Iracema Marques da Silveira

(Santa Rosa do Viterbo, 1900 – São Paulo, 24/05/1978) (Cliquez ici pour voir la version française)

Iracema Marques da Silveira foi professora primária cuja trajetória se distinguiu pelo trabalho realizado na Biblioteca infantil da Escola Primária do Instituto de Educação Caetano de Campos. Irmã de Noemy Marques da Silveira, iniciou seus estudos na Escola Normal do Braz em 1915, formando-se no magistério em 1918. Foi efetiva no Grupo Escolar Pari, depois substituta efetiva no Grupo Escolar Prudente de Moraes, posteriormente adjunta no Grupo Escolar Oswaldo Cruz e, finalmente, em 1930, adjunta da Escola Modelo anexa à Escola Normal da Praça. Nessa última instituição permaneceu até sua aposentadoria em 1966, assumindo a partir de 1936 a função de bibliotecária. Sua nomeação para o cargo de adjunta-bibliothecária da Escola Primária anexa à Escola Normal Modelo, entretanto, tardaria ainda três anos, sendo efetuada em 7 de novembro de 1939 (PINHEIRO, 2008).

​Os anos 1930 inauguraram um período fértil nos canteiros da Biblioteconomia brasileira. Em 1929, foi implantado o Curso de Biblioteconomia no Instituto Mackenzie, em São Paulo. Em 1931, reaberto o Curso da Biblioteca Nacional, extinto em 1922, após 7 anos de funcionamento. Em 1936, criada a Divisão de Bibliotecas da Prefeitura Municipal de São Paulo e a Escola de Biblioteconomia a ela vinculada, que, em 1940, foi transformada, após um ano de inatividade, em Escola de Biblioteconomia anexa à Escola Livre de Sociologia e Política. As mudanças efetuadas no campo mais amplo da Biblioteconomia combinavam-se a iniciativas de natureza mais propriamente educacional de grande visibilidade. No Rio de Janeiro, surgiram, em 1932, a Biblioteca Central de Educação (chefiada por Armando de Campos); e, em 1934, da Biblioteca Infantil (dirigida por Cecília Meireles); ambas durante a reforma educacional de Anísio Teixeira. Em São Paulo foram inauguradas, em 1931, a Biblioteca Pedagógica Central (sob responsabilidade de Achiles Raspantini); e, em 1936, a Biblioteca Infantil Municipal (a partir de 1955, denominada Biblioteca Infantil Monteiro Lobato), gerida por Lenyra Fraccaroli até sua aposentadoria em 1961 (VIDAL, 2004, 2014).

​Iracema Silveira não estava alheia a estas discussões nem distante do grupo de educadores que se associavam à difusão dos princípios da Escola Nova no Brasil. Já em 1935, fora convidada pelo Diretor de Ensino de São Paulo, para compor a comissão para a organização da Biblioteca Infantil Modelo da Diretoria de Ensino, bem como de elaborar o folheto sobre a organização de bibliotecas infantis a ser distribuído aos diretores de grupos escolares. No mesmo ano, atuou ao lado de Fernando de Azevedo e Almeida Júnior como docente do curso de férias sobre Administração escolar. Anos antes, em 1928, fez parte da Comissão organizadora da Semana de Educação, também integrada por Sampaio Dória, Lourenço Filho, Renato Jardim dentre outros.

​Ao assumir a Biblioteca Infantil, já em 1936, preocupou-se com a elaboração de estatutos próprios, previu sua manutenção pela Associação Auxiliar da Escola e, a partir de julho, deu início à publicação do jornal escolar Nosso esforço, feito e dirigido pelos alunos e alunas do curso primário. Em 1937, a Biblioteca recebeu móveis novos, adequados à estatura dos leitores mirins, mandados fazer especialmente no Liceu de Artes e Ofícios. Correspondiam ao que de mais moderno se preconizava no campo educacional na defesa da liberdade de acesso aos livros e estantes por parte dos alunos e alunas, de modo a fomentar o protagonismo infantil.

Compondo este mosaico do ensino e da escola ativos, estava o trabalho dos alunos-bibliotecários. Eram responsáveis pela leitura dos livros novos e sua catalogação através de um sistema criado pela própria bibliotecária, Iracema Silveira, com vistas a facilitar a consulta dos leitores infantis. Tinham a incumbência de dar atendimento e orientação de leitura aos colegas, além de velar pela correspondência com autores de livros infantis. Esses alunos-bibliotecários eram escolhidos entre os estudantes da 3ª a 5ª série do ensino primário que se apresentavam voluntariamente para a atividade, desenvolvida fora do horário de aulas.

​Supervisionados pela bibliotecária, os alunos-bibliotecários constituíam também o corpo editorial do Nosso esforço, publicado mensalmente desde sua criação. O exercício permitia ainda o desenvolvimento da capacidade redatora dos alunos e familiarizava-os com outras práticas de escrita, como a máquina de escrever. O trabalho jornalístico incluía, dentre outros, o relato dos eventos escolares, efemérides e datas comemorativas; bem como publicação de textos em auxílio às tarefas escolares, contos, poesia, charadas, indicações de leitura, reportagens sobre escritores de livros infantis e fotografias.

​Com os objetivos de incentivo ao gosto da leitura, despertar a curiosidade pelos livros, enriquecer o vocabulário infantil, estabelecer contato entre os autores de livros infantis e as crianças e estreitar os laços entre a bibliotecária e os alunos, era realizada na Biblioteca Infantil a “hora do conto”. Autores convidados ou a bibliotecária narravam histórias, que os alunos eram estimulados a dramatizar, contando com o auxílio ou não da professora da classe. Incluído no quadriculado do horário da escola primária, o tempo de biblioteca assegurava a cada classe a frequência semanal ao acervo e a participação nas atividades previstas por Iracema Silveira.

​Todo o trabalho na Biblioteca foi registrado. No acervo do Centro de Referência em Educação Mario Covas encontram-se os Álbuns fotográficos Nosso Esforço e Biblioteca Infantil (1937-1966), a Coleção do jornal Nosso Esforço (de 1936 a 1967); pastas contendo Dossiês didáticos; Livro de Ofícios (de 19 mai. 1939 a 11 ago. 1943); Correspondências (décadas de 1930, 1940 e 1950, enviadas e recebidas); partitura do hino Nosso Esforço (música de Frederico de Chiara e letra de Maria José, 1956) e três Livros-caixa (1936-1944; 1944-1952 e 1952-1967) que mantinham o controle da receita e da despesa da Biblioteca.

​Nos anos a frente da Biblioteca infantil, Iracema colaborou com outras iniciativas ligadas à Secretaria Estadual de Educação e voltadas à promoção de bibliotecas escolares, como a Comissão Orientadora de Literatura Infanto-juvenil, que integrou em 1955. Aposentou-se em 1966 e doze anos mais tarde veio a falecer. Solteira, não deixou descendentes.

A produção existente em história da educação sobre a educadora

Sobre a Iracema Silveira são poucas as referências bibliográficas existentes. O doutorado de Ana Regina Pinheiro, defendido em 2008 na UNICAMP, enfoca as estratégias de educadores, alunos e professores, efetivadas a partir da Escola Caetano de Campos, em particular da atividade do jornal Nosso Esforço, para a disseminação do que a autora considera como modelo escolar paulista. Para tanto, dá destaque às trajetórias de João Lourenço, Carolina Ribeiro e Iracema da Silveira. Retoma trabalho anterior, realizado como dissertação de Mestrado e defendido em 2000, em que discorre sobre os anos iniciais do jornal Nosso Esforço (1936 a 1939), analisando as temáticas abordadas em suas páginas, com relevo aos preceitos cívicos e higienistas.

Patrícia Golombek também evidencia a ação de Iracema Silveira na Biblioteca Infantil e o papel importante que teve na produção das edições do jornal Nosso Esforço. Diana Vidal toma a experiência de Iracema Silveira como professora-bibliotecária por mote para abordar a preocupação emergente nos anos 1920 de introdução de bibliotecas infantis em escolas primárias, bem como de criação de bibliotecas infantis públicas nas cidades do Rio de Janeiro e em São Paulo. Visa demonstrar como se foi produzindo e disseminando nesses espaços um repertório comum de práticas de leitura e escrita, baseadas em primados associados às propostas da Escola Nova.

É, assim, como professora-bibliotecária que Iracema Silveira tem sua história traçada nos estudos existentes. Colocam acento na contribuição que deu ao ensino paulista na constituição de práticas pedagógicas inovadoras para esse também novo lugar ocupado pelas bibliotecas no interior das escolas primárias.

 

Palavras-chave: Biblioteca escolar; Escola primária; Práticas de leitura; Jornal escolar; Escola Nova

Bibliografia:

Golombek, Patricia (2016). Caetano de Campos – A escola que mudou o Brasil. São Paulo: EDUSP.

Pinheiro, Ana Regina. A imprensa escolar e o estudo das práticas pedagógicas: o jornal “Nosso esforço” e o contexto escolar do curso primário do Instituto de Educação (1936/1939) (2000). PUC-SP, São Paulo, SP, Brasil.

_____ (2008). Escola Caetano de Campos: Escola Paulista, Escola Vanguardeira. UNICAMP, Campinas, SP, Brasil

Vidal, Diana Gonçalves (2004). Bibliotecas escolares: experiências escolanovistas nos anos 1920-1930. In: M.C.Menezes. (Org.). Educação, memória, história: possibilidades, leituras (pp. 187-212). Campinas: Mercado de Letras.

_____ (2014). Experiências do passado, discussões do presente: A biblioteca escolar infantil do Instituto de Educação Caetano de Campos (1936-1966). Perspectivas em Ciência da Informação (Online), 19, 195-210.

Arquivos:

Centro de Memória e Acervo Histórico/CRE Mario Covas/EFAP

 

Autoria: Diana Gonçalves Vidal