Congregações

Igreja Católica, Congregações Femininas e Escola

As práticas de ensino realizadas por mulheres de congregações católicas merecem atenção especial (ROGERS, 2007). Desde o século XX, essa presença vem crescendo progressivamente, somando um número maior do que os das congregações masculinas. No ano de 1900, registra-se 17 congregações femininas então instaladas; em 1912, 34; em 1922, 12; em 1933, 20; em 1943, 27; em 1953, 36 e em 1964, 60. Entre 1849 e 1912, as congregações femininas que chegam ao país são de várias nacionalidades, entre as quais estão a italiana e a francesa – que são as mais numerosas, a ucraniana, a russa, a portuguesa, a holandesa, a espanhola, a belga e a alemã (LEONARDI, 2007). Essa multiplicidade de congregações que vêm em períodos próximos e em condições semelhantes já chamou a atenção de alguns pesquisadoras como Oliveira (2017) e Leonardi (2007), atentas à história dessas ordens, de suas vindas para o Brasil, das fundações de seus colégios e dos materiais didáticos por elas produzidos. O estabelecimento dessas ordens no país está relacionado ao desenvolvimento da política ultramontana de submissão do clero à autoridade romana desde meados do século XIX, no Brasil, à feminização do clero desde o século XIX e à internacionalização dessas congregações em finais do século XIX e início do XX (MICELI, 1988; LANGLOIS, 1992).

​Para além da entrada de mulheres em congregações católicas, a feminização é um processo que institui a figura da superiora geral e uma sede onde emanam todas as decisões sobre os rumos da congregação, desde a escolha de seus membros, seus trabalhos etc. Esse processo, vale assinalar, ocorre em diversas partes do mundo, mas ainda hoje as mulheres ainda não tomam assento nas assembléias em Roma, sede do poder católico (NUNES, 1997). Elas estão presentes na administração e participação nas congregações, na fundação de colégios, destinados à elite ou a camadas menos favorecidas da população, dependendo da ordem e de suas finalidades, bem como na ação benevolente junto a comunidades carentes (LEONARDI, 2007). Daí a necessidade de conhecer a história e as práticas de ensino empreendidas pelas mulheres em congregações e colégios religiosos.

​No caso brasileiro, a expansão do sistema escolar criado pelo Estado no século XIX não exclui a ação da Igreja no campo educacional (CARVALHO, 1989). O longo processo de restauração católica no país (BEOZZO, 1980), desde os tempos de Colônia, é marcado por uma certa ambivalência das condições postas pelo regime republicano às ações dos católicos. Num processo complexo e de negociações, o processo de laicização do Estado e de seu sistema de ensino provoca reações por parte dos católicos que, no campo educacional, vêm exercendo papel relevante, sobretudo na criação de escolas, na produção de materiais escolares (SGARBI, 2001). Na história da “escola democratizante” (BEISIEGEL, 1984) e dos sistemas de ensino organizados pelo Estado de forma leiga, obrigatória e gratuita (NÓVOA, SCHRIEWER, 2000), não podemos deixar de reconhecer o papel da Igreja Católica em debates e iniciativas junto à organização do sistema de ensino no Brasil.

​Marta Carvalho (1989) esclarece que com a criação do Ministério da Educação e Saúde pelo governo Vargas, em 1930, ampliam-se as possibilidades de estruturação da rede de escolas, estimulando a disputa pelo seu controle ideológico e técnico. Nesse momento, dois grupos se organizam com o intuito de regular o cotidiano das salas de aula e consolidar, dessa forma, uma hegemonia cultural. Um deles reúne os chamados “católicos”, ou seja, os membros do laicato intelectual e integrantes da Associação Brasileira de Educação desde os anos 20 até 1932, quando passam a se articular a agremiações religiosas. De outro lado estão os “pioneiros”, como são designados. Membros ativos da A.B.E., eles trabalham junto ao governo, promovendo reformas educacionais, buscando organizar a escola a partir dos princípios de uma sociedade liberal e democrática. Tanto os “católicos” como os “pioneiros” também atuam junto ao mercado editorial para difundir a sua compreensão acerca das teorias e preceitos tidos como “ideais” para a constituição de uma cultura pedagógica do professorado.

Na história da criação e consolidação do sistema escolar brasileiro, merecem destaque as trajetórias de mulheres de congregações religiosas que assumem finalidades pedagógicas e filantrópicas. Para Leonardi (2008), tomar como objeto as próprias congregações permite construir históricas ainda pouco conhecidas da Igreja Católica e de suas relações com a escola e a sociedade. Conhecer os motivos de suas vindas para o Brasil, seus modos de organização, seus membros e seus cotidianos é dar luz a indícios importantes de como algumas experiências de escolarização se estruturam. “Estudar as congregações somente a partir de seus colégios é descartar outras possibilidades de ação e de educação desenvolvida por essas mulheres e para mulheres” (LEONARDI, 2008, p.23). Além disso, esse tipo de atuação põe em circulação e contato experiências educacionais conhecidas em diferentes lugares do mundo, permitindo conhecer aspectos importantes da difusão mundial do ensino. Daí a importância de se compreender os percursos dessas congregações, em especial, de mulheres que nelas atuam e ainda merecem ser mais conhecidas (CUSTÓDIO, 2002; HILSDORF, 2002; ROGERS, 2007; SOUSA, 1995), na história da expansão da escola no Brasil e no mundo.

​Palavras-chave: ensino e congregações católicas, escolas para todos, vocação para o ensino

 

Referências:

​BEISIEGEL, Celso de Rui. Educação e Sociedade no Brasil após 1930. In: FAUSTO, B. (org.) História geral da civilização brasileira: o Brasil Republicano – economia e cultura (1930-1964). São Paulo: Difel, 1984. t.3, v.4, p.381-416.

​BEOZZO, José Oscar et all. História da Igreja no Brasil. Ensaio de interpretação a partir do povo. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1980.

​CARVALHO, Marta. O novo, o velho, o perigoso: relendo a cultura brasileira. In: Cadernos de Pesquisa, São Paulo, nº 71, nov/1989, p.29-35.

CUSTÓDIO, Maria Aparecida Corrêa. A invenção do cotidiano feminino: formação e trajetória de uma congregação católica (1880-1909). SP: Annablume, 2014.

​HILSDORF, Maria Lúcia. Tempos de escola: fontes para a presença feminina na educação escolar – São Paulo – século XIX. Bragança Paulista: EDUSF, 2002.

​LANGLOIS, Claude. Le catholicisme au féminin revisité. In : CORBIN, Alain, LALOUETTE, Jacqueline, RIOT-SARCEY, Michèle (dir). Femmes dans la cité (1815-1871). Grâne, Éditions Créaphis, 1992.

​LEONARDI, Paula. Além dos espelhos: memórias, imagens e trabalhos de duas congregações católicas francesas em São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2008.

​MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.

​NÓVOA, António; SCHRIEWER, Jürgen (eds). A difusão mundial da escola. Lisboa: Educa, 2000.

​NUNES, Maria José Rosado. “Freiras no Brasil”. In: DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997.

​OLIVEIRA, Sandra. A presença católica na formação de professores no Brasil: os manuais das madres Peeters e Cooman (1935-1971), Tese de Doutorado: UFU, 2017.

​ROGERS, Rebecca. L’éducation des filles : un siècle et demi d’historiographie. Histoire de l’éducation. 115-116, 2007, p.37-79.

​SGARBI, Antônio Donizetti. Bibliotecas pedagógicas católicas: estratégias para construir uma civilização cristã e conformar o campo pedagógico através do impresso (1929-1938). Tese de doutorado: PUC/SP, 2001.

​SOUSA, Cynthia Pereira de. Os caminhos da educação masculina e feminina no debate entre católicos e liberais: a questão da co-educação dos sexos, anos 30 e 40. In: Pesquisa histórica: retratos da educação no Brasil, Rio de Janeiro, UERJ, 1995, p.37-48.

​VILLAÇA, Antônio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

Autoria: Vivian Batista da Silva