COMO CITAR:

STURZENEKER, Mariana Lourenço. Edições: Processo de Clara Fernandes. 2024. Disponível em: https://sites.usp.br/nefandas/edicoes/clarafernandes/.

STURZENEKER, Mariana Lourenço. “e declarou que ela não tinha senão natura de mulher”: edição digital e análise paleográfica de dois processos inquisitoriais portugueses de sodomia homoerótica feminina do século XVI. 2024. Dissertação (Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2024. doi:10.11606/D.8.2024.tde-05022025-155947.

Edições

Edição diplomática

Clara Fernandes: Edição Diplomática

Processo de Clara Fernandes
Edição diplomática
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[margem_sup [símbolo +
]
]

apalpar & beyJar & abraçar / fazia adita [sobrescrito Cna] da
rossa aella de clarante / de maneyra
ella Cũpryo Com adita [sobrescrito Cna] da rosa
Como huũ homẽ huã molher & a dita
[sobrescrito Cna] da rosa lhe disse fizera omesmo na
quello
auto & nỹguẽ sabe disso por q̑
Jaziaõ soos Como dito tem/ [sobrescrito soomte] omtẽ a
noyte ouuerã palauras por ella de clarante
reprender adita [sobrescrito Cna] da rossa por q̑ am
dase
Com huũ certo homẽ pois era casada
& adita [sobrescrito Cna] da rossa lhe tornou dizẽdo
ella de clarãte abeyJara & abraçara & fi
zera
com ella Como [sobrescrito propiamte] huũ homẽ
& quãdo Jsto disse estauã hy quatro ou
Cymco [sobrescrito pas/] omde se aleuãtou a fama de
seu peccado/ as quaes̃ pessoas/ era huã Jsabel
de vera Cryada de dom Jnacio & amdre coelho
Cryado de [sobrescrito m̑l] de sousa [sobrescrito fo] do mẽdanha/ &
outro Joam roiz̃ [sobrescrito fo] de huã mourisca/ alfaayte
& outro mãcebo se chama [sobrescrito xom /] tẽ
amo & amda por essa Cydade / & ella
comfessante nũca dormyra cama com
adita [sobrescrito Cna] da rossa nẽ peccara ella ou
tra
vez se nã aquella noyte / & a verya
treze meses pouco mays ou menos tinha
[sobrescrito Conhecimto] della por ser [sobrescrito ta] do [sobrescrito casamto
]
della/ & da ly lhe ficou terẽ a myzade/ &
[sobrescrito Conhecimto/] mas nũca peccarã outra vez
se nã a quella/ & disse mays a vera huũ
anõ ella peccou da mesma maneyra

[margem_sup [símbolo +
]
]

Com huã Jsabel mẽdez molher moça
estaa casa de sua maỹ se chama
margayda gllz̃ a taleJa dalcunha/q̑ pousa
agora Jũto de sam [sobrescrito vte] de fora aqual Jsabel
mẽdez diz he casada huũ musyco
do Jffante se chama barbosa / Jazẽdo
ella de clarante Com adita Jsabel mẽdez
huã noyte soõs ambas na mesma Cama
amtes se lamçase a maỹ da dita Jsabel
mẽdez/ se apalparã & beyJarã & abraçarã
huã aoutra ate ella cõfessante se pos
Cyma della/ & Cũpryo ella como huũ
homẽ Com huã molher/ & adita Jsabel
mẽdez / lhe disse fizera omesmo/ eJsto
huã vez [sobrescrito soomte] & nũca mays ella
peccou nẽ amtes nẽ despois/ & nũca o
femdera
a nosso sor̃ neste peccado se nã estas
vezes tem Comfessado estas duas molheres
& omde ella de clarante mora ha fama
Como peccarã ambas / & naceo esta fama
de verẽ agrãde a myzade ambas tinhã
ella & adita Jsabel mẽdez por a qual rezaõ
a maỹ da dita Jsabel mẽdez peleJou ella
a vera huũ anõ & meyo & desemtaõ lhe
falou mays & de clarou prymeyro disto peccou
adita Jsabel mẽdez como dito tem por
ser emtaõ vizinha & amyga & terẽ [sobrescrito co
nhecimto]
de seis ou sete meses amtes &
disto pede [subscrito pdaõ] & myã & fara apnyã
lhe derẽ/ & do peccado cometeo

[margem_sup [símbolo +
]
]

a dita Jsabel mẽdez se cõ fessou Jaa aseu cõfesor
& fez apnyã lhe deu/ destroutro/ nã/ por
ouue tpõ [subscrito pa] Jsso/ & al disse &
do custume disse esta de quebra
adita [sobrescrito Cna] da rossa por palauras ou verã
omtẽ & se em Juryarã huã aoutra /& asy
pele Jou Com a maỹ da dita Jsabel mẽdez
Como dito tem a vemdo palauras Juryosas
de huã parte & da outra/ & adita Jsabel
mẽdez acodia por amaỹ/ & lhe tem
maa vontade / & porẽ tudo oq̑ tem dito
he v̍dade por [sobrescrito oJuramto] tem feyto & de
clarou
ella tinha se nã natura de
molher & tem tres [sobrescrito fos] paryo/ &
[rasurado promete] de nũca mays o fender anosso
sor̃ Jhuũ xpõ em este peccado & se guar
dar
delhe quãto poder/ & lhe foy mãdado
ter segredo no disse & se comfessase
& alem da pnyã lhe desse seu cõfessor
JeJũase duas sestas feyras apaõ & agoa
& cũpryrya Jsto da quy ate odia de nossa
sorã da gosto & da quy ate emtaõ rezaraa
huũ p&̃ n&̃ & huã [sobrescrito a ve ma] a homrra da
morte & payxaõ de nosso sor̃ Jhuũ xpõ
& dormyse Cama com molher
alguã se nã temdo estrema necessydade
& emtaõ Com [sobrescrito pa] sem suspeyta /& [rasurado por
Curase]
de emmẽdar sua vida por q̑
sabemdose outra Cousa serya Castigada
todo rigor do direyto/ & adita clara frz̃

[margem_sup [símbolo +
]
]

asy oprometeo de cũpryr & asy lhe foy
mãdado aprẽdese a doutrina xpaã toda
[subscrito pa] soubese quãdo lha mãdasẽ dizer &
por saber asynar rogou a mỹ [sobrescrito notro
]
asynase por ella [sobrescrito Jũtamte] osor̃ doutor
[sobrescrito m̑l] Cordeyro oescreuy & despois
se verya amays penytencia lhe a vyã
de dar/

[margem_sup [símbolo +
]
]

ella & estando a maỹ della fora de casa/ ella
declarante começou abrincar adita [sobrescrito Cna
]
[margem_esq [sobrescrito Cna] davelar.] do a vellar he mto moça & gentil mo
lher /&
adita [sobrescrito Cna] do a vellar apalpou aella
na sua natura/ & ella de clarante lhe
apalpou asua natura/ & lhe disse ȇtaõ
adita [sobrescrito Cna] do a vellar fizesẽ marydos
e se pusese em cima della / & emtaõ
adita [sobrescrito Cna] do a vellar se deytou sobre huã
esteyra & se a regaçou & ella de clarante
se pos emcima della tambem a regaçada
aJuntando as naturas huã a outra/ &es
fregando
huã a outra Como faz huũ
homẽ huã molher / & asy Cumpryrã
ambas / & prymeyra adita [sobrescrito Cna] do a vellar/&
da hi por diante como a maỹ da dita [sobrescrito Cna
]
do [rasurado alvellar] hia fora fazia omesmo/ temdo
huã a outra a Cesso Carnal estando
ella de clarante sempre de riba/ &
Comtinuaryaõ Jsto por espaço de huũ
mes/ &logo neste tempo a maỹ della
declarante a tirou fora de Cassa da
dita [sobrescrito Cna] do a vellar/ e lhe dizia adita
moça dissese a nhuã [sobrescrito pa] nada do
ella pasaua/ & quãdo a maỹ della
declarante a tirou de sua casa/ ouve
a maỹ da dyta [sobrescrito Cna] do a vellar payxaõ por

[margem_sup [símbolo +
]
]

Jsso por q̑ quysera ella se [rasurado sayra] de
sua Casa/ &estando asy em sua casa
sempre adita [sobrescrito Cna] do a vellar lhe rogaua
tiuese a Cesso Carnal ella mays
vezes do tinha & a empurtunaua por
Jsso & lhe daua meyos vimtes̃ &outras
vezes vimtes̃/ & Jsto as mays das vezes
Com ella tinha acesso Carnal &
prymeyro viuese [rasurado esta] molher viueo
no bayrro Com huã margayda [borrado mẽdez
]
[sobrescrito fa] de Jsabel mẽdez mourisca & ella
viueo huũ anõ das portas a dentro/ aql̃
era molher moça solteyra & se deytaua
quẽ querya/ e estando asy casa
ella/ huũ dia disse ella adita margayda
mẽdez se querya fyzesẽ marydos/ & a
[margem_esq [conjectura margarida/]] outra lhe disse sy querya/ & emtaõ
[margem_esq [conjectura mendez.]] fecharã aporta & se pos cima della
estando ambas a regaçadas / cõpryrã ambas
huã outra/ Como huũ homẽ huã
molher/& cõ tinuarã Jsto alguus̃ dias
os quaes̃ tiryaõ Cimco ou seys [borrado vezes] acesso
Carnal estando ella de clarante sempre
de cima/ & asy lhe dizia adita mo
lher
anã descobryse / & Jsabel
mẽdez de quẽ disse sua denũciaçaõ &
cõfisaõ atras tiuera huã soo vez
aceso carnal/ he lembrada foraõ
[margem_esq [conjectura Jsabelmẽdez]] duas vezes/ estando ella semprẽ de

[margem_sup [símbolo +
]
]

Cima & adita Jsabel mẽdez debayxo
& asegũ da vez ella teue acesso
a maỹ da dita Jsabel mẽdez sentio [borrado dor
myrão]
ambas huã outra/ por oq̑ adita
[sobrescrito fa] dizia quãdo ella estaua em cima della
& chamou aella declarante machaõ cadella
vinha correger sua [sobrescrito fa/] & por Jsto nũca
mays teue adita Jsabel mẽdez acesso
[borrado Carnal] as duas vezes como dito tẽ
& nysto he emcarrego/ & lhe
selembra tiuese acesso mays molheres
estas dito tem/ nẽ ellas ella
tampouco/ & Jurou aos santos & vamge
lhos
pos sua maõ esta sua
Comfissaõ he v̍dadeyra/ & onã diz po
odio nẽ Jmyzade tenha nẽ mal que
rença
as ditas pessoas por q̑ lhe
tem/&odiz por pasar asy na v̍dade
& de clarou [sobrescrito Cna] da rosa de quẽ diz
sua cõfissaõ que teue aceso carnal huã vez
[margem_esq [sobrescrito Cna] darosa] pousa Jsabel de vera de fromte das casas
de dom Jnacio/ & do mesmo dom Jnacio/
& na dita casa teue ella odito acesso car
nal/
& por saber asynar rogou a mỹ
[sobrescrito notro] asynase por ella [sobrescrito Jutamte] osor̃
Jnquysidor
[sobrescrito m̑l] cordeyro oescrevy

[assinatura Ldopedraluarez] [assinatura por ella [sobrescrito m̑l] cordeyro

&a começou abraçar &beyjar
& se pos deJlharga Com ella & se
aJumt aram as baregas &esteueraõ
asy ambas juntas bem meya ora
pouco maes ou menos esfregamdose
huuã Com [sobrescrito aoutra] &as naturas
huuã Com [sobrescrito aoutra] &despoes fez
o quis sevolueo [subscrito pa] huuã parte
&estamdo asy nesto lhe falaua
amores / & despoes la [sobrescrito contra] ha
menham aditã mulata se tornou
a verar [subscrito pa] ella & se pos de
Jlharga & lhe fez [sobrescrito outro] tato
& estarya asy Com ella maes
de meya ora Com as naturas
huuã Com [sobrescrito aoutra] &esfregãdose
Como faz huũ homem Com huuã
molher// [rasurado &q̑esta] [sobrescrito segda] vez por
ella aditã mulata fazya
Como fazem os homes̃ conheçeo
era molher por q̑ deprencypeo
Cuydou ella era homem
& se pos emcyma della
[sobrescrito po] ella declarãte amdar prenhe
&av̍ medo deperigar aCryança/
& plã menham se aleuantaraõ
& se alg uem olhaua [subscrito pa] ella
declarãte aditã mulata a vya

Cyumes diso &lhe dese se
fose [subscrito pa] Casa de sua may̑ &ella
se veyo
[entrelinha dahi a dous dias] & dahy atres ou [sobrescrito quatro
]
deas ella declarãte tornou la
&ouueram palauras/ & ella declarãte
lhe dise presemte Jsabel devera
fose s̍ uyr de homem & naõ demolher
&estaua tanbem hy huũ homem se
chama coelho dalcunha &entaõ
contou aestas [sobrescrito pas] o q̑lhe acom
tecera
com amulata &como
dormyra com ella// dizendo quãtas
vezes lhe Jsto fizera/ & ouuyo
dizer ao ditõ coelho ouuyra dizer
ah uuas̃ molheres se chamam as fran
Cyscas
Morauam em casa de
Jnacyo aditã mulata se
deytara Com huuã moça de
h uũ saynho roxo Cujo
nome sabe & dormyra com
ella [sobrescrito mtasvezes] & aditã mulata
lhe dise aella declarãte huuã
moça de huuã saya branca q̑vyuya
na mourarya Cujo nome lhe
dese esta era a ha Mataua
& aquem ella querya bem / & quaõdo
amulata teue açeso com ella aditã
mulata mostraua [sobrescrito contentamto] &ella
tambem/ & o ditõhomem coelho

esta homizyado em casa de Jnacyo//
& [sobrescrito doutra] Cousa nõhe lembrada
& jurou aos santos a vamgelhos
em q̑pos sua maõ q̑Jsto he v̍dade
edo Costume dise ouuee aq̑las
palauras q̑tem ditõ Con amulata
& nunca maes se falaraõ//
[sobrescrito Anto
]
roiz̑oscȓvy com amtelynha
se fez [sobrescrito po] v̍dade &lhe foymãdado
ter [subscrito segredo&asyopmeteo/]
[assinatura [sobrescrito poella] [sobrescrito Anto] roiz̑/
] [assinatura Ldopedraluarez.

[capitular

oy] prouycada esta snctã a tras escryta p̃Los
vimte & noue dias do mes de Janeyro
de mil bc [subscrito Lta] bj anos̃ por osor̃ padre
[sobrescrito mte] frey hieronymo dazãbuia Jnquysidor estã
do
presente [rasurado aree] [rasurado clara] frz̃z [sobrescrito m̑l] cordeyro
oescreuy/
[conjectura
E
prouycada]
como dito adita snctã
[conjectura foy] da da asua diuyda execuçaõ
[sobrescrito m̑l
]
Cordeyro oescreuy//

possaõ tornar acausar damno
asua alma/ antes procuraraa
[borrado muyto] de en mẽdar sua [borrado vida/sob
]
pena de ser [sobrescrito grauemte] castigada / e co
mo
ocaso mereçer / visto oquediz
na dtã petiçaõ e tpõ de sua prisaõ
e pniã que teẽ feita no dtõ carçer
omais que de seus autos consta/
e forma de sua snçã/
en [sobrescrito lixa] dez-
de dezẽbro de 560/ [símbolo +
]

[assinatura Ambrosius doct.
] [assinatura Jorge gllz̃rjbro]

Edição semidiplomática

Clara Fernandes: Edição Semidiplomática

Processo de Clara Fernandes
Edição semidiplomática
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clara fernandez +
2 Ja uisto/

omfisaõ de clara fernandez Mullata
presa no Carcere da sancta Jnquysiçaõ

+

F
oy emtregue a brycio Camello alcayde
do Carcere da sancta Jnquysiçaõ/ esta clara
fernandez mulata fora e porque se ouve della
por emtregue asynou aqiy em lisboa
aos dez dias do mes de Julho de mil
bc Lta e Cimco Annos̃ manuel cordeyro
o escreuy

briçio
camelo

+
Comfisaõ de clara fernandez

A
os seis dias do mes de Julho de mil bc Lta B.
anos̃ em lisboa na Casa do despacho da sancta Jnquysyçaõ/
Estando hy o senhor doutor ambrosyo campello
do desembargo del rey nosso senhor e deputado
da sancta Jnquysiçaõ/ perante elle pareceo
Clara fernandez molher baça Casada Com
francisco fernandez mourisco morador nesta Cydade a
sam thome e que ella ganha sua vida a lauar
roupa/ e elle amda a maryolla/ e que ella sera
molher de vimte e tres anos̃ ou vimte e
quatro anos̃/ a qual disse que vinha pedir perdaõ
e misericordya de Certas Culpas que por ella pasaram
e lhe foy dado Juramento dos sanctos evamgelhos
em que pos sua maõ pera dizer verdade
em tudo o que dissese e ella asy o prometeo/ e
disse que pedia perdaõ e misericordya que Jazemdo omtem
na Cama de noyte em Casa de dom Jnacio
Com huma Catarina da rosa molher branca casada
Com dimyaõ mendez que he na Jndia/ a qual
he molher moça/ e ouvio dizer que sera de
Jdade ate dezaseis ou dezasete anos̃ e Jazemdo
asy na Cama soos/ ella Clara fernandez/ peccou
em beyJar/ e abraçar e palpar a dita molher
pondose ella declarante em Cyma da outra
Como huum homem em Cyma de huma molher
e Jsto per huma vez/ porem que o beyJar e
abraçar foy por muitas vezes na dita noyte
emquamto estiueram aCordadas/ e o mesmo

+

apalpar e beyJar e abraçar/ fazia a dita Catarina da
rossa a ella declarante/ de maneyra que
ella Cumpryo Com a dita Catarina da rosa
Como huum homem com huma molher e a dita
Catarina da rosa lhe disse que fizera o mesmo naquello
auto e que nymguem sabe disso porque
Jaziaõ soos Como dito tem/ soomemte omtem a
noyte ouueram palauras por ella declarante
reprender a dita Catarina da rossa porque naõ amdase
Com huum certo homem pois era casada
e que a dita Catarina da rossa lhe tornou dizendo
que ella declarante a beyJara e abraçara e fizera
com ella Como propiamemte huum homem
e que quamdo Jsto disse estauam hy quatro ou
Cymco pessoas/ omde se aleuantou a fama de
seu peccado/ as quaes̃ pessoas/ era huma Jsabel
de vera Cryada de dom Jnacio e amdre coelho
Cryado de manuel de sousa filho do memdanha/ e
outro Joam rodriguez filho de huma mourisca/ alfaayte
e outro mamcebo que se chama cristovom/ que naõ tem
amo e amda por essa Cydade/ e que ella
comfessante nunca dormyra em cama com
a dita Catarina da rossa nem peccara com ella outra
vez senaõ aquella noyte/ e que averya
treze meses pouco mays ou menos que tinha
Conhecimemto della por ser testemunha do casamemto
della/ e daly lhe ficou terem amyzade/ e
Conhecimemto/ mas que nunca peccaram outra vez
senaõ aquella/ e disse mays que avera huum
anõ que ella peccou da mesma maneyra

+

Com huma Jsabel mendez molher moça que
estaa em casa de sua maỹ que se chama
margayda gonçallvez a taleJa d alcunha/ que pousa
agora Jumto de sam vicemte de fora a qual Jsabel
mendez diz que he casada com huum musyco
do Jffante que se chama barbosa/ que Jazemdo
ella declarante Com a dita Jsabel mendez
huma noyte soõs ambas na mesma Cama
amtes que se lamçase a maỹ da dita Jsabel
mendez/ se apalparam e beyJaram e abraçaram
huma a outra ate que ella comfessante se pos em
Cyma della/ e Cumpryo Com ella como huum
homem Com huma molher/ e a dita Jsabel
mendez/ lhe disse que fizera o mesmo/ e Jsto
huma vez soomemte e que nunca mays com ella
peccou nem amtes nem despois/ e que nunca ofemdera
a nosso senhor neste peccado senaõ estas
vezes que tem Comfessado com estas duas molheres
e que omde ella declarante mora ha fama
Como peccaram ambas/ e que naceo esta fama
de verem a grande amyzade que ambas tinham
ella e a dita Jsabel mendez por a qual rezaõ
a maỹ da dita Jsabel mendez peleJou com ella
avera huum anõ e meyo e des emtaõ naõ lhe
falou mays e declarou que prymeyro disto peccou
com a dita Jsabel mendez como dito tem por
ser emtaõ vizinha e amyga e terem conhecimemto
de seis ou sete meses amtes e
que disto pede perdaõ e misericordya e que fara a penytencia
que lhe derem/ e que do peccado que cometeo com

+

a dita Jsabel mendez se comfessou Jaa a seu comfesor
e fez a penytencia que lhe deu/ destr outro/ naõ/ porque
naõ ouue tempo pera Jsso/ e al naõ disse e
do custume disse que esta de quebra Com
a dita Catarina da rossa por palauras que ouveram
omtem e se emJuryaram huma a outra/ e asy
peleJou Com a maỹ da dita Jsabel mendez
Como dito tem avemdo palauras Juryosas
de huma parte e da outra/ e que a dita Jsabel
mendez acodia por a maỹ/ e que lhe tem
maa vontade/ e porem que tudo o que tem dito
he verdade por o Juramento que tem feyto e declarou
que ella naõ tinha senaõ natura de
molher e que tem tres filhos que paryo/ e que
promete de nunca mays ofender a nosso
senhor Jesu Cristo em este peccado e se guardar
delhe quamto poder/ e lhe foy mandado
ter segredo no que disse e que se comfessase
e alem da penytencia que lhe desse seu comfessor
que JeJũase duas sestasfeyras a paõ e agoa
e que cumpryrya Jsto daquy ate o dia de nossa
senhora d agosto e daquy ate emtaõ rezaraa
huum padrenosso e huma avemaria a homrra da
morte e payxaõ de nosso senhor Jesu Cristo
e que naõ dormyse em Cama com molher
alguma senaõ temdo estrema necessidade
e emtaõ Com pessoa sem suspeyta/ e porCurase
de emmemdar sua vida porque
sabemdose outra Cousa serya Castigada com
todo rigor do direyto/ e a dita clara fernandez

+

asy o prometeo de cumpryr e asy lhe foy
mandado que apremdese a doutrina crystã toda
pera que soubese quamdo lha mandasem dizer e
por naõ saber asynar rogou a mym notario
que asynase por ella Jumtamemte com o senhor doutor
manuel Cordeyro o escreuy e que despois
se verya a mays penytencia que lhe avyam
de dar/

+
Confisaõ de crara fernandez mulata

A
os xiij dias do mes de Julho de mil
bc Lta b anos̃ em lisboa na casa do despacho
da sancta Jnquysiçaõ/ Estando hy o senhor
Licemciado phedro aluarez de paredes Jnquysidor/ mandou
vir perante sy a clara fernandez mulata que os dias
pasados se veyo recomcilyar aCusar a este sancto officio
a qual foy omte trazida ao Carcere delle
pera com ella se fazer Certa dilygemcia pera
saluaçaõ de sua alma/ e logo o senhor Jnquysidor
amoestou da parte de nosso senhor
que acabase de comfessar a verdade manyfestamdo
todas as molheres Com quem ella teue
aCesso Carnal sendo ella agente/
disse que ella querya dizer a verdade e que
pera Jsso dissera ao alcayde do carcere
que a trouxese diante de sua reueremcia/ e
sendo pergumtada per sua Jdade e quamto tempo
avia que vsaua do maoo peccado/ dysse
que ella serya de Jdade de vimte e
Cimco anos̃ e que avera tres anos̃
que ella vsa do Maoo pecado tendo aCesso
com molheres/ e que hera alembrada
que viuemdo ella Com huma Catarina do ãvelar
que emtaõ era solteyra e agora he
Casada Com huum filho do lamprea que
mora agora no Castello/ e viuemdo com

+

ella e estando a maỹ della fora de casa/ ella
declarante começou a brincar com a dita Catarina
Catarina d avelar. do avellar que he muito moça e gentil molher/ e
a dita Catarina do avellar apalpou a ella
na sua natura/ e ella declarante lhe
apalpou a sua natura/ e lhe disse emtaõ
a dita Catarina do avellar que fizesem marydos
e que se pusese em cima della/ e emtaõ
a dita Catarina do avellar se deytou sobre huma
esteyra e se aregaçou e ella declarante
se pos em cima della tambem aregaçada
aJuntando as naturas huma com a outra/ e esfregando
huma com a outra Como faz huum
homem com huma molher/ e asy Cumpryram
ambas/ e prymeyra a dita Catarina do avellar/ e
dahi por diante como a maỹ da dita Catarina
do alvellar hia fora fazia o mesmo/ temdo
huma com a outra aCesso Carnal estando
ella declarante sempre de riba/ e que
Comtinuaryaõ Jsto por espaço de huum
mes/ e logo neste tempo a maỹ della
declarante a tirou fora de Cassa da
dita Catarina do avellar/ e lhe dizia a dita
moça que naõ dissese a nenhuma pessoa nada do
que com ella pasaua/ e quamdo a maỹ della
declarante a tirou de sua casa/ ouve
a maỹ da dyta Catarina do avellar payxaõ por

+

Jsso porque naõ quysera que ella se sayra de
sua Casa/ e estando asy em sua casa
sempre a dita Catarina do avellar lhe rogaua
que tiuese aCesso Carnal com ella mays
vezes do que tinha e a empurtunaua por
Jsso e lhe daua meyos vimtems e outras
vezes vimtems/ e Jsto as mays das vezes
que Com ella tinha acesso Carnal e que
prymeyro que viuese com esta molher viueo
no bayrro Com huma margayda mendez
filha de Jsabel mendez mourisca e com ella
viueo huum anõ das portas a dentro/ a qual
era molher moça solteyra e se deytaua
Com quem querya/ e estando asy em casa com
ella/ huum dia disse ella a dita margayda
mendez se querya que fyzesem marydos/ e a
margarida/ outra lhe disse que sy querya/ e emtaõ
mendez. fecharam a porta e se pos em cima della
estando ambas aregaçadas/ compryram ambas
huma Com outra/ Como huum homem com huma
molher/ e que comtinuaram Jsto alguums dias em
os quaes̃ tiryaõ Cimco ou seys vezes acesso
Carnal estando ella declarante sempre
de cima/ e asy lhe dizia a dita molher
que a naõ descobryse/ e que com Jsabel
mendez de quem disse em sua denumciaçaõ e
comfisaõ atras que tiuera huma soo vez
aceso carnal/ he lembrada que foraõ
Jsabel mendez duas vezes/ estando ella semprẽ de

+

Cima e a dita Jsabel mendez debayxo
e a segumda vez que com ella teue acesso
a maỹ da dita Jsabel mendez sentio que dormyrão
ambas huma com outra/ por o que a dita
filha dizia quamdo ella estaua em cima della
e chamou a ella declarante machaõ cadella
que vinha correger sua filha/ e por Jsto nunca
mays teue com a dita Jsabel mendez acesso
Carnal que as duas vezes como dito tem
e que nysto he emcarrego/ e que lhe naõ
se lembra que tiuese acesso com mays molheres
que com estas que dito tem/ nem ellas com ella
tampouco/ e Jurou aos santos evamgelhos
em que pos sua maõ que esta sua
Comfissaõ he verdadeyra/ e o nam diz po
odio nem Jmyzade que tenha nem mal querença
as ditas pessoas porque lhe naõ
tem/ e o diz por pasar asy na verdade
e declarou que Catarina da rosa de quem diz em
sua comfissaõ que teue aceso carnal huma vez
Catarina da rosa pousa com Jsabel de vera defromte das casas
de dom Jnacio/ e sam do mesmo dom Jnacio/
e na dita casa teue com ella o dito acesso carnal/
e por naõ saber asynar rogou a mym
notario que asynase por ella Jumtamemte com o senhor
Jnquysidor
manuel cordeyro o escrevy

Licemciado pedr aluarez por ella manuel cordeyro

+
Culpa de crara fernandez mulata

A
os xbiij. dias do mes de Julho de mil quinhentos cinquenta e cinco
annos̃ em lisboa na Casa do despacho
da sancta Jmquisyçaõ estamdo hy o senhor Licemciado
pedro Aluarez de paredes Jmquisydor peramte
elle pareçeo Catarina da rosa molher de damyam
mendez alfayate morador em esta cydade
a valverde e dise que ella vynha ante
sua reueremcya a comfesar suas
Culpas pera dellas receber̃ a penytemcya
que lhe derem e logõ dise
que ella teue aquy em esta Cydade
amizade e comversaçam com huuma
mulata que esta presa neste santo
officyo que se chama clara ffernandez
e que vay em tres somanas que Jmdo
ella pera o chafariz pasou por
a porta de Jsabel de vera que vyue
defromte de dom Jnacyo/ e aly se
chamaram huumas molheres e ella sobyo
la e nesto veyo a ditã clara fernandez
mulata e lhe dise que dormyse
la aquella noyte e ella o fez
asy e dormyram ambas em huuma
Cama e que estamdo na Cama
a ditã mulata se chegou pera ella

e a começou abraçar e beyjar
e se pos de Jlharga Com ella e se
aJumtaram as baregas e esteueraõ
asy ambas juntas bem meya ora
pouco maes ou menos esfregamdose
huuma Com a outra e as naturas
huuma Com a outra e despoes que fez
o que quis se volueo pera huuma parte
e estamdo asy nesto lhe falaua
amores/ e que despoes la contra ha
menham a ditã mulata se tornou
a verar pera ella e se pos de
Jlharga e lhe fez outro tato
e estarya asy Com ella maes
de meya ora Com as naturas
huuma Com a outra e esfregamdose
Como faz huum homem Com huuma
molher// e que esta segunda vez por
ella ver que a ditã mulata naõ fazya
Como fazem os homems conheçeo
que era molher porque de prencypeo
Cuydou que ella era homem
e que se naõ pos em cyma della
por ella declarante amdar prenhe
e aver medo de perigar a Cryança/
e que pella menham se aleuantaraõ
e se alguem olhaua pera ella
declarante a ditã mulata avya

Cyumes diso e lhe dese que se
fose pera Casa de sua may̑ e ella
se veyo
dahi a dous dias e que dahy a tres ou quatro
deas ella declarante tornou la
e ouueram palauras/ e que ella declarante
lhe dise presemte Jsabel de vera
que fose seruyr de homem e naõ de molher
e estaua tanbem hy huum homem que se
chama coelho d alcunha e entaõ
contou a estas pessoas o que lhe acomtecera
com a mulata e como
dormyra com ella// naõ dizendo quamtas
vezes lhe Jsto fizera/ e que ouuyo
dizer ao ditõ coelho que ouuyra dizer
a huumas molheres que se chamam as franCyscas
que Morauam em casa de
dom Jnacyo que a ditã mulata se
deytara Com huuma moça de
huum saynho roxo Cujo
nome naõ sabe e que dormyra com
ella muitas vezes e que a ditã mulata
lhe dise a ella declarante que huuma
moça de huuma saya branca que vyuya
na mourarya Cujo nome lhe naõ
dese que esta era a que ha Mataua
e a quem ella querya bem/ e que quaõdo
a mulata teue açeso com ella a ditã
mulata mostraua contentamemto e ella
tambem/ e que o ditõ homem coelho

esta homizyado em casa de dom Jnacyo//
e que doutra Cousa naõ he lembrada
e jurou aos santos avamgelhos
em que pos sua maõ que Jsto he verdade
e do Costume dise que ouuee aquellas
palauras que tem ditõ Con a mulata
e que nunca maes se falaraõ//
Antonio
rodriguez o screvy com amte lynha
que se fez por verdade e lhe foy mandado
ter segredo e asy o permeteo/
por ella Antonio rodriguez/
Licemciado pedr aluarez.

+

A
cordam os Jnquisidores e deputados da sancta
Jnquisiçã com cõmissaõ del Rey nosso senhor/ neste
caso/ e tais/ que vistos estes autos e como per
elles em comfissaõ da Ree clara fernandez molher baça
forra e casada morador/ nesta cjdade/ se mostra
ella com muj grande atreujmento e sem temor
De deos cõmeter per mujtas e diuersas vezes
e per muito espaço de tempo o nefando e abomjnauel
peccado de sodomja e contra natura
com outras molheres/ sendo ella Ree aagente
no dicto mao peccado e prouocando as outras
a o cõmeterem/ O que tudo visto e A qualidade
e graueza do dicto crime e comtinuaçam delle
com o mais que dos autos Consta/ condenaõ
A dicta Ree clara fernandez a carçere perpetuo estreito
e apartado no qual estaraa todos os dias de
sua vida/ e seraa acoutada no dicto carçere/
e aas sestasfeyras JeJuãraa a paõ e agoa/ en penytencia
De tão graues offenssas que cõmeteo contra nosso
senhor/ e seraa Jnstructa nas cousas neçessarjas
pera sua saluação/ e comfiscaõ todos seus beems/ se
os teem/ pera A coroa do regno/ vista a disposiçaõ do
direyto no caso//

frei hieronjmo d azambuia Ambrosius doctor
Jorge gonçallvez rybeiro
manuel doctor martim lopez lobo

F
oy prouycada esta senctença atras escryta pelLos
vimte e noue dias do mes de Janeyro
de mil bc Lta bj anos̃ por o senhor padre
mestre frey hieronymo d azambuia Jnquysidor estamdo
presente a ree clara fernandezz manuel cordeyro
o escreuy/
E
prouycada
como dito a dita senctença
foy dada a sua diuyda execuçaõ
manuel
Cordeyro o escreuy//

+

Ajunctesse a seus autos pera com elles se veer

Diz̃ cllara ffernadez mullata morador em esta cidade
que haa symquo anõs que ella foy presa pella
samta ymquysyçaõ e ffoy despachada por vossas merces
que fizese sua penytemcia no carcere ate despemsarem
com ella e por ella cumpryr sempre ate quy
em os ditos symquo anos̃ em o dito carcere a
penytemcia que asy lhe foy mandada com muyta
dor e arepemdymemto de seus pecados e
estar mujto bem doutrynada em as cousas
de nosa samta ffee catollyqua em que
protesta vyuer e morer como verdadeira crystã
que he pede a vossas merces ha homra da
morte e payxaõ de nosu senhor jesu Cristo que
avemdo respejto a todo ho aCyma dyto
e os mujtos anos̃ de sua prysaõ e ser
mujto pobre e naõ ter outra cousa de que
se mamter senaõ das esmollas da samta
misericordya/ que haa hum ano que lhe tyraraõ com as
majs penjtemtes e padecer muita fame e njcicidade
e ter huma maj como prouora pasamte
de setemta anos̃ a queyraõ mandar
solltar pera a ajudar a sustemtar sua
velhyce avemdo vossas merces outrosy respeyto
hao mujto seruyco de noso senhor que nos djtos
symquo anos̃ em o dito collegyo fez̃ seruymdo
os doemtes e saos̃ do dyto carcere
sem nemhum premyo nem ymterese e roguara
emquamto vyuer a noso senhor por acresentamemto
de vyda e estado de vossas merces//

+

Vista a petiçaõ da suplicamte clara fernandez mulata/
mandaõ que seia solta e saia
do carçer do collegio onde estaa/ pera
a casa do hospital de todo los sanctos
desta cidade que lhe asignaõ por carçer/ e
nella seruiraa a nosso senhor en todo
o que lhe for mandado pellos padres da
dita casa/ e faraa
a mais penytencia de suas culpas
e de lla naõ sayraa sem licemça dos Jnquisidores
pello tempo que lhes pareçer
que cumpre pera saluaçaõ de sua alma/
e se confessaraa as tres pascoas do anno
e nellas reçeberaa o sanctissimo sacramemto
de conselho de seu cura/ e hiraa
aas missas e pregaçoes̃ domingos e
festas/ fazendo todolos autos de
boã crystã/ e gardandosse muito das
maas comuersaçoes e que lhe

possaõ tornar a causar damno
a sua alma/ antes procuraraa
muyto de enmemdar sua vida/ sob
pena de ser grauememte castigada/ e como
o caso mereçer/ visto o que diz
na dita petiçaõ e tempo de sua prisaõ
e penytencia que teem feita no dito carçer
com o mais que de seus autos consta/
e forma de sua sentença/
en lisboa dez-
de dezembro de 560/ +

Ambrosius doctor
Jorge gonçallvez rjbeiro

Edição modernizada

Clara Fernandes: Edição Modernizada

Processo de Clara Fernandes
Edição modernizada
Arquivo gerado pela ferramenta eDictor


+

apalpar e beijar e abraçar fazia a dita Catarina da
Rosa a ela, declarante, de maneira que
ela cumpriu com a dita Catarina da Rosa
como um homem com uma mulher, e a dita
Catarina da Rosa lhe disse que fizera o mesmo naquele
ato, e que ninguém sabe disso porque
jaziam sós, como dito tem. Somente ontem à
noite houve palavras por ela, declarante,
repreender a dita Catarina da Rosa, porque não andasse
com um certo homem, pois era casada,
e que a dita Catarina da Rosa lhe tornou, dizendo
que ela declarante a beijara e abraçara e fizera
com ela como propriamente um homem,
e que, quando isso disse, estavam quatro ou
cinco pessoas, onde se alevantou a fama de
seu pecado, as quais pessoas eram uma Isabel
de Vera, criada de Dom Inácio, e André Coelho,
criado de Manoel de Sousa, filho do Mendanha, e
outro João Rodrigues, filho de uma mourisca, alfaiate,
e outro mancebo que se chama Cristovão, que não tem
amo e anda por essa cidade. E que ela,
confessante, nunca dormira em cama com
a dita Catarina da Rosa, nem pecara com ela outra
vez, senão aquela noite. E que haveria
treze meses, pouco mais ou menos, que tinha
conhecimento dela, por ser testemunha do casamento
dela, e dali lhe ficou terem amizade e
conhecimento, mas que nunca pecaram outra vez,
senão aquela. E disse mais, que haverá um
ano que ela pecou da mesma maneira

+

com uma Isabel Mendes, mulher moça, que
está em casa de sua mãe, que se chama
Margarida Gonçalves, a Taleja de alcunha, que pousa
agora junto de São Vicente de fora, a qual Isabel
Mendes diz que é casada com um músico
do Infante, que se chama Barbosa, que jazendo
ela declarante com a dita Isabel Mendes
uma noite sós, ambas na mesma cama,
antes que se lançasse a mãe da dita Isabel
Mendes, se apalparam e beijaram e abraçaram
uma a outra, até que ela confessante se pôs em
cima dela e cumpriu com ela, como um
homem com uma mulher, e a dita Isabel
Mendes lhe disse que fizera o mesmo, e isto
uma vez, somente, e que nunca mais com ela
pecou, nem antes, nem depois. E que nunca ofendera
a nosso senhor nesse pecado, senão essas
vezes que tem confessado, com estas duas mulheres.
E que, onde ela declarante mora, fama,
como pecaram ambas, e que nasceu esta fama
de verem a grande amizade que ambas tinham,
ela e a dita Isabel Mendes, por a qual razão,
a mãe da dita Isabel Mendes pelejou com ela
haverá um ano e meio e, desde então, não lhe
falou mais. E declarou que, primeiro disto, pecou
com a dita Isabel Mendes, como dito tem, por
ser então vizinha e amiga, e terem conhecimento
de seis ou sete meses antes, e
que disto pede perdão e misericórdia, e que fará a penitência
que lhe derem. E que, do pecado que cometeu com

+

a dita Isabel Mendes, se confessou a seu confessor
e fez a penitência que lhe deu deste outro? Não, porque
não houve tempo para isso, e al não disse. E,
do costume, disse que está de quebra com
a dita Catarina da Rosa, por palavras que houve
ontem, e se injuriaram uma a outra, e, assim,
pelejou com a mãe da dita Isabel Mendes,
como dito tem, havendo palavras injuriosas
de uma parte e da outra, e que a dita Isabel
Mendes acudia por a mãe, e que lhe tem
vontade, e, porém, que tudo o que tem dito
é verdade, por o juramento que tem feito. E declarou
que ela não tinha senão natura de
mulher, e que tem três filhos que pariu, e que
promete de nunca mais ofender a Nosso
Senhor Jesus Cristo em esse pecado, e se guardar
dele quanto puder. E lhe foi mandado
ter segredo no que disse, e que se confessasse,
e, além da penitência que lhe desse seu confessor,
que jejuasse duas sextas-feiras a pão e água,
e que cumpriria isto daqui até o dia de Nossa
Senhora de agosto, e, daqui até então, rezará
um padre-nosso e uma ave-maria à honra da
morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo,
e que não dormisse em cama com mulher
alguma, senão tendo extrema necessidade,
e então com pessoa sem suspeita, e procurasse
de emendar sua vida, porque,
sabendo-se outra cousa, seria castigada com
todo rigor do direito, e a dita Clara Fernandes

+

assim o prometeu de cumprir. E, assim, lhe foi
mandado que aprendesse a doutrina cristã toda,
para que soubesse quando lha mandassem dizer. E,
por não saber assinar, rogou a mim, notário,
que assinasse por ela juntamente com o senhor doutor.
Manoel Cordeiro, o escrevi. E que despois
se veria a mais penitência que lhe haviam
de dar.

+

ela, e estando a mãe dela fora de casa, ela,
declarante, começou a brincar com a dita Catarina
Catarina do Avelar do Avelar, que é muito moça e gentil mulher, e
a dita Catarina do Avelar apalpou a ela
na sua natura, e ela, declarante, lhe
apalpou a sua natura, e lhe disse, então,
a dita Catarina do Avelar que fizessem maridos,
e que se pusesse em cima dela, e, então,
a dita Catarina do Avelar se deitou sobre uma
esteira e se arregaçou, e ela declarante
se pôs em cima dela, também arregaçada,
ajuntando as naturas uma com a outra, e esfregando
uma com a outra, como faz um
homem com uma mulher, e assim cumpriram
ambas, e primeira a dita Catarina do Avelar, e
daí por diante, como a mãe da dita Catarina
do Avelar ia fora, fazia o mesmo, tendo
uma com a outra acesso carnal, estando
ela declarante sempre de riba, e que
continuariam isto por espaço de um
mês. E logo, neste tempo, a mãe dela,
declarante, a tirou fora de casa da
dita Catarina do Avelar, e lhe dizia a dita
moça que não dissesse a nenhuma pessoa nada do
que com ela passava, e, quando a mãe dela,
declarante, a tirou de sua casa, houve
a mãe da dita Catarina do Avelar paixão por

+

isso, porque não quisera que ela se saíra de
sua casa. E, estando, assim, em sua casa,
sempre a dita Catarina do Avelar lhe rogava
que tivesse acesso carnal com ela mais
vezes do que tinha, e a importunava por
isso, e lhe dava meios vinténs e outras
vezes vinténs, e isto as mais das vezes
que com ela tinha acesso carnal. E que,
primeiro que vivesse com esta mulher, viveu
no bairro com uma Margarida Mendes,
filha de Isabel Mendes, mourisca, e com ela
viveu um ano das portas a dentro, a qual
era mulher moça, solteira, e se deitava
com quem queria, e, estando assim em casa com
ela um dia, disse ela à dita Margarida
Mendes se queria que fizessem maridos, e a
Margarida outra lhe disse que sim, queria, e, então,
Mendes fecharam a porta e se pôs em cima dela,
estando ambas arregaçadas, cumpriram ambas
uma com outra, como um homem com uma
mulher, e que continuaram isso alguns dias, em
os quais teriam cinco ou seis vezes acesso
carnal, estando ela, declarante, sempre
de cima, e assim lhe dizia a dita mulher
que a não descobrisse. E que, com Isabel
Mendes, de quem disse em sua denunciação e
confissão atrás que tivera uma vez
acesso carnal, é lembrada que forão
Isabel Mendes duas vezes, estando ela sempre de

+

cima e a dita Isabel Mendes debaixo,
e a segunda vez que com ela teve acesso,
a mãe da dita Isabel Mendes sentiu que dormiram
ambas uma com outra, por o que a dita
filha dizia quando ela estava em cima dela,
e chamou a ela, declarante, machão cadela
que vinha correger sua filha, e, por isto, nunca
mais teve com a dita Isabel Mendes acesso
carnal, que as duas vezes, como dito tem,
e que nisto é encarrego. E que lhe não
se lembra que tivesse acesso com mais mulheres
que com estas que dito tem, nem elas com ela,
tampouco. E jurou aos Santos Evangelhos,
em que pôs sua mão que esta sua
confissão é verdadeira, e o não diz por
ódio, nem imizade que tenha, nem mal querença
às ditas pessoas, porque lhe não
tem, e o diz por passar, assim, na verdade.
E declarou que Catarina da Rosa, de quem diz em
sua confissão que teve acesso carnal uma vez,
Catarina da Rosa pousa com Isabel de Vera defronte das casas
de Dom Inácio, e são do mesmo Dom Inácio,
e na dita casa teve com ela o dito acesso carnal.
E, por não saber assinar, rogou a mim,
notário, que assinasse por ela juntamente com o senhor
Inquisidor.
Manoel Cordeiro, o escrevi.

Licenciado Pedro Álvares por ela, Manoel Cordeiro

e a começou abraçar e beijar,
e se pôs de ilharga com ela e se
ajuntaram as barigas, e estiverão
assim ambas, juntas, bem meia hora,
pouco mais ou menos, esfregando-se
uma com a outra, e as naturas
uma com a outra, e depois que fez
o que quis, se volveu para uma parte,
e, estando assim nisto, lhe falava
amores. E que, despois, contra a
menhã, a dita mulata se tornou
a virar para ela, e se pôs de
ilharga e lhe fez outro tato,
e estaria assim com ela mais
de meia hora com as naturas
uma com a outra, e esfregando-se
como faz um homem com uma
mulher, e que, esta segunda vez, por
ela ver que a dita mulata não fazia
como fazem os homens, conheceu
que era mulher, porque de princípio
cuidou que ela era homem,
e que se não pôs em cima dela
por ela, declarante, andar prenha
e haver medo de perigar a criança.
E que pela manhã se alevantaram
e, se alguém olhava para ela,
declarante, a dita mulata havia

ciúmes disso, e lhe disse que se
fosse para casa de sua mãe, e ela
se veio,
daí a dois dias e que, daí a três ou quatro
dias, ela, declarante, tornou
e houve palavras, e que ela, declarante,
lhe disse, presente Isabel de Vera,
que fosse servir de homem e não de mulher,
e estava também um homem que se
chama Coelho, de alcunha, e, então,
contou a estas pessoas o que lhe acontecera
com a mulata, e como
dormira com ela, não dizendo quantas
vezes lhe isto fizera. E que ouviu
dizer ao dito Coelho, que ouvira dizer
a umas mulheres que se chamam as Franciscas,
que moravam em casa de
Dom Inácio, que a dita mulata se
deitara com uma moça de
um sainho roxo, cujo
nome não sabe, e que dormira com
ela muitas vezes, e que a dita mulata
lhe disse a ela, declarante, que uma
moça de uma saia branca, que vivia
na Mouraria, cujo nome lhe não
disse, que esta era a que a matava
e a quem ela queria bem, e que, quando
a mulata teve acesso com ela, a dita
mulata mostrava contentamento e ela
também. E que o dito homem, Coelho,

está homiziado em casa de Dom Inácio,
e que doutra cousa não é lembrada.
E jurou aos Santos Evangelhos,
em que pôs sua mão que isto é verdade.
E, do costume, disse que houve aquelas
palavras que tem dito com a mulata,
e que nunca mais se falaram.
Antônio
Rodrigues, o escrevi com ante linha
que se fez por verdade. E lhe foi mandado
ter segredo, e assim o prometeu.
Por ela Antônio Rodrigues
Licenciado Pedro Álvares

oi publicada esta sentença, atrás escrita, pelos
vinte e nove dias do mês de janeiro
de mil quinhentos cinquenta seis anos por o senhor padre
mestre, frei Jerônimo de Azambuja, Inquisidor, estando
presente a ré, Clara Fernandes. Manoel Cordeiro,
o escrevi.
E
, publicada,
como dito, a dita sentença,
foi dada a sua devida execução.
Manoel
Cordeiro, o escrevi.

possam tornar a causar dano
a sua alma, antes procurará
muito de emendar sua vida, sob
pena de ser gravemente castigada, e como
o caso merecer. Visto o que diz
na dita petição e tempo de sua prisão
e penitência que tem feita no dito cárcere,
com o mais que de seus autos consta
e forma de sua sentença.
Em Lisboa, dez
de dezembro de 560. +

Ambrósio, doutor
Jorge Gonçalves Ribeiro