Ensino Superior

Mulheres e Ensino Superior no Brasil

A história das mulheres no ensino superior no Brasil começou no final do século XIX, no entanto, o acesso e a permanência delas neste nível de ensino foi sendo ampliado de maneira bastante lenta.  De acordo com Cynthia Pereira de Sousa (2008), “a história do acesso das mulheres ao ensino superior se iniciou em 1880, com a matrícula de Rita Lobato Velho Lopes (1867-1960?), na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Problemas familiares obrigaram-na a se transferir para Salvador, onde seu pai matriculou-a no 2º ano da Faculdade de Medicina da Bahia, em 1881, onde terminou seu curso em 10 de dezembro de 1887, com a seguinte observação: ‘primeira mulher diplomada em Medicina no Brasil, 1887’” (p. 153). Ao longo da Primeira República (1889-1930), os cursos superiores, ainda escassos no Brasil, tinham seu acesso limitado às mulheres por dois motivos principais: o ginásio, único curso de levava ao ensino superior, era pouco frequentado por elas, e o curso Normal, que cuja clientela escolar feminina era expressiva, não permitia seu ingresso em faculdades. Segundo a autora, tal cenário só seria modificado nos anos de 1930, quando “rompeu-se com a limitação do acesso ao ensino superior pela via do ensino secundário ginasial dado em escolas oficiais, tanto por meio da equiparação dos diplomas de colégios particulares aos dos colégios públicos, instaurando avanços na questão da articulação entre ensino médio e superior, como por franquear cursos, principalmente das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, aos portadores de diplomas de normalistas, mulheres em sua grade maioria” (op. cit., 154). Tal medida marcou a possibilidade das mulheres darem continuidade a seus estudos em nível superior. Para Sousa (2008), “com as possibilidades abertas de formação para o magistério secundário, as Faculdades de Filosofia tornar-se-iam redutos femininos” (p. 154). Com influência europeia em sua instituição e em suas práticas pedagógicas, marcando uma forma particular de se relacionar com o conhecimento neste nível de ensino, a Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934, colocou em funcionamento uma das primeiras Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras do Brasil (SILVA, 2016).

A Universidade de São Paulo, em sua criação, pretendia realizar a formação intelectual do país. A influência europeia e a ênfase francesa marcaram a origem da instituição: de um lado estava o “saber desinteressado”, os conhecimentos que enriqueceriam e desenvolveriam o espírito e, de outro lado, estavam os “saberes utilitários”, os conhecimentos que seriam úteis à vida prática (FÉTIZON, 1986). Em um primeiro momento, durante a criação da USP, houve a tentativa por parte do Estado de implantar o modelo originário – europeu – em sua forma mais pura. Segundo Beatriz Fétizon (1986), a partir de 1938 iniciou-se a primeira acomodação do modelo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), “tornada uma escola de formação profissional pela criação de sua quarta seção (Pedagogia)” (op. cit., p. 399). Marcada pela meritocracia, a FFCL era voltada para a universalidade do saber de alto nível. A contratação de professores estrangeiros marcou a primeira geração de intelectuais, docentes e pesquisadores formados nos procedimentos de um modelo de investigação rigorosa. Neste quadro, a entrada dos estudos de educação para a FFCL, como uma quarta seção – a de Pedagogia – em 1938, consagrou o abandono do modelo originário puro. Neste sentido, a seção de Pedagogia marcou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de uma forma muito particular, pois estava em uma instituição baseada no rigor dos procedimentos de pesquisa e no saber de caráter desinteressado, mas precisava conduzir ao mesmo tempo uma formação voltada para o trabalho e para a prática (FÉTIZON, 1986). De acordo com Irene Cardoso (1982), ao longo da década de 1940, a política social criou oportunidades que foram permitindo, aos poucos, à classe média chegar à Universidade, trazendo para esta instituição uma clientela diferenciada. Contudo, as carreiras voltadas ao magistério eram aquelas que mais recebiam as mulheres. Vale lembrar que, no caso brasileiro, a formação de professores, mediante as orientações legais, só tornaria o ensino superior obrigatório para a formação de professores que atuariam na educação básica com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96: “o artigo 62 da LDB é muito claro a respeito das instituições formadoras de docentes, em nível superior, para atuar na educação básica. Somente haverá dois caminhos para essa formação: a) aquela oferecida pelas universidades e b) aquela a ser ministrada em institutos superiores de educação” (AZANHA, 2006, p.70).

A participação restrita das mulheres nos cursos do ensino superior condicionou também sua presença na produção de conhecimento. Segundo a já mencionada Cynthia Pereira de Sousa, em observação a levantamento realizado acerca de investigações sobre a produção científica das pesquisadoras, ainda nos anos de 1970 era muito pequena a contribuição das mulheres no desenvolvimento científico brasileiro e elas eram minoria em praticamente todas as áreas da ciência. Na década de 1980, elas representavam cerca de um terço da produção científica do país: “para situar melhor sua participação em cada área do conhecimento, seja como pesquisadoras, seja como consultoras, seja como bolsistas foram estabelecidas três grandes categorias: presença incipiente (Ciências Exatas e da Terra; Engenharias e Ciências Agrárias); presença intermediária (Ciências Sociais e da Saúde) e presença efetiva (Ciências Humanas, Biológicas, Linguística, Letras e Artes)” (2008, p. 161). A maior participação das mulheres na realização da pesquisa aparece condicionada à sua inserção no campo universitário, tendo, tal qual os anos de 1930 e 1940, os cursos das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras como porta de entrada. Com relação às dificuldades enfrentadas pelas mulheres ao ingressarem no ensino superior e prosseguirem na carreira universitária, Sousa aponta que “questões como o processo de sua formação e socialização para papéis sexuais (o que ocorre desde a entrada na escola primária), escolhas profissionais, necessidade de reconhecimento e prestígio, fraca participação em postos mais elevados na hierarquia acadêmica, conciliação da vida profissional com a vida familiar” (op. cit., p. 170), entre outras, às têm colocado em situação desigual se comparadas a seus colegas homens. Ao final do século XX, as mulheres conquistaram mais espaço no ensino superior, tanto como alunas nos cursos de graduação e pós-graduação, quanto como professoras e pesquisadoras. Cabe ressaltar, no caso da Universidade de São Paulo, que em 2006 foi eleita, e escolhida pelo governador do estado de São Paulo, como Reitora, Suely Vilela, da área de Ciências Farmacêuticas, a primeira mulher a ocupar esse cargo em uma universidade pública no Brasil.

Palavras-chave: Mulheres, Ensino Superior, Formação de professores

Referências:

AZANHA, J. M. P. A formação do professor e outros escritos. São Paulo: Editora Senac, 2006.

FÉTIZON, B. A. M. Subsídios para o estudo da Universidade de São Paulo (tese de doutorado), Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986.

CARDOSO, I. A. R. A universidade da comunhão paulista: o projeto de criação da Universidade de São Paulo São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1982.

SILVA, K. N. “Dissertações, Provas e Exames. Um estudo das práticas de avaliação das aprendizagens no curso de pedagogia da USP, Brasil”. Revista Iberoamericana de Educación, v. 70, p. 117-128, 2016.

SOUSA, C. P. “Gênero e Universidade no Brasil: acesso ao ensino superior e condição feminina no meio universitário”. In: Consuelo Flecha García; Alicia Itatí Palermo. (Org.). Mujeres y Universidad en España y America Latina. Buenos Aires / Madrid: Miño y Dávila Editores, 2008, v. 1, p. 153-171.

 

Autoria: Katiene Nogueira da Silva