Madre Ninetta Jonata

(Guglionesi/Itália, 7 de novembro de 1887 –  São Paulo/Brasil, setembro, 1976) (Cliquez ici pour voir la version française)

Madre Ninetta Jonata. Madre Geral das Mestras Pias Filippini, nasceu na cidade de Guglionesi, Itália, em 7 de novembro de 1887, viveu e atuou a maior parte de sua vida em São Paulo, destacando-se pelos trabalhos apostólicos por meio da escolarização de meninas e de pessoas pobres. Sua nacionalidade é considerada brasileira pelos católicos, já que passou a maior parte de sua vida na capital paulista e aí faleceu em setembro de 1976 na qualidade de Madre Geral das Mestras Pias Filippini. A sua atuação, inúmeras vezes reconhecida por autoridades católicas e do Estado, foi muito elogiada pelo seu empreendedorismo e entusiasmo na causa educacional, voltando-se sobretudo para o atendimento de pessoas que, pela sua condição de gênero – as meninas – ou pela sua origem social desfavorecida, costumaram ser alijados do direito à escola. É nesse sentido que podemos considerá-la aqui como uma mulher que participou da história do ensino e de sua inovação.

Em suas origens, a trajetória de Ninetta revelava “muita vocação para o magistério”. Era dessa maneira que edição comemorativa de seus 60 anos de vida religiosa, escrita pelas Mestras Pias Filippini (1968), começava sua homenagem. A família de Ninetta era da antiga nobreza italiana. Quando menina, ela fez o curso primário na escola de sua cidade, destacando-se por ser uma excelente aluna. “Muito religiosa e revelando profunda preocupação com os menos afortunados, sempre que podia enchia os grandes bolsos do vestido com alimentos que levava aos pobres” (M.P.F., 1968, p.23). O exercício do magistério começou cedo, quando, aos doze anos de idade, ela ensinava aos meninos e às meninas pobres na Escola Dominical de sua cidade natal, ocupando o lugar confiado por sua ex-professora. Mesmo sabendo que esse não era o desejo de seus pais, Ninetta apresentou-se ao Pontifício Instituto das Mestras Pias Filippini no dia 7 de maio de 1907, com pouco menos de 20 anos de idade. Quando contaram a história de sua Madre Geral, as Mestras Pias Filippini lembraram que nesta exata data fazia dois séculos que Lúcia Filippini, com o apoio do Papa Clemente XI, inaugurava em Roma a primeira escola para jovens do povo.

Como fios de uma corda que teceu as preocupações da Congregação e da Igreja Católica com a educação dos menos favorecidos, a história da Madre Ninetta Jonata misturou-se à história de Santa Lúcia Filippini, que “parecia reviver em Soror Ninetta Jonata” (M.P.F., 1968, p.34). O lema do Instituto é “Ide e ensinai a Palavra de Deus” e sua missão religiosa é ainda hoje claramente educacional e assistencial. Em edição comemorativa do Meio século da presença das Mestras Pias Filippini no Brasil (1962-2012), Irmã Therezinha Salgado, M.P.F. e Aliette Fontana (2012) assinalaram o esforço da Evangelização nas Escolas, Trabalhos Sociais e Setor Administrativo”. Em carta às Irmãs datada de junho de 2012, Irmã Maria Moreira de Souza, M.P.F., então Superiora Vice-Provincial, lembrou que: “Milhares de alunos receberam a Educação Religiosa, Mora, Ética e Acadêmica, tornando-se grandes homens e mulheres imbuídos de valores para a vida”. Lúcia Filippini nasceu na Toscana em 1672. Muito religiosa, aos 12 anos de idade foi promovida a catequista na paróquia que freqüentava. Pouco tempo depois ficou hospedada no Convento de Santa Clara e ali completou seus estudos. Quando tinha 20 anos, o Cardeal Barbarigo a colocou como responsável pela então fundada Escola de Doutrina Cristã, onde dedicou-se às atividades escolares, de catequese e promoção da mulher por meio de retiros e orientações. Também trabalhou na primeira escola para meninas carentes na Itália, ensinando trabalhos domésticos, a língua italiana, elementos de ciência de doutrina cristã. Juntamente com o Cardeal Barbarigo e depois de deixar o Mosteiro de Santa Clara, Lúcia assumiu a direção do Instituto das Mestras Pias, que se perpetuou pelos séculos seguintes e chegou ao Brasil com a Madre Ninetta Jonata em 1962. Lúcia Filippini, hoje considerada Santa pela Igreja Católica, faleceu em 1732, após a fundação de 52 escolas.

As Mestras Pias Filippini atuam nos dias de hoje em oito países de quatro continentes. Estão presentes na Itália, no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Etiópia, na Eritreia, na Índia e na Albânia. O primeiro esforço de expansão foi nos Estados Unidos, onde havia famílias italianas sem escolas e apoio católico. A missão foi assumida pela Madre Ninetta Jonata em 1910, quando ela e mais quatro Irmãs chegaram em Nova Jersey e encontraram um prédio em péssimas condições. Não obstante, em 3 semanas abriram a escola. Receberam 12 ou 13 alunos, a maior parte alunos mal vistos na escola pública pela má conduta. Resolveram então aceitar crianças de dois anos e meio para cima, abrindo um Jardim de Infância e um curso primário e mais de 130 meninos e meninas se matricularam. Esse foi o início de uma história marcada por dificuldades desencorajadoras, vencidas por “pacientes” e “diligentes esforços”. As escolas do Instituto multiplicam-se e em 1927 ele criou sua primeira Escola Normal. Em 1938, Madre Ninetta Jonata, M.P.F. foi nomeada Madre Provincial na América e, em 1954, ela foi eleita Superiora Geral da Ordem em Roma.

Em 1961, veio ao Brasil acompanhada de sua prima Irmã Caterina Jonata para abrir um Noviciado e uma escola. Procurou um bairro pobre de São Paulo e instalou-se na Itaberaba, numa pequena chácara que a Ordem adquiriu. Em 1962 deu-se a abertura do Noviciado. Em 1963, foi iniciada a construção “de um grande e moderno prédio para a instalação de um ginásio, colégio, escola normal e outros cursos escolares” (Mestras Pias Filippini, 1968, p.49). Posteriormente, foi possível adquirir uma chácara maior, que hoje é sede do Instituto no Brasil, chamada de Parque Mater Divinae Gratiae das Mestras Pia Filippini. A partir de 1966, Madre Ninetta Jonata, M.P.F. passou a residir definitivamente nessa sede. As atividades do Pontifício Instituto foram intensas e férteis, recaindo sobretudo no atendimento da população pobre: seis escolas em bairros próximos à Itaberaba, com Jardim de Infância, Pré-Primário e Primário, incluindo atividades religiosas, educativas e assistenciais. Muitas mães que trabalhavam durante o dia podiam deixar seus filhos aos cuidados das Irmãs. A Escola Santa Lúcia Filippini, na sede, constou de Escola Normal, Ginásio, Curso de Secretariado, de Contabilidade, Pré-Primário, Primário e Jardim da Infância. Ensinava costura e bordado para meninas, artes industriais para moços e moças, banda musical, arte dramática, coro infantil, cinema educativo, clube de ciências, clube literário, clube de mães e clube de pais. Suas variadas atividades expandiram-se a outros bairros de São Paulo, como a Barra Funda, a outras cidades – Miracatu e Peruíbe – e a outros estados, como foi o caso da Bahia, Rondônia, Mato Grosso e Goiás. Obra profícua entre os diferentes esforços de organização e expansão das escolas em São Paulo e no Brasil, sobretudo em bairros pobres.

 

A produção existente em história da educação sobre Ninetta Jonata

O trabalho e a trajetória feminina já vem mobilizando importantes investigações em história da educação, mas ainda é escassa a atenção para a biografia de mulheres que atuaram em congregações religiosas (Rogers, 2007). Isso pode ser notado a partir de balanço sobre a produção francesa em história da educação e gênero (Rogers, 2007). No Brasil, alguns estudos sobre a história de escolas protestantes e católicas vem se consolidando desde a década de 1990 e vem crescendo atualmente (Hilsdorf, 2009; Hilsdorf, 2002a; Hilsdorf, 2002b; Leonardi, 2008; Custódio, 2014). A construção de biografias de mulheres religiosas e educadores é profícuo e pode ser mais explorado. A trajetória da Madre Ninetta Jonata é representativa da ação de congregações religiosas, católicas no caso, que participaram da expansão das oportunidades escolares no Brasil desde o século XIX, em meio a disputas e iniciativas que convém conhecer mais. Ela  é reconhecida na comunidade junto à qual atuou, como Madre Geral das Mestras Pia Filippini e missionária ainda hoje lembrada na região da Itaberaba, na cidade de São Paulo. O acervo das M.P.F. em São Paulo é farto de livros, cartas e fotos sobre a Madre e os “lugares de memória” no convento, onde seu corpo foi enterrado, são marcantes e são indícios que convém ter mais visibilidade nos estudos em história da educação.

Palavras-chave: ensino e congregações católicas, escolas para pobres, vocação para o ensino

 

Bibliografia:

CUSTÓDIO, Maria Aparecida Corrêa. A invenção do cotidiano feminino: formação e trajetória de uma congregação católica (1880-1909). SP: Annablume, 2014.

HILSDORF, Maria Lúcia. Educadoras metodistas no século XX: uma abordagem do ponto de vista da história da educação. Revista de Educação do COGEIME, v.2, n.20, p.93-98, jun/2002a.

_________. Revisitando a história das escolas protestantes americanas na província de São Paulo. São Paulo: EDUSP, 2009.

__________. Tempos de escola: fontes para a presença feminina na educação escolar – São Paulo – século XIX. Bragança Paulista: EDUSF, 2002b.

LEONARDI, Paula. Além dos espelhos: memórias, imagens e trabalhos de duas congregações católicas francesas em São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2008.

ROGERS, Rebecca. L’éducation des filles : un siècle et demi d’historiographie. Histoire de l’éducation. 115-116, 2007, p.37-79.

 

Acervo:

ALMEIDA, Irmã Maria da Conceição Alves de. Uma mulher de todos os tempos – Madre Ninetta Jonata, M.P.F. São Paulo: Pontifício Instituto Mestras Pia Filippini, 1984.

JONATA, Madre Ninetta. Palavras de sabedoria. São Paulo: Pontifício Instituto Mestras Pia Filippini, 1977.

Mestras Pia Filippini. 1908-1968. São Paulo: Pró-Província Mater Divinae Gratiae, 1968.

RECCHIA, P. Pancrazio. História e teologia de um carisma. Roma/São Paulo: Cúria Geral/Mestras Pia Filippini, 1991.

ROCCA, Mafaldina. O Cardeal Marco Antonio Barbarigo. Roma/São Paulo: Pontifício Instituto Mestras Pia Filippini, 1989.

SALGADO, Ir. Neusa Therezinha Fernandes. Pequeno histórico do Pontifício Instituto das Mestras Pia Filippini no Brasil. São Paulo: Pontifício Instituto Mestras Pia Filippini, 1987.

SALGADO, Ir. Therezinha, M.P.F.; Fontana, Aliette. Meio século da presença das Mestras Pia Filippini no Brasil – 1962/2012. São Paulo, 2012.

SALLOTI, Mons. Carlos. Santa Lúcia Filippini. São Paulo: Província Brasileira Mater Divinae Gratiae, 1981.

TURETTA, Valentino. A mestra santa – Santa Lúcia Filippini. São Paulo: Casa Geral das Mestras Pia Filippini, 2012.

Autoria: Vivian Batista da Silva