dissidente (espirituais, fraticelli) que se conecta a poderes locais e casas governantes escapando à autoridade da Ordem e à Inquisição; 2) o empenho da Observância cismontana para a reafirmação do papado em escala europeia e a sua inserção no vivo ambiente em que se afirma o paradigma cultura humanístico.
Edmar Checon de Freitas
Fragmentos de um mosaico: circulação e enraizamento comunitário de relíquias, textos e imagens no Mediterrâneo da Alta Idade Média
Eixo: Espaço e Circulação
Resumo do projeto individual: A pesquisa tem como foco a circulação de textos, imagens e relíquias no mundo Mediterrâneo da Alta Idade Média associados ao universo do culto dos santos no cristianismo. Em termos de delimitação temporal a pesquisa se concentrará no período que vai do V ao VIII século, avançando assim da fase mais aguda do processo de desagregação do Império Romano para a época da consolidação dos reinos romano-germânicos no Ocidente. O propósito central da pesquisa é discutir o movimento dialético entre local e universal na constituição da cultura cristã da Alta Idade Média, articulando a circulação de pessoas, textos, relíquias e imagens no mundo Mediterrâneo de então à fixação dos mesmos como pontos de nucleação de comunidades devocionais. Parte-se da hipótese geral de Peter Brown (The rise of Western Christendom) segundo a qual o Ocidente dessa época seria como que uma colcha de retalhos de mircrocristandades adjacentes, no sentido de que cada reino romano-germânico se organizava, em termos de cultura cristã, como um repositório de todo o saber disponível. Mas tal arranjo seria ainda marcado pela interconectividade, ou seja, um princípio universalista cristão que permearia o conjunto. Propõe-se aqui considerar tais microcristandades também do ponto de vista do acúmulo de ritos, crenças e objetos sagrados, mais especificamente textos e imagens. O culto dos santos e o material hagiográfico (vidas de santos e coleções de milagres) apresenta-se como um meio adequado para realizar tal intento, considerando-se sua abrangência e capilaridade no mundo cristão. Em termos metodológicos esse material será explorado a partir de coleções documentais (Patrologia Latina, Monumenta Germaniae Historica, Rerum Italicarum Scriptores), articulando-se a noção de comunidades devocionais (com base nas comunidades textuais, de B. Stock) à perspectiva de uma história global do cristianismo.
Fabiano Fernandes
A circulação de presentes na cúria pontifícia Alto-Medieval. Da Roma de Gregório Magno à hegemonia franca. C.590-c.750
Eixo: Comunicação e Circulação
Resumo do projeto individual: Este projeto, por meio de fontes escritas, imagéticas e oriundas da cultura material, busca identificar os tipos de presentes e seus significados para a constituição das relações de poder na Alta Idade Média. A modificação dos tipos de presentes e da hierarquia de seu valores econômico-simbólicos informam muito sobre as transformações culturais e sociais da época. Algumas fontes serão particularmente privilegiadas, tais como o registro de cartas de Gregório Magno, as cartas entre o bispo de Roma e a corte de Constantinopla; as cartas trocadas entre o bispo de Roma e os diversos poderes lombardos; as trocas de cartas e presentes entre o bispo de Roma e demais poderes públicos; bem como será efetuada a análise dos objetos trocados propriamente ditos, que podem ser parcialmente encontrados em museus de diferentes naturezas. O Liber Pontificalis e as diversas crônicas da época também farão parte do corpus documental. Dentre os resultados do projeto, pretende-se produzir um léxico de termos latinos on-line (bilíngue inglês e português) que tratará dos objetos identificados nas pesquisas do núcleo e Espaço e Circulações.
Flavia Aparecida Amaral
Joana d'Arc e o profetismo feminino na primeira modernidade: por uma história conectada
Eixo: Comunicação e Circulação
Resumo do projeto individual: A memória de Joana d’Arc foi construída, quase exclusivamente, sob a influência do nacionalismo que, no século XIX, fez emergir a heroína laica, patriota e representante legítima do povo. Mas, seria possível pensar esse personagem fora dos quadros de uma História Nacional francesa? Acreditamos que uma das formas mais efetivas para se ampliar as perspectivas de análise sobre Joana d’Arc é proceder a uma abordagem que estabeleça uma conexão entre sua recepção no cenário político francês com a circulação e propagação do discurso da discretio spirituum, que é por natureza “transnacional e multilinguístico”. Trata-se de uma elaboração teológica cujos componentes foram construídos através de dissertações complexas sobre a virtude do visionário, a natureza e o propósito das revelações, e que pode ser traduzida como “discernimento dos espíritos”. Nossa proposta é investigar em que medida a aceitação ou rejeição das visões e profecias de Joana estiveram imersas nesse amplo debate relacionado a uma crise, precipitada pelo Cisma do Ocidente, que afetou tanto os proféticos, como as autoridades eclesiásticas. Pretendemos posicionar algumas fontes que buscaram compreender o advento de Joana d’Arc, como De Quadam Puella, De Mirabili Victoria, Sibylla Francica e Ditié de Jeanne d’Arc, nessa rede de conexões que envolve o Reino Francês, em um momento de crise intensa, e os principais debates empreendidos na tentativa da Igreja em compreender os fenômenos proféticos no contexto do Cisma.
Flavia Galli Tatsch
Circulação e culturas compartilhadas: objetos portáteis como produtores de significados
Eixo: Comunicação e Circulação
Resumo do projeto individual: Este projeto buscará compreender como a intensa circulação de artefatos acabou por estimular uma cultura visual compartilhada a partir do Mediterrâneo. Elaborados em suportes diversos, muitos objetos foram deslocados de seus locais de origem e seus significados devem ser pensados em um contexto mais amplo que, necessariamente, englobe outros itens. Os objetivos gerais deste projeto são os seguintes: a) perceber os espaços múltiplos a partir do Mediterrâneo e a fluidez entre eles; b) compreender a mobilidade ressaltando os mecanismos das circulações entre o local, o regional e o supra-regional; c) cotejar, a partir da vida social e biografia, os presentes e dons diplomáticos e a forma como operavam um tipo de cultura em comum; d) identificar as semelhanças dos objetos mediterrânicos e seu pertencimento dentro de uma cultura visual mais ampla e compartilhada. Tendo em vista a crise das narrativas tradicionais, esta pesquisa privilegiará a história conectada da arte medieval e o conceito de “portabilidade”. Esses aportes metodológicos estimulam a pensar nas conexões, interdependências, trocas e mobilidades; permitem mapear uma linguagem visual comum a partir de objetos que se movem ou que permanecem “fixos”; além de enfatizar a percepção da circulação de elementos iconográficos em técnicas artísticas e suportes distintos. Para isso, serão abordados objetos em marfim e osso (ex: olifantes e caixas sículo-árabes) e têxteis (ex: casula de Thomas Becket; sudário de São Lázaro) em diálogo com artefatos similares e com outros meios (como a arquitetura).
Igor Teixeira
O Reino da Sicília (séculos XIII-XIV) como espaço de disputa e conexão no Mediterrâneo
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: Um dos principais motivos para o interesse de Lombardos, Bizantinos, Muçulmanos, Normandos, Germânicos, Franceses e Aragoneses sobre a Sicília é a posição privilegiada no Mediterrâneo. Cada novo grupo dominante produziu narrativas que visavam legitimar a conquista e permanência do mesmo. O objetivo geral é pensar as especificidades narrativas de crônicas dos séculos XIII e XIV considerando a forma como os textos conectam aspectos relacionados aos grupos envolvidos. Especificamente: identificar o uso de categorias relacionadas às diferentes identidades; analisar se as categorias são usadas para as identidades atribuídas a si e dos outros; considerar o espaço mediterrânico em conexão a partir da categoria de “middle seas”. Entre os séculos XIII e XIV houve ao menos três situações que impactaram na forma como o espaço geográfico – a Ilha da Sicília – e a formação política – o Reino da Sicília – foram disputados: ascensão e queda dos Hohenstaufen na região; as Vésperas Sicilianas; a consolidação do poder dos Angevinos a partir de Nápoles (mas que seguiam se autointitulando “reis da Sicília”). A documentação selecionada é composta pela Crônica de Ricardo de San Germano, Os feitos do imperador Frederico II e de seus filhos Conrado e Manfredo reis da Puglia e da Sicília, A descrição da vitória de Carlos conde de Anjou, A revolta da Sicília contra o Rei Carlos, A Crônica da Sicília e a Cronaca di Partenope. Perspectivas historiográficas têm se voltado para o entendimento de como os sujeitos produziram identificações de grupos com os territórios de modo a diferenciar grupos dentro do mesmo território. Essas estratégias legitimavam ou deslegitimavam a permanência dos mesmos e a autoridade que exerciam ou pretendiam exercer sobre terras e gentes.
Isabelle Cartron
Ritos funerários e circulação de objetos durante a Alta Idade Média
Eixo: Espaço e Circulação
Resumo do projeto individual: Durante a Alta Idade Média, as sepulturas mais prestigiosas continham frequentemente no seu interior bens materiais depositados, como acessórios de vestimenta, joias ou outros tipos de objetos (armas, utensílios de banquete, moedas, instrumentos de costura etc.). No desenrolar das cerimônias funerárias, a organização dos depósitos correspondia ao momento de preparação do corpo do falecido, geralmente em antecipação a sua exposição pública, sendo ela longa ou curta. Para as categorias sociais elevadas, esse tempo de exposição mostrava-se como um momento chave: o impacto da visibilidade do indivíduo, paramentado com objetos de prestígio, é essencial, pois reforçava a coesão da comunidade da qual ele participa (seja familiar ou de um grupo específico). O estudo dos objetos associados às sepulturas permite questionar a circulação desses bens, seus valores e a simbologia relacionada às identidades dos inumados e de sua comunidade. Tal abordagem interdisciplinar permite associar à Arqueologia com as demais fontes históricas.
Jean-Louis Gaulin
Os mercados periódicos no Mediterrâneo (século XI-XV)
Eixo: Espaço e Circulação
Resumo do projeto individual: O objeto desta pesquisa são as relações comerciais, mais precisamente, os mercados periódicos no Mediterrâneo medieval. O objetivo é estudar os lugares e as temporalidades dos contatos entre os mercadores das cidades italianas dos séculos XI ao XV, e dos mercadores do mundo bizantino com aqueles dos países islâmicos no litoral do Mediterrâneo. Em ligação direta com os temas da comunicação e da circulação de homens, de bens e de informação, esta pesquisa se interrogará sobre os espaços e os tempos do comércio mediterrânico, a fim de compreender como se articulavam os mercados longínquos, apesar das restrições naturais, da diversidade das instituições, das línguas e das culturas.
José Rivair Macedo
Os embaixadores dos reis do Kongo entre Lisboa, Madrid e Roma: 1570-1622
Eixo: Espaço e Circulação
Resumo do projeto individual: A proposta de investigação dedica-se ao estudo das relações diplomáticas mantidas entre os reis do Kongo e autoridades da Igreja Romana nos séculos XVI e XVII, com particular atenção aos períodos de governo de Álvaro I (1568-1587), Álvaro II (1587-1614) e Álvaro III (1615-1622). O objetivo é examinar as estratégias adotadas pelos governantes africanos para afirmar sua legitimidade como monarcas católicos no período em que o reino português foi temporariamente controlado pelo Império Espanhol da dinastia dos Habsburgos. As iniciativas mediterrânicas do Kongo junto ao Vaticano estão articuladas aos pressupostos de uma história conectada das monarquias cristãs e a uma política global de conversão no período da Contra-Reforma; elas serão interpretadas levando em conta os diferentes atores e interesses envolvidos em tais relações na Europa e na África. As fontes primárias de estudo, integradas por documentação diplomática (correspondência, atos administrativos) e documentação narrativa (crônicas, relatos de viagem), encontram-se parcialmente publicadas (Antonio Brasio; Jean Cuvellier; Louis Jadin) e parcialmente inéditas (Arquivo Nacional da Torre do Tombo; Archivio Apostolico Vaticano; Biblioteca Apostolica Vaticana). Serão estudadas a correspondência entre os reis do Kongo, agentes da Igreja (núncios, coletores), papas (Clemente VIII; Paulo V) e reis da Espanha (Filipe II; Filipe III) e missões diplomáticas enviadas pelos reis do Kongo a Roma. As questões de pesquisa dirão respeito a três momentos das relações do Kongo com a Santa Sé, nos quais se pode observar gradual mudança de atitude da Igreja em relação aos governantes centro-africanos. O primeiro momento está situado entre os anos 1586-1596 e envolve duas missões diplomáticas, uma delas conduzida pelo mercador cristão-novo Duarte Lopes, que procurou estabelecer contato direto com a Santa Sé e divulgou informações acerca daquele reino na detalhada descrição feita ao erudito italiano Filippo Pigafetta que deu origem ao livro Relatione del reame de Congo, feito em 1591; e outra, representada pelo alto dignitário conguês do condado de Mbata, António Vieira, levou a que, após longa negociação com Portugal e Espanha, o papa Clemente VIII autorizasse a transferência da sede do bispado do Kongo, antes situada na Ilha de São Tomé, para a cidade de São Salvador (Mbanza Kongo) no ano 1596. O segundo momento ocorreu entre 1604-1608, e diz respeito a uma embaixada liderada por António Manuel Ne Vunda, marquês de Nfunta, enviada pelo rei Álvaro II a Roma nos pontificados de Clemente VIII e Paulo V, na qual o Kongo se colocou formalmente sob proteção papal. Para a proposta, além de documentação publicada mostra-se de grande interesse a interpretação dos dados constantes em manuscritos preservados em códice da Biblioteca Apostolica Vaticana, série Latina, Ms. 12.516, constituído de 135 fólios, em que se encontram informações sobre as embaixadas do Kongo, de Portugal e da Espanha para tratar de assuntos relacionados com a difusão do cristianismo no Kongo. Também será devidamente estudada a documentação diplomática relativa ao embaixador António Manuel Ne Vunda pertencente ao Archivio Apostolico Vaticano (Misc. Armadi, I, 91, Scritture di Spagna, II, ff. 124-254), que permanece inédita e poderá contribuir para ampliar o conhecimento sobre a inserção do Kongo cristão no contexto da Contra-Reforma.
Julio Cesar Magalhães de Oliveira
Boato e poder na Antiguidade Tardia: um estudo sobre a comunicação informal em tempos de polarização
Eixo: Comunicação e Circulação
Resumo do projeto individual: Este projeto deve resultar em uma tese de livre docência a ser defendida na Universidade de São Paulo. Trata-se de um estudo sobre os diferentes usos dos boatos nos conflitos religiosos da Antiguidade Tardia, tendo como base uma análise comparada com a comunicação informal em Roma, no final da República. Minha hipótese é de que, embora funcionem em todo o tempo como um meio alternativo para a expressão de opiniões políticas, particularmente para grupos dominados ou incapazes de impor seu ponto de vista, os boatos encontram maior ressonância na cena pública nos contextos de mobilização de massa. Ao confrontar o papel dos boatos nas controvérsias religiosas dos séculos IV e V com o lugar que essas “notícias improvisadas” ocupam nas lutas políticas do final da República, meu objetivo é identificar semelhanças e diferenças nos padrões de mobilização da opinião pública pelos líderes das facções envolvidas nestas disputas, mas também estudar as percepções populares dessas mesmas lutas.
Marcella Miranda
A razão de estado entre nações e impérios: a formação do léxico político moderno nos escritos de Juan Bautista de Tassis (1530-1610)
Eixo: Comunicação e Circulação
Resumo do projeto individual: O projeto se centra no estudo e na contextualização do epistolário e das obras de Juan Bautista de Tassis (1530-1610) no contexto da gestação da literatura hispânica da razão de Estado. Em suas diferentes formas de escrita, esses textos são adotados como um observatório privilegiado para conduzir uma análise dos significados que o campo semântico nucleado pelo sintagma da razão de Estado foi sendo, de forma paulatina, incorporado na linguagem política hispânica do início da Idade Moderna. Não se trata, portanto, de acrescentar novos registros a um catálogo de autores que escrevem quando as coordenadas da consideração da política sob o prisma da raison d’état já estão semanticamente fixadas. Trata-se essencialmente de recompor e atender ao contexto anterior ao surgimento dessa literatura e, mais especificamente, ao momento em que, após a guerra civil-confessional francesa, a reflexão sobre o tema do Estado começou a ser interpretada em termos da raison d’état. O que se propõe, portanto, é uma imersão nos anos e no contexto em que, de forma fragmentária e pela mão de agentes que não atuaram como teóricos em primeira instância, foram forjadas categorias de leitura da política que, mais tarde, encontrariam definição e estabilização doutrinária nos textos de Pedro de Ribadeneyra ou Giovanni Botero.
A pesquisa se constrói a partir de três registros metodológicos referenciais que parecem obrigatórios devido à sua natureza e inquietação. Em primeiro lugar, o estudo contextual no sentido linguístico proposto por autores como John Pocock ou Quentin Skinner, da chamada Escola de Cambridge. Ao lado disso, a história conceitual da escola alemã, com especial atenção aos estudos de Reinhart Koselleck. E, como complemento a ambas, a estratégia de abordagem das práticas de leitura e escrita da alta modernidade, temas explorados por figuras como Roger Chartier ou Fernando Bouza.
Há uma historiografia consolidada sobre a modulação, no século XVI, da linguagem política da razão de estado e seu distanciamento da compreensão clássica da política. E também temos um conhecimento historiográfico não menos estabelecido sobre a forma que a chamada querela da razão de Estado adquiriu no seio da reflexão intelectual hispânica e a maneira pela qual ela obedeceu à necessidade sentida de responder à superação, em termos políticos, das guerras de religião na França. No entanto, tem-se dado menos atenção à leitura que os representantes diplomáticos hispânicos na França fizeram precisamente dos debates dos quais participaram direta e ativamente, e nos quais uma profunda reconfiguração do léxico político estava tomando forma, com o objetivo de criar uma ordem civil que pudesse conter diferentes confissões religiosas.
Essas leituras, nem sempre coincidentes, e que se estabilizaram em diferentes formas de escrita, contêm, no entanto, um depósito esclarecedor das categorias e concepções políticas com as quais se procedeu a intervir em tais debates e a analisar o modo como foram revelando, pouco a pouco, formas de compreensão da política cuja relação com a religião não eram aquelas que muitos desses agentes entendiam como naturais. E o que se propõe neste projeto é reconstruir essas leituras, com especial consideração pela divergência que nelas se pode detectar, para propor como tese central que a configuração confessional que acabou assumindo a linguagem da razão de Estado nas coordenadas da política cristã da monarquia católica não foi a única opção discursiva que se pôde considerar em um primeiro momento. Se Juan Bautista de Tassis é o fio que une o projeto, é precisamente porque sua abordagem da compreensão da política torna possível questionar concepções teleológicas que podem ter distorcido o caminho que, mesmo na monarquia católica, veio a ser tomado naquela época por uma linguagem e uma compreensão da política que não era necessariamente limitada por questões de natureza confessional.
Juan Bautista de Tassis foi embaixador da monarquia espanhola na França pela primeira vez entre janeiro de 1581 e dezembro de 1584. Ele foi responsável pela assinatura do Tratado de Joinville, um acordo que confirmou o apoio financeiro e militar do rei da Espanha em favor da Liga Católica. Após esse evento, Tassis retornou aos Países Baixos, onde assumiu o cargo de superintendente-geral dos exércitos de Flandres. Do norte, ele dirigiu as operações militares e financeiras da intervenção na França, mais tarde acompanhada por Don Diego de Ibarra. Ele também organizou e participou das incursões militares do Duque de Parma na França para libertar os cercos de Paris (1590) e Rouen (1592). Retornou novamente ao reino francês como ministro de Felipe II na assembleia dos Estados Gerais da Liga (1593), juntamente com Ibarra e o duque de Feria. A tentativa de coroar a infanta Isabella Clara Eugénie foi rejeitada pelos deputados e pelo Parlamento de Paris, o que levou à conversão de Henrique de Bourbon e à subsequente conquista de Paris. Após retornar aos Países Baixos, Tassis foi nomeado por Felipe II para compor a equipe que assinaria o Tratado de Vervins. Ele foi novamente nomeado embaixador na França por Felipe III, onde serviu até 1604. Como se pode ver, a carreira política e militar de Juan Bautista de Tassis está diretamente ligada aos conflitos civis e confessionais na França.
Marcos Abreu Leitão de Almeida
“Fome” como categoria histórica na Região do Baixo Congo Durante a Anomalia Climática Medieval (ca. 900–1200)
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: Este projeto investiga como as sociedades do Baixo Congo, falantes de línguas Banto, conceberam e responderam à fome durante a Anomalia Climática Medieval (ca. 900–1200). Desafiando tanto as visões coloniais que associam a África a uma escassez imemorial quanto as narrativas nacionalistas que negam crises alimentares anteriores à colonização, o estudo propõe uma abordagem que reconhece a agência africana na formulação de estratégias alimentares em tempos de escassez. Utilizando linguística histórica, arqueologia e dados paleoambientais, o projeto visa reconstruir conceitos de fome, escassez e resiliência social entre os falantes do grupamento linguístico Kongo. A pesquisa destaca como essas sociedades enfrentaram a seca e possíveis crises alimentares, revelando interações entre mudanças ambientais, diferenciação social e formação de estados, como o Reino do Kongo. Ao situar essas dinâmicas no contexto das “Idades Médias Globais”, o estudo contribui tanto para integrar a África Central na historiografia medieval, quanto para romper paradigmas eurocêntricos e eurofônicos desta mesma historiografia, contribuindo, assim, para uma abordagem multicêntrica para períodos históricos anteriores ao século XV.
Maria Cristina Correia Leandro Pereira
Produção e circulação de manuscritos ornamentados das Etimologias de Isidoro de Sevilha
Eixo: Comunicação e Circulação
Resumo do projeto individual: Um dos melhores caminhos para se pensar circulação e comunicação na Idade Média é o estudo de manuscritos (objetos que serviam não só para comunicar pensamentos, mas também para difundi-los) e de seus produtores (copistas e também artistas, para o caso dos manuscritos iluminados). Tomando como ponto de partida o numeroso corpus das cópias manuscritas das Etimologias de Isidoro de Sevilha (das quais cerca de mil, produzidas desde o século VII, são conservadas integral ou parcialmente), o objetivo desta pesquisa é estudar as instâncias de produção e as redes de circulação dos exemplares desse conjunto que apresentam ornamentação. Trata-se de uma série mais reduzida de códices que contam com iniciais decoradas e imagens, além de todo um aparato gráfico, como esquemas e diagramas, que constam originalmente da própria obra isidoriana. Assim, no estudo desses manuscritos ornamentados, atentaremos principalmente, por um lado, à circulação de “modelos” de decoração e, por outro, à circulação e atuação de seus produtores, tanto artistas quanto copistas.
Maria Cristina La Rocca
Mobilidade e conexão no século VI: os espaços italiano, franco e visigodo em comparação
Eixo: Espaço e Circulação
Resumo do projeto individual: Esta pesquisa visa examinar a conectividade dos indivíduos, a partir da análise dos deslocamentos entre os espaços italiano, franco e visigodo, que, no século VI, foram estreitamente relacionados. As origens desta conexão foram rigorosamente ligadas à expansão dos reinos de Teoderico e de Clóvis e, posteriormente, de Clotário I, em um espaço variado que incluía a Espanha visigodo e a parte meridional da Gália – em particular, a região da Provença. Os três reinos eram intimamente relacionados graças ao parentesco cruzado de seus reis. Teodorico, por exemplo, pôde governar a Provença após a derrota de Alarico II em 507 por ser avô do jovem rei Amalarico. Portanto, a partir dessas conexões reais “privadas”, uma série de fenômenos, que foram somente estudados pela perspectiva étnica (i.e. os casamentos entre visigodos e ostrogodos), pode ser reavaliada e considerada: 1) a mobilidade forçada de jovens aristocratas em direção a Roma, à corte real; 2) a mobilidade de homens e de mulheres, pois uma série de casamentos coloca em discussão a virilocalidade das uniões matrimoniais – expandindo-se também para as formas de uxorilocalidade –, cuja questão é analisar os modos pelos quais os homens eram acolhidos no novo contexto da família de sua esposa e as medidas utilizadas para reafirmar sua masculinidade. Será avaliado também se esses movimentos representaram formas de hipergamia; 3) a mobilidade de objetos e criação de novas formas de representação do parentesco nas sociedades conectadas. Este projeto prosseguirá com a criação de uma base de dados prosopográficos (plataforma Nodegoat), que foi utilizada no projeto PRIN 2014-2016, realizado na Università di Padova. Além disso, os dados sobre o movimento de homens e de mulheres nas fontes textuais, epigráficas e arqueológicas alimentarão o Atlas Virtual O Mediterrâneo medieval conectado.
Maria Filomena Coelho
Fronteiras medievais e olhares “eurocêntricos”: (im)possibilidades da história conectada
Eixo: Espaço e Circulação/Métodos Digitais
Resumo do projeto individual: Esta pesquisa propõe-se a enfrentar dois pontos centrais da história conectada: fronteiras e eurocentrismo. Tais aspectos, entendidos pelos promotores dessa metodologia como barreiras a serem superadas pelo historiador, formarão justamente a base da qual se partirá para analisar até que ponto essa perspectiva é – ou não – operativa para interpretar o passado. De forma concreta, trata-se de refletir sobre o amplo espectro de conexões que a própria ideia de fronteira, elaborada pelos medievais, propiciava ao campo da política, entre os séculos XII e XIII, numa geografia que se identificava como Portugal, Leão e Castela. Com base nos preceitos da história conectada, se procurará identificar conexões, estabelecer comparações, definir conceitos e explicar contextos. Ao mesmo tempo, em um exercício de reflexão crítica e metodológica, pretende-se explorar as implicações, (im)possibilidades e ambiguidades da chamada “visão eurocêntrica”, constitutiva da forma – e da fôrma – da própria História. O corpus documental está formado por anais e crônicas daquela época produzidos nos reinos ibéricos referidos, por se considerar que configuram importantes modelos narrativos do poder político: Chronica Adephonsi Imperatoris, Annales Portugalenses Veteres, Annales D. Alfonsi Portugallensium Regis; Historia Compostellana; Crónicas Anónimas de Sahagún, Primeira Crónica Portuguesa, Liber Regum, Chronicon Mundi.
Mateus Espadoto
Desenvolvimento de plataforma digital analítica para pesquisas em História Medieval
Eixo: Métodos Digitais
Resumo do projeto individual: O objetivo deste projeto é, em colaboração com historiadores especialistas, desenvolver plataforma digital analítica com base nos dados gerados pelas pesquisas do Projeto Temático. O projeto busca aplicar técnicas de Processamento de Linguagem Natural (PLN) e Visão Computacional voltadas à extração automática de dados, bem como métodos de geocodificação de informações históricas com base em Sistemas de Informação Geográfica (SIG), resultando na criação de uma infraestrutura de armazenamento de dados robusta, capaz de organizar e permitir consultas eficientes dos dados coletados. A plataforma possibilitará a visualização e exploração dos dados em mapas interativos, facilitando o acesso e a interpretação das pesquisas históricas. Por fim, o projeto deve auxiliar na formação de novos pesquisadores na área, ao disseminar o conhecimento adquirido durante o seu desenvolvimento.
Pere Benito i Monclús
Geografias da fome? Conexões comerciais temporárias entre o Mediterrâneo e o Norte da Europa no final da Idade Média, em períodos de fome
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto: No final da Idade Média Central e na Baixa Idade Média, a interconexão dos mercados de cereais foi um dos fenômenos que atraiu a atenção dos medievalistas: de fato, esses mercados tinham o potencial de aliviar as crises alimentares, transportando cereais que poderiam estar em falta em regiões afetadas pela escassez. Todavia, a integração do mercado também tinha o potencial de tornar contagiosas as crises alimentares inicialmente localizadas, ao remover grãos de regiões que não eram a priori afetadas por fatores que desencadeavam crises (por exemplo, distúrbios climáticos ou militares) e, assim, generalizando o aumento de preços, as tensões no mercado de grãos e a escassez de alimentos. Como uma continuação do projeto desenvolvido por Marcelo Cândido da Silva, este projeto visa: 1) melhorar o nosso conhecimento sobre a interconexão dos mercados cerealíferos do Mediterrâneo com os espaços do Norte da Europa nos séculos XIII, XIV e XV. As crises alimentares (por exemplo, a de 1315-1317) levaram a uma integração econômica dos mercados alimentares pelo menos durante as crises, favorecendo a exportação através do Sul da França e da Costa Atlântica/Mar do Norte de cereais direcionados para as áreas sob tensão. Estes cereais poderiam, em particular, vir da Península Ibérica, das Ilhas Baleares ou da Sicília, que estavam altamente interligadas. Será dada atenção às redes de transporte e circulação de informações entre as duas regiões e ao alinhamento (temporário?) dos preços dos cereais entre estas duas áreas. 2) Seguindo o projeto Portugal 1300 e o projeto QFAME da ULB (banco de dados e cartografia da fome), a segunda linha desta pesquisa se concentrará na integração dos conjuntos de dados já coletados, através do mapeamento cruzado (no QGIS) das menções literárias da fome entre o Norte e o Sul (particularmente as áreas portuguesa e ibérica, e a Holanda). Este mapeamento fortalecerá a reflexão sobre a natureza “transfronteiriça” da fome e seu contágio comercial por rio ou mar.
Pierre Savy
Migrações emocionais no Mediterrâneo (séculos XIV-XVI)
Eixo: Espaço e Circulação
Resumo do projeto individual: Se, em uma óbvia – e legítima – conexão com as preocupações contemporâneas causadas pela “crise migratória na Europa”, as verdadeiras migrações dos séculos passados são agora amplamente levadas em conta pela historiografia, o mesmo não se pode dizer dos “movimentos da alma” pelos quais homens e mulheres do final da Idade Média podiam se sentir ligados a outros lugares que não aqueles onde estavam: “migrações emocionais”, assim como existem “comunidades emocionais”, que, quer conduzam ou não a migrações reais, desempenham um papel decisivo na história do Mediterrâneo da longa Renascença. As ideias e convicções eram estímulos mentais para o movimento ou sentimentos de pertencer a outros lugares? Até que ponto as crenças religiosas motivaram ou, às vezes, necessitaram de migração? As viagens foram realizadas dentro da estrutura mental do viajante? A identidade foi um fator determinante na migração? Estas são algumas das questões que poderiam ser consideradas, retomando uma reflexão iniciada por Céline Dauverd (University of Colorado Boulder) e Pierre Savy (École française de Rome) e interrompida devido à situação sanitária em 2020-2021. Um primeiro estudo de caso que levaremos em consideração é o dos judeus: através da oração, viagens e até mesmo migração, os judeus italianos da Renascença certamente entraram em contato com a Terra Santa, ou seja, a terra supostamente prometida por Deus aos hebreus. Contudo, o que significava a Terra Santa especificamente para eles, ou seja, além dos muitos laços litúrgicos, artísticos, ideológicos que ligavam os judeus em geral a uma Terra Santa sonhada e imaginária, e além dos laços que mil elementos do judaísmo cotidiano estabeleceram com a Terra Santa e, em particular, com Jerusalém? Um exame cuidadoso da documentação – relatos de viagem, respostas e correspondência – demonstra o interesse nesta parte do mundo, mas também leva à rejeição de uma concepção proto sionista e anacrônica de algum “impulso” natural que leva a viajar para a Terra Santa e se estabelecer lá, pelo menos antes do século dezesseis. A noção de dispersão deve, portanto, ser tratada com cautela: tal “distanciamento” da Terra Santa está naturalmente ligado ao forte sentimento “italiano” dos judeus da época, e seu estudo é rico em lições sobre sua complexa identidade cultural. Outros casos devem ser considerados: a ligação com o Oriente após o fim do verdadeiro edifício político constituído pelas Cruzadas, as outras comunidades dispersas, seja permanentemente ou não – nações estudantis, ciganos, muçulmanos, comerciantes – ou a questão da conversão religiosa e os movimentos que ela provocou seriam outras áreas estimulantes para tal investigação coletiva dessas migrações emocionais, que às vezes se tornaram reais, e de seu papel histórico.
Rafael Scopacasa
CALAMITAS: Percepções, interpretações e vivências de desastres naturais no mundo romano, séculos III a.C. – III d.C.
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: O objetivo de CALAMITAS é investigar o significado histórico de desastres naturais (secas, inundações, terremotos, erupções vulcânicas) no mundo romano, em vista das causas e consequências que eram imputadas a esses fenômenos, as respostas que eles acionavam e as experiências vividas que produziam, a partir de estudos de caso combinando fontes literárias, epigráficas, arqueológicas e naturais. De interesse para o projeto é examinar, por exemplo, a) quais paradigmas epistemológicos eram mobilizados para explicar a ocorrência de desastres climático-ambientais; b) como a percepção e o enfrentamento de choques e riscos climático-ambientais eram informados por fatores socioculturais, p.ex. valores éticos e morais, saberes institucionalizados, papéis de gênero; c) quais experiências vividas eram produzidas por secas, inundações, terremotos e erupções entre setores mais vulneráveis da sociedade e na microescala do cotidiano, particularmente em contextos afastados dos grandes centros urbanos de poder político e econômico. Ao abordar tais questões, CALAMITAS contribuirá para elucidar o lugar da natureza não-humana na constituição e transformação das relações sociais na antiguidade romana, ao mesmo tempo em que proporcionará uma perspectiva temporal profunda para debates sobre emergências climático-ambientais no presente.
Renato Rodrigues da Silva
Respostas Sociais às Migrações na transição para a Idade Média (séculos V-IX): o caso da Inglaterra
Eixo: Comunicação e Circulação/Métodos Digitais
Resumo do projeto individual: A presente pesquisa tem como objetivo reavaliar o papel que as migrações e as respostas a estas têm na formação do mundo medieval insular. Esta perspectiva se insere em uma renovação historiográfica, na medida em que o foco não será na migração em si, mas sim nas respostas sociais dadas a ela e em seu papel na construção de formações sócio-históricas. A principal hipótese da pesquisa é que as respostas sociais às migrações na ilha conduziram o processo histórico a uma mediterranização do mundo insular, como parte de um processo mais amplo de mediterranização do Mar do Norte. Para investigar esta hipótese, esta pesquisa investirá em três blocos de pesquisa: 1) o processo de cristianização da ilha na Alta Idade Média; 2) a avaliação da escravidão no contexto insular e o deslocamento populacional que ela representa; 3) os diferentes níveis de conectividade aristocrática e como estes lidam com deslocamentos populacionais, sejam estes diplomáticos ou expedições de conquista. As principais fontes para a pesquisa serão a Vida Anônima de Cudberto e a Vida de Cudberto de Beda; a História Eclesiástica e a Vida dos Abades de Beda; a Vida da Santa Batilde; o anônimo Livro do Bem Aventurado Papa Gregório e por último a Vida de Vilfrido de Estefano. Estas fontes serão abordadas de forma a destacar como o processo de conexão do mundo insular com o continente foi constantemente ressignificado, de forma a observar a circulação de pessoas, bens e objetos e a mudança do significado desta circulação e destes itens de acordo com suas respectivas historicidades.
Renato Viana Boy
A circulação das práticas de poder: o exercício da autoridade imperial bizantina sobre populações e governos mediterrânicos – séculos V – IX
Eixo: Espaço e Circulação
Resumo do projeto individual: O período entre os séculos V e IX é marcado pelas transformações no centro de poder imperial romano. Constantinopla, capital do Império Bizantino, se consolidava como um poderoso centro de autoridade política, do cristianismo ortodoxo e da cultura helênica na Idade Média. Essa autoridade do poder imperial de Bizâncio se manifestava não exclusivamente sobre a população e instituições bizantinas, mas também sobre espaços e governos no Mediterrâneo, nem sempre localizados dentro das fronteiras imperiais. As formas de estruturação e manifestação da autoridade imperial bizantina foram bastante heterogêneas, como as diplomáticas, episcopais ou militares. Nesta pesquisa, trabalharemos com a produção e circulação, a partir de Constantinopla, de textos de naturezas distintas, como histórias e crônicas, que nos permitem avaliar as ações do governo imperial direcionados às autoridades e populações mediterrânicas (em especial na Itália e norte da África), além de atas conciliares, textos eclesiásticos e obras de caráter teológico. O objetivo é compreender os mecanismos de fundamentação política, religiosa e ideológica das ações dos imperadores e instituições bizantinas no período para não apenas se aproximar, mas se sobrepor às populações mediterrânicas ocidentais. Cabe destacar que, da análise desse processo, resulta a caracterização de múltiplas identidades mediterrânicas não romanas, gestadas desde o oriente, na capital do Império. Esta proposta se insere no núcleo temático Circulação e Comunicação, identificada com a História Global a partir do diálogo constante com outras ciências e por não considerar as fronteiras políticas como limites temáticos às nossas reflexões.
Robson Murillo Della Torre
Um Mediterrâneo teologicamente conectado: Produção, tradução, dispersão e compilação de textos referentes à controvérsia nestoriana no século V
Eixo: Comunicação e Circulação
Resumo do projeto individual: A querela cristológica deflagrada pelo conflito entre Cirilo de Alexandria (412-444) e Nestório de Constantinopla (428-431) se notabilizou por uma produção superabundante de textos das mais variadas naturezas que foram mobilizados pelos partidos eclesiásticos envolvidos com fins propagandísticos. Esse movimento resultou na produção de dezenas de coleções documentais diferentes, cada qual com sua orientação doutrinária própria, que circulavam por diferentes regiões do Mediterrâneo nas mais variadas línguas (grego, latim, copta, siríaco, etc.). Tais coleções deram origem posteriormente àquilo que a historiografia contemporânea chama de atas do concílio de Éfeso, que nada mais são do que coleções canônicas sistemáticas (todas posteriores ao século VI) que, recuperando e modificando várias dessas coleções anteriores, reúnem diferentes documentos associados à querela nas mais diferentes sequências e, por vezes, diferentes versões. Tais coleções de atas de Éfeso são já bem conhecidas da historiografia, porém suas predecessoras do século V, não. Dessas últimas, só temos conhecimento por meio seja daquilo que dela dizem os protagonistas da controvérsia, seja de indícios contidos nas próprias atas medievais, seja ainda pelo material que certos personagens do século V eram capazes de mobilizar quando tratavam da controvérsia cristológica. Assim, buscamos aqui fazer um mapeamento e descrição dessas coleções documentais do século V, procurando evidenciar as linhas de transmissão e circulação de textos que elas evidenciam e, por conseguinte, as conexões existentes entre diferentes partidos e comunidades cristãs dispersas pelo Mediterrâneo nesse momento.
Stéphane Gioanni
Em construção.
Eixo: Espaço e Circulação
Resumo do projeto individual: Em construção.
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Sylvie Joye
Modelos de autoridade: para uma história conectada dos poderes e de seus modelos na Alta Idade Média
Eixo: Espaço e Comunidades
Resumo do projeto individual: Nas últimas décadas, os historiadores da Alta Idade Média ocidental questionaram amplamente uma oposição muito grosseira entre a realeza bárbara e o Império Romano, e entre os mundos sedentário e nômade. Entretanto, especialistas de uma antiguidade tardia estendida no tempo (até as primeiras décadas do século VIII) e no espaço (que leva em conta uma ampla antiguidade eurasiática tardia que abrange todo o mundo mediterrânico, mas que também se estende aos mundos da Estepe e até a China) deixam voluntariamente de lado o extremo ocidente deste espaço, como é o caso do livro dirigido por N. di Cosmo e M. Maas e publicado em 2018 Empires and Exchanges in Eurasian Late Antiquity: Rome, China, Iran and the Steppe, ca. 250-750. O livro coloca a Estepe de volta em uma posição central e não mais sistematicamente em uma posição de fronteira, mostrando não uma espécie de história global de todos os espaços eurasiáticos, mas como as interconexões e desenvolvimentos comuns poderiam ser os marcadores comuns de uma época, aqui mais prontamente descrita como Antiguidade Tardia do que a Alta Idade Média, de 250 a 750. A organização do poder no Ocidente pós-romano é amplamente considerada independente desses outros espaços, constituindo em si um vasto continente historiográfico, que foi em parte definido pela ideia de uma ruptura, ou mesmo de um recuo do Mediterrâneo, e mais ainda dos mundos a leste dos territórios francos (assim os Avars, pouco conhecidos nos textos, mas em constante contato com os Francos). Parece-nos que a questão da representação do poder e da noção de autoridade na Europa Ocidental no final da Antiguidade e na Alta Idade Média deveria ser colocada neste quadro mais amplo, em um momento em que o tecido de instituições e relações de poder está passando por profundas mudanças com a instalação dos reinos bárbaros e, em seguida, a extensão da dominação franca. A transformação dos discursos e símbolos de autoridade não são alimentados apenas por influências romanas ou por um passado de bandos guerreiros, cuja reconstrução é fantasiada tanto pelos medievalistas quanto pelos historiadores, mas estão bem inseridos em seu tempo. Este questionamento historiográfico anda de mãos dadas com o de modelos familiares há muito concebidos como profundamente opostos entre um Norte centrado em práticas ancestrais matriarcais e um modelo mediterrâneo puramente patriarcal. Reconsiderar as transformações da Antiguidade Antiga e Medieval no uso de metáforas familiares nas relações sócio-políticas e tudo que diz respeito ao controle de corpos e alimentos, proporcionará assim um terreno particularmente apropriado para explorar o lugar das transferências culturais no estabelecimento de estruturas de autoridade e discurso entre a Antiguidade tardia e a Idade Média.
Thiago Juarez Ribeiro da Silva
Etimologias 2.0: uma abordagem conectada a partir dos Métodos Digitais
Eixo: Comunicação e Circulação/Métodos Digitais
Resumo do projeto individual: Uma vez que as Etimologias de Isidoro de Sevilha serão um objeto central para o desenvolvimento e articulação de pesquisas dentro do Projeto Temático Uma História Conectada da Idade Média: Comunicação e Espaços a partir do Mediterrâneo , o intuito dessa pesquisa é desenvolver ferramentas que facilitem o trabalho com esta documentação não só pelos especialistas envolvidos no Projeto Temático, mas também o público interessado em geral. O objetivo é criar um ambiente virtual colaborativo onde se possa: realizar mineração de dados nas Etimologias (com indicações precisas de ocorrências dos termos contidos na obra e suas atribuições morfológicas e semânticas), comparar os textos entre manuscritos da obra, modelar tópicos de temas (com representações gráficas de grupos/ clusters de acordo com seu grau de similaridade), publicar traduções da documentação, entre outros. Isto permitirá, não só uma nova forma de se trabalhar com documentos históricos, mas também tornar a própria Etimologias mais acessível ao público lusófono.
Victor Borges Sobreira
A criação de aplicativos como auxílio à iniciação científica em História Medieval
Eixo: Comunicação e Circulação/Métodos Digitais
Resumo do projeto individual: A reflexão sobre o uso de ferramentas digitais na pesquisa em História Medieval não é algo exatamente recente. Há mais de quinze anos, existe a revista especializada “Digital Medievalist”, que acompanha as mudanças tecnológicas e seus impactos na pesquisa desde 2003. Contudo, a pesquisa no desenvolvimento de aplicativos para dispositivos móveis é inexistente. A escolha pelo desenvolvimento de um aplicativo se deve ao fato da presença quase que onipresente do smartphone na vida dos estudantes e pesquisadores, sem falar na sua mobilidade. Com o intuito de atingir a maior quantidade de pessoas possível, pretendemos desenvolver um aplicativo que auxilie o aluno/ pesquisador a conhecer e utilizar as ferramentas digitais mais adequadas ao seu projeto. Pretendemos também com essa experiência criar um modelo para desenvolvimento de aplicativos que possa servir para projetos futuros. O projeto do aplicativo se insere no núcleo de Humanidades Digitais do Projeto Temático que tem como objetivo mais amplo capacitar pesquisadores nas mais diferentes ferramentas (ex: QGIS, Zotero, Programa R, etc.) que possam ser utilizados pela a equipe na criação de produtos específicos de suas pesquisas. Para construir esse aplicativo, será utilizado o “App Inventor”, uma plataforma online criada pelo “Massachusetts Institute of Technology” (MIT) que permite que pessoas que não tenham um conhecimento específico em programação construam aplicativos com as mais diversas funções.
Vinicius Marino Carvalho
Desenvolvimento de jogos com propósito (GWAP) para pesquisa em história interconectada
Eixo: Espaço e Comunidades/Métodos Digitais
Resumo do projeto individual: O objetivo desse projeto é desenvolver e otimizar jogos com propósito (GWAPs, na sigla em inglês) para contribuir à pesquisa em história interconectada. GWAPs são ferramentas de colaboração coletiva que delegam tarefas profissionais ou acadêmicas a leigos por meio de um sistema lúdico. GWAPs tem sido utilizados em disciplinas como a física e a bioquímica, valendo-se da colaboração de leigos para solucionar problemas científicos complexos por meio da intuição humana e da análise de grandes quantidades de dados. Conquanto uma ferramenta rara nas humanidades, GWAPs apresentam grande potencial para a pesquisa em história interconectada. Por lidar com dados numerosos e de naturezas distintas, a história interconectada é intrinsecamente propícia a investigações colaborativas. Ademais, ao privilegiar o raciocínio de humanos na avaliação de dados, GWAPs apresentam uma vantagem sobre métodos computacionais de análise ao contemplar a subjetividade humana na construção do saber histórico. Esse projeto buscará, em primeiro lugar, desenvolver GWAPs para auxiliar as pesquisas desenvolvidas no âmbito desse projeto temático, ludificando tarefas como a coleta e georreferenciamento de dados, transcrições paleográficas e validação de modelos explicativos. Em segundo lugar, ele pretende comparar e analisar a serventia de diferentes tipos de GWAPs à pesquisa histórica, de maneira a contribuir à literatura sobre a aplicação de tais ferramentas na pesquisa acadêmica. Por fim, seus resultados serão formalizados em uma enciclopédia de boas práticas de game design aplicados à história e arqueologia. Seu propósito será prover um arcabouço teórico, abalizado em experiência prática, a desenvolvedores comerciais e pesquisadores acadêmicos interessados na criação de jogos históricos.