O projeto
Nefandas no Espaço Atlântico português é um trabalho derivado do projeto de mestrado “e declarou que ela não tinha senão natura de mulher”: edição digital de dois processos inquisitoriais portugueses de sodomia homoerótica feminina do século XVI, desenvolvido por Mariana Lourenço Sturzeneker e orientado pela professora Vanessa Martins do Monte. Sua finalidade é a divulgação científica da pesquisa de mestrado, visando alcançar um público mais amplo.
"pecado nefando"
A sodomia, foi associada tanto ao homoerotismo (feminino ou masculino), quanto coito anal, o sexo oral e até bestialidade. A partir dos séculos XII e XIII, ela passou a ser definida com mais restrição dentro da terminologia cristã, tornando-se concorrentes a identificação com o homoerotismo (feminino ou masculino) e a associação com o coito anal (hétero ou homoerótico). No regimento de 1613 a sodomia foi incluída oficialmente na alçada da Inquisição, mas a perseguição a ela começou muito antes disso como comprovam por exemplo os processos de Clara Fernandes e Catarina Luís. Já a sodomia feminina foi retirada da alçada da inquisição em 1646.
“Abominável pecado nefando” era uma forma de se referir à sodomia e, portanto, neste contexto, nefandos e nefandas seriam aqueles praticantes do dito “pecado”.
CLARA FERNANDES E CATARINA LUÍS

Clara Fernandes foi presa pela Inquisição Portuguesa em 1555 por ter se relacionado sexualmente com quatro mulheres, chegando a viver “das portas a dentro” com duas delas. Acabou se confessando pois havia fama em Lisboa, onde morava, de que ela cometera o “pecado” da sodomia com Catarina da Rosa e Isabel Mendes. Catarina acabou por fazer um comentário, diante de quatro ou cinco pessoas, deixando claro o envolvimento das duas, após uma briga por Clara ter aparentemente sentido ciúmes de outro amante dela. No caso de Isabel, foi pega na cama com ela pela mãe da mulher e chegou a ser chamada de “machão cadela” no incidente. Porém, acabou confessando após ter sido presa que também manteve relações e viveu com Catarina do Avelar e Margarida Mendes. Foi autora de uma petição, anexa ao processo, solicitando sua soltura a fim de cuidar de sua mãe em 1560.

Catarina Luís foi levada de Braga à Inquisição de Coimbra já presa, acusada de sodomia. Porém, negou em sua confissão haver culpas a relatar. Nove dias após sua audiência, provavelmente durante a madrugada, faleceu em seus aposentos no cárcere da Inquisição. Segundo os relatos reunidos em seu auto de falecimento, a causa provável da morte foi asfixia, por acender fogo para se aquecer durante a noite fria com o ambiente completamente fechado. Alguns presos relataram ouvi-la gritar durante a madrugada, o que não foi confirmado pelo alcaide e pelo guarda do cárcere.
pesquisadora
Mariana Lourenço Sturzeneker é doutoranda do programa de Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo e graduada em Letras (bacharelado com Habilitação em Português e Russo) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma universidade. Foi bolsista PUB (Programa Unificado de Bolsas da Universidade de São Paulo) entre 2017 e 2019 pelo projeto M.A.P: Mulheres na América Portuguesa. Além disso, é bolsista do projeto NLP2 no C4AI (Center for Artificial Intelligence) no qual faz parte da equipe de desenvolvimento do Córpus Carolina desde 2020. É, também, graduanda em Matemática Aplicada e Computacional no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo com habilitação em Comunicação Científica.
IDENTIDADE VISUAL

Agradecemos Sofia Lourenço Sturzeneker pelo desenvolvimento do logo e identidade visual do site.
Suas inspirações para tanto foram a gravura ao lado, de 1514, em domínio público, atribuída a Hans Baldung, na qual são retratadas bruxas em um sabá, bem como os tons nos fólios envelhecidos dos documentos do século XVI.