Alice Meirelles Reis

(1900-1993) (Cliquez ici pour voir la version française)

 

Professora especialista na área do ensino infantil pré-primário, como era denominado à época, desenvolveu um trabalho inovador no Jardim de Infância da Escola Caetano de Campos em São Paulo nas décadas de 1920 e 1930.

Quando Alice Meirelles Reis passou a integrar o quadro do Jardim de Infância, já estava acostumada ao ambiente, pois havia sido aluna do 3º período em 1907 (CORREIO PAULISTANO, 20/11/1907). Ela participou de eventos entoando versos e apresentando “brinquedos” (jogos), uma das práticas inspiradas na pedagogia froebeliana (CORREIO PAULISTANO, 29/11/1905 e 20/11/1907).

Dando prosseguimento aos seus estudos, em 1914, foi aprovada em exame público da Escola Normal Primária do Brás (Correio Paulistano, 11/01/1914 e 02/02/1914). Após 3 anos de formação, recebeu o diploma de professora e o prêmio “Prudente de Morais”, destinado àqueles alunos que mais se destacaram durante o curso (O ESTADO DE SÃO PAULO, 27/11/1917).

Alice Reis, como professora formada, voltou ao local de seu contato inicial com o ensino institucionalizado, assumindo sua primeira turma no Jardim de Infância, em 1923 (KISHIMOTO, 2014, p. 10). Desse ano até 1935, Alice Reis documentou suas práticas realizadas no interior do Jardim de Infância por meio de fotografias e registros escritos, conforme ponderação de Kishimoto (1986).

Ao longo dos anos de trabalho no Jardim de Infância, experienciou com os alunos diversas práticas que, analisadas no conjunto documental, evidenciam a transformação do espaço e a preocupação de marcar a participação mais ativa das crianças. Esses aspectos refletem sua formação docente em processo, as leituras dos escritos de John Dewey e a utilização de métodos propostos por Roger Cousinet (trabalhos em equipe), William H. Kilpatrick (método de projetos) e Ovide Decroly (centros de interesse). O trabalho de Alice Reis deu-se também em consonância com o de educadores como Noemy da Silveira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo, agentes promotores das tendências pedagógicas escolanovistas no Brasil.

A partir das fotografias foi possível identificar vestígios quanto à  organização dos ambientes e práticas que transparecem nos materiais à disposição dos alunos, nos trabalhos em grupo desenvolvidos a partir de centros de interesse, no incentivo ao desenho e à pintura, no uso de jogos, na valorização do brincar, na exploração dos sentidos, no contato com os livros e na recorrência de atividades relacionadas ao cotidiano (como, por exemplo, varrer o chão, arrumar a casa, organizar os materiais da sala de aula). A presença da câmera fotográfica, o ato de fotografar e a confecção dos álbuns para rememorar as práticas também podem demarcar uma inovação. A fotografia que servia para monumentalizar os eventos comemorativos, em datas especiais, passou a registrar as experiências do cotidiano.

Alice Reis debatia as teorias pedagógicas que circulavam na década de 1930 com as normalistas da Escola Normal Caetano de Campos, como “Oberlin e as salas de asilo de Ban-de-la Roche (Vosgues), experiências de Mme. Pastoret, Millet, Cochin, Mme. Pape-Carpentier, Kergomard, Froebel […] Dewey, Kilpatrick, Montessori, Decroly, Instituto Jean-Jacques Rousseau e Rosa Agazzi” (KISHIMOTO; SANTOS 2006, p. 660-661). As viagens internacionais realizadas também explicam o contato com essas teorias e as práticas decorrentes delas. De acordo com uma nota de jornal, Alice era uma das passageiras a bordo de um vapor que saia de Hamburgo em retorno para o Brasil (CORREIO PAULISTANO, 29/10/1937).

Em 1938, alunas do Curso de Especialização de Educação Infantil do Instituto de Educação (antiga Escola Normal) inauguraram o Centro de Estudos de Educação Infantil cujas finalidades eram “o aproveitamento de todos os meios que concorram para o aperfeiçoamento e orientação das professoras do Jardim de Infância”. A comissão orientadora foi eleita “unanimemente” pelas alunas reunindo os seguintes nomes: Alice Meirelles Reis, Carolina Ribeiro, Fernando de Azevedo e Noemy Silveira Rudolfer” (CORREIO PAULISTANO, 05/04/1938).

No ano seguinte, apesar de todos os esforços na promoção do ensino pré-primário, Alice Reis vivenciou a derrubada do imponente prédio do Jardim de Infância para dar passagem à Avenida São Luiz (KISHIMOTO, 2014, p.7). As escolhas dos gestores públicos levaram à eliminação de um prédio projetado para promover a educação pré-escolar pública em favor da circulação dos automóveis, marcas de uma política rodoviarista. O Jardim de Infância continuou existindo sendo alocado no prédio do Instituto de Educação.

Em 1951, no artigo intitulado como “São Paulo necessita de maior número de Jardins de Infância”, Alice Reis abordou o assunto da candidatura de 800 crianças para a existência de apenas 40 vagas disponíveis no Jardim de Infância do Instituto de Educação Caetano de Campos. Desde que tinha sido demolido “o edifício em que se achava magnificamente instalado o Jardim de Infância […] foi feita a promessa de que outro seria brevemente construído”. Até aquele ano, entretanto, a instituição mantinha-se em “instalações provisórias”. Em 1947, Alice Meirelles Reis havia enviado à Prefeitura Municipal de São Paulo um projeto de construção de um novo prédio “consoante prometido, dotado de todos os requisitos necessários para atender com eficiência ao ensino dos pequeninos”. Este projeto “encalhado” nunca foi executado (JORNAL DE NOTÍCIAS, 15/08/1951).

Nascida em uma família da elite paulistana, filha de Augusto Meirelles Reis, ministro do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e membro do Partido Republicano, Alice Reis também teve intensa participação como religiosa na Liga de Senhoras Católicas, depois Liga de Professoras Católicas e Liga do Professorado Católico. Enquanto esteve à frente da Liga do Professorado Católico, promoveu e ministrou um curso de educação infantil pré-primária apresentando seu próprio material educativo e o de Froebel, Montessori, Agazzi entre outros (CORREIO PAULISTANO, 03/03/1937) e empenhou-se em prol da construção da Casa do Professor, um retiro destinado aos docentes aposentados e considerados “inválidos” (CORREIO PAULISTANO, 30/09/1938). Em 1940, realizou palestra na Semana de Ação Social sobre a “infância abandonada” orientando os trabalhos realizados no Educandário Dom Duarte mantido pela Liga das Senhoras Católicas (CORREIO PAULISTANO, 08/09/1940).

 

A produção existente sobre a educadora

Tizuko Morshida Kishimoto é a precursora dos estudos que exploram a prática de Alice Meirelles no Jardim de Infância da Caetano de Campos e que deram visibilidade à sua figura. Foi por ocasião de sua pesquisa de doutorado (KISHIMOTO,1986) que a pesquisadora teve contato com o acervo pessoal de Alice Reis, conjunto documental doado em 1982 para a FEUSP sob a condição de que fosse criado um Museu para abrigá-lo, o que se concretizou em 1999 com a constituição do Museu da Educação e do Brinquedo – MEB (KISHIMOTO, 2014).  O acervo é composto por dois livros datilografados, álbuns de fotografia, álbum de músicas, texto de autoria de Alice Reis publicado na Revista de Serviço Social e exemplares da revista Enfance (KISHIMOTO, 2012).

Vários trabalhos se seguiram à sua tese de doutorado, que exploram em maior ou menor grau a atuação de Alice Meirelles Reis. Em publicação mais recente, Kishimoto e Santos colaboraram com uma entrada sobre Alice no trabalho de Golombek (2016) sobre a história da Caetano de Campos. Maria Walburga dos Santos é outra referência em relação à atuação de Alice Reis, em pesquisas sobre os Parques Infantis e a educação pré-escolar em São Paulo.

Kishimoto e Santos são leituras obrigatórias para introdução e aprofundamento das práticas de Alice Meirelles Reis e o contexto da Educação Pré-escolar em São Paulo nos anos 1920-1930.

No livro lançado durante a comemoração dos 80 anos da FEUSP, Kishimoto (2014, p. 92) finalizou suas ponderações indicando questões que permanecem em aberto sobre Alice Reis: o fato de suas práticas não terem tido impacto na institucionalização de novos formatos na educação infantil, e que há “muitas contradições nos primórdios da educação infantil pública em São Paulo, fruto de condições histórico-culturais e políticas públicas que precisam ser desveladas pelos pesquisadores”. Corroborando a afirmação de Kishimoto, é possível ampliar as pesquisas sobre Alice Meirelles Reis, explorando sua história de vida e inovação no que concerne à educação pré-escolar. Quanto a isso, ainda estão por investigar outras questões que remetem à própria trajetória da professora, suas redes de sociabilidade, as viagens de estudo que realizou ao exterior, os grupos dos quais participava, dentre outros assuntos.

 

Palavras-chave: Jardim de Infância; Escola Nova; Educação pré-escolar.

 

Bibliografia

Golombek, P. (2016). Caetano de Campos: a escola que mudou o Brasil. São Paulo: EDUSP.

Kishimoto, T. M. (1986). A pré-escola em São Paulo (das origens a 1940). 344 p. Tese de Doutorado em Educação. São Paulo: Universidade de São Paulo.

Kishimoto, T. M. (2014). Práticas Pedagógicas de Alice Meirelles Reis (1923-1935). São Paulo: PoloBooks.

Kishimoto, T. M. (Coord.). (2012). Acervo de Alice Meirelles: Museu da Educação e do Brinquedo – MEB. São Paulo: FEUSP/FAFE/LABRIMP.

Kishimoto, T. M.; Santos, M. W. (2006). Educação Infantil em São Paulo entre 1920 e 1940: um estudo de caso sobre Alice Meirelles Reis. In: VI Congresso Luso-brasileiro de História da Educação, 2006, Uberlândia -MG. Uberlândia – MG, 234-234.

Santos, Maria Walburga dos. Educadoras de Parques Infantis em São Paulo: aspectos de sua formação e prática entre os anos de 1935 e 1955. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 1984.

 

Arquivos

Acervo Digital do Jornal O Estado de São Paulo

Centro de Memória e Acervo Histórico/CRE Mario Covas/EFAP

Fundação Biblioteca Nacional – Hemeroteca Digital

Museu da Educação e do Brinquedo (MEB), FEUSP

 

Escrito por: Ariadne Lopes Ecar, Fernanda Franchini, Rafaela Silva Rabelo.