Psicologia Educacional

Psicologia Educacional no cenário brasileiro

No final do século XIX, a psicologia estava se constituindo enquanto campo, antes disso estava fortemente vinculada à filosofia. De fato, a psicologia era tipicamente ensinada em departamentos de filosofia. Mas na segunda metade do XIX começou a ganhar novos contornos, principalmente em face dos estudos experimentais, a criação de laboratórios, e o recurso aos dados estatísticos, em busca do status de ciência.

A psicologia de bases experimentais começou a se desenvolver na segunda metade do século XIX, devendo a duas figuras em especial grandes contribuições: Wilhem Wundt, em Leipzig e William James, nos EUA. Na virada do XIX para o XX os EUA assumiram posição de destaque nos estudos do campo emergente. Na constituição da psicologia experimental se encontram tendências científicas e filosóficas. O pensamento quantitativo ganhou espaço na psicologia, tomando impulso com a estatística. As pesquisas eram realizadas em universidades e avançaram com a criação de laboratórios (Wertheimer, 1977).

Também no final do século XIX, mas principalmente no início do XX, a educação passou a dialogar cada vez mais com outras ciências. Havia uma preocupação crescente em se atribuir ao saber pedagógico o estatuto de científico. Era uma tendência de ordem internacional, fortemente associada ao movimento da Educação Nova, e que também ganhou defensores no Brasil, em que se buscava legitimar o discurso educacional com base na ciência, uma pedagogia com bases experimentais, que alguns convencionaram chamar de pedagogia científica. Alguns dos reflexos dessas ideias se materializaram no recurso cada vez mais frequente aos testes e medidas no interior da escola, com base nos quais se buscava quantificar, interpretar e intervir no ambiente. A psicologia educacional foi um dos desdobramentos dessas novas ideias que começaram a tomar forma no final do XIX e alguns creditam a Edward Lee Thorndike a criação da disciplina (Rabelo, 2016).

No Brasil houve várias iniciativas no sentido de atribuir o estatuto científico à educação por meio da condução de estudos e sistematização de resultados vinculados a laboratórios. A criação de laboratórios e a realização de estudos por meio de testes e medidas no Brasil, que são marcantes nos anos 1920 e 1930, são os desdobramentos em grande medida do intercâmbio intelectual com outros países, como França, Bélgica, Alemanha e EUA. Os educadores brasileiros tinham a preocupação de se manter sempre atualizados com a bibliografia internacional mais moderna que houvesse. Também eram comuns as viagens de estudo, tendo como alguns destinos privilegiados instituições nos EUA, como o Teachers College, na Columbia University, e na Europa, como o Instituto Jean-Jacques Rousseau, na Suíça (Rabelo, 2016).

As publicações de autores internacionais chegavam ao Brasil em suas edições originais ou traduções. Segundo Vidal (2000), os educadores buscavam “tornar a bibliografia internacional acessível ao magistério público brasileiro, por meio da tradução e publicação no Brasil de várias obras” e que faziam uso “dessa literatura estrangeira para respaldar sua ação educativa no território nacional” (p. 513). Quanto às publicações sobre psicologia aplicada à educação, apesar da crescente presença de bibliografia anglófona, com autores tais como Arthur I. Gates e Edward Lee Thorndike sendo publicados por editoras brasileiras, autores francófonos também se faziam fortemente presentes entres as referências adotadas pelos educadores brasileiros, com traduções de obras de Adolphe Ferrière, Henri Piéron e Édouard Claparède.

Dentre os nomes vinculados aos estudos em psicologia aplicada à educação no Brasil nas primeiras décadas do século XX, podemos citar Isaias Alves, cujos primeiros estudos sobre testes foram desenvolvidos quando era professor na Bahia. Nos anos 1930, foi chefe do Serviço de Testes e Escalas do Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Isaias fez mestrado em Psicologia educacional no Teachers College, Columbia University, entre 1930 e 1931 (Rabelo, 2017). Outro nome de destaque foi Helena Antipoff, psicóloga e educadora russa, que estudou no Instituto Jean-Jacques Rousseau. Radicou-se no Brasil a partir de 1929, quando passou a dirigir o laboratório de psicologia da Escola de Aperfeiçoamento em Belo Horizonte, a convite do governo de Minas Gerais. Antipoff foi pupila de Claparède, o qual visitou o Brasil, passando por Belo Horizonte, em 1930 (Campos, 2010).

A ida de Antipoff a Belo Horizonte fez parte de uma série de medidas para implementar a reforma educacional empreendidas pelo governo de Minas Gerais, dentre elas a contratação de educadores estrangeiros. Em 1929, chegou a Minas Gerais uma comissão que ficou conhecida como Missão Europeia, composta por Theodore Simon, Leon Walter, Artus Perrelet e Omer Buyse. Helena Antipoff chegou depois, substituindo Leon Walter (Araújo, 2010; Fonseca, 2010).

No caso de São Paulo, Carvalho (2006) destaca a instalação do Laboratório de Pedagogia Experimental, no Gabinete de Psicologia e Antropologia Pedagógica, anexo à Escola Normal de São Paulo, em 1914. Nos anos 1920, Lourenço Filho criou o Serviço de Psicologia Aplicada na mesma instituição. Então professor da cadeira de Psicologia e Pedagogia, Lourenço Filho buscava imprimir um caráter experimental aos estudos pedagógicos. Segundo Golombek (2016), a retomada das atividades do antigo Laboratório, empreendida por Lourenço, foi associada com uma série de conferências proferidas por Henri Pierón por ocasião de sua vinda ao Brasil. É importante salientar que Noemy Rudolfer foi uma colaboradora importante para Lourenço Filho, atuando como professora assistente da cadeira de Psicologia e Pedagogia e assumindo o Serviço de Psicologia Aplicada no início dos anos 1930 a pedido de Lourenço Filho, que então ocupava a Diretoria Geral de Ensino (Cf. verbete sobre Noemy Rudolfer). Tanto Lourenço Filho quanto Noemy Rudolfer mantinham contato com educadores dos EUA e da Europa, o que resultou em traduções, o que resultou em várias traduções, algumas delas pela coleção que Lourenço coordenava na editora Melhoramentos.

Pensar a psicologia e, especificamente, a psicologia educacional no Brasil é explorar novos espaços nos quais as mulheres começaram a atuar. É interessante notar o papel de protagonismo que mulheres passaram a ocupar em laboratórios em diferentes regiões do Brasil, como Noemy Rudolfer, em São Paulo e Helena Antipoff, em Minas Gerais. Se começássemos a explorar as fontes que remetem às pesquisas no campo da psicologia aplicada à educação certamente outros nomes viriam à tona, demonstrando o apagamento das mulheres na história. Apenas para citar o estado de São Paulo, nomes como Olga Strehlneek e Betti Katzenstein ainda são pouco investigados. No caso de Olga, foi professora assistente de Noemy Rudolfer no Instituto de Educação e a acompanhou à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na Universidade de São Paulo, também como assistente da cadeira de Psicologia educacional. Entre os anos 1939 e 1940 fez mestrado em Psicologia Educacional no Teachers College, Columbia University (Rabelo, 2016). Já Betti Kazenstein esteve à frente da Seção de Psicologia Infantil da Cruzada Pró-Infância e foi um dos nomes contemplados no projeto História e Memória da Psicologia em São Paulo, vinculado ao Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.

Como a disciplina de Psicologia Educacional e os laboratórios passam a ser palco para a atuação de mulheres em diferentes regiões no Brasil na primeira metade do século XX é um tema de grande relevância e que apresenta muitas possibilidades de investigação.

Bibliografia:

Araújo, R. M. M. (2010). Benedicta Valladares Ribeiro (1905-1989): formação e atuação. 221 f. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Campos, R. H. F. (2010). Helena Antipoff. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana.

Fonseca, N. M. L. (2010). Alda Lodi, entre Belo Horizonte e Nova Iorque: um estudo sobre formação e atuação docentes 1912-1932. 159 f. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.

Golombek, P. (2016). Caetano de Campos: a escola que mudou o Brasil. São Paulo: EDUSP.

Rabelo, R. S. (2016). Destinos e trajetos: Edward Lee Thorndike e John Dewey na formação matemática do professor primário no Brasil (1920-1960). 285 p. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. Acesso em 27 fev. 2017. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-15082016-154137/pt-br.php

Rabelo, R. S. (2017). Isaias Alves e as aproximações entre a psicologia educacional e a educação matemática. Educ. Pesqui.,  São Paulo. Acesso em: 31 jan. 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022017005008105&lng=en&nrm=iso

Vidal, D. G. (2000). Escola nova e processo educativo. In: Lopes, E. M. T.; Filho, L. M. F.; Veiga, C. G. 500 anos de educação no Brasil. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica.

Wertheimer, M. (1977). Pequena história da psicologia. 3 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional.

 

Palavras-chave: Psicologia educacional; Formação de professores; Educação Nova; Pedagogia científica.

Autoria: Rafaela Silva Rabelo