San Juan (Puerto Rico), 1898 – 1980
Por Ángel G. Quintero Rivera
Luis Muñoz Marín foi, sem dúvida, o político porto-riquenho mais importante do século XX. Seu pai, Luis Muñoz Rivera, foi também a figura política mais influente de sua época: pai do autonomismo “possibilista”, atuou como ministro da Justiça e Anistia durante o governo autonomista no fim do colonialismo espanhol e, posteriormente, como senador e comissionado residente em Washington pelo Partido União, de Porto Rico. Sua mãe, Amalia Marín, era filha de Ramón Marín, filho ilegítimo de um grande fazendeiro de Arecibo e de uma negra escrava. Ramón Marín camuflou em Ponce suas origens e se converteu em um dos mais respeitados jornalistas das classes proprietárias. Foi dono do jornal de Ponce O Cronista, que logo seria dirigido por seu genro, Luis Muñoz Rivera, com o nome de A Democracia. Além disso, Muñoz Rivera fundou, em princípios do século XX, o Puerto Rico Herald, em Nova York.
Muñoz Marín cursou sua educação fundamental e média em Porto Rico e nos Estados Unidos, devido às contínuas viagens políticas de seu pai, convertendo-se em um dos primeiros porto-riquenhos absolutamente biculturais e bilíngues. Em 1916, abandonou os estudos de direito na Universidade de Georgetown, após a morte do pai, o que o obrigou a regressar ao seu país. Nos anos seguintes, atravessou uma etapa boêmia de escritor e jornalista, escrevendo poesias, contos e artigos em várias publicações porto-riquenhas e norte-americanas. Confraternizou com os principais escritores e artistas, entre eles, Luis Palés Matos. Nesses círculos literários, conheceu a poetisa norte-americana Muna Lee, com quem se casou em 1919 e teve dois filhos.
Em princípios de 1920, militou no Partido Socialista, porém o crescente anexionismo deste levou-o a retornar à tradição partidária do pai. Em 1932, foi eleito senador pelo Partido Liberal e tomou a direção do jornal A Democracia. Nos anos 1930, desenvolveu uma relação muito próxima com os partidários norte-americanos do New Deal e, graças a essas influências, agilizou-se, nessa década, a implantação de programas reformistas na ilha.
Contrário ao projeto do senador Tydings, do Congresso dos Estados Unidos, que propunha a independência para Porto Rico dentro de condições econômicas que considerava insustentáveis, Muñoz Marín avalizou a abstenção eleitoral em 1936. Foi expulso do Partido Liberal e imediatamente fundou a Ação Social Independentista, que se transformou no Partido Liberal Limpo, Autêntico e Completo. Por razões jurídicas, o partido teve de abandonar esse nome, sendo rebatizado como Partido Popular Democrático (PPD). Em 1937, fundou também a Associação Porto-Riquenha Pró-Liberdades Civis. Ali conheceu a professora Inés Mendoza, que havia militado no Partido Nacionalista e lançado uma intensa campanha pela defesa do espanhol como idioma de ensino (entre 1898 e 1935, o idioma oficial das escolas de Porto Rico era o inglês). Muñoz Marín começou a conviver maritalmente com ela, desafiando a moral convencional. Depois de se divorciar de sua esposa norte-americana, teve com Inés duas filhas. Uma delas, Victoria Muñoz Mendoza, foi a primeira mulher a se candidatar ao governo porto-riquenho, em 1992.
Em 1938, Muñoz Marín começou uma árdua campanha política na zona rural, acompanhado por Inés Mendoza. Por essa época, transformou o discurso político: da retórica florida a um estilo didático, de orações curtas e metáforas populares, que transparecem em sua publicação O catecismo do povo. Em um claro exemplo da abordagem “possibilista”, recomendava aos camponeses aceitar o dinheiro com o qual os “caciques” locais e os grandes interesses lhes ofereciam comprar seu voto, mas sendo este secreto, nas urnas deveriam votar pela vergonha contra o dinheiro. Por outro lado, obrigou todos os candidatos do PPD a jurar solenemente, perante o povo, que defenderiam as medidas que propunha seu programa de justiça social.
Em 1940, o PPD obteve uma apertada vitória eleitoral, levando Muñoz Marín à presidência do Senado. Com o apoio do recém-nomeado governador Rexford G. Tugwell, próximo ao New Deal, o PPD conseguiu implantar seu programa de reformas. Sua primeira lei, enfrentando a Igreja Católica e os antigos costumes sociais, eliminava a categoria de “filhos ilegítimos”, garantindo aos filhos fora do matrimônio todos os direitos legais. O programa populista apontava, sobretudo, contra os grandes interesses açucareiros e o capitalismo agrícola: reforma agrária que incluía a distribuição de lotes para erradicar a dependência dos agregados aos grandes proprietários; Lei das 500 cordas, que impedia as corporações de possuir mais de 200 hectares; declaração da economia açucareira como indústria de interesse estatal sujeita a salários mínimos determinados pelo governo; nacionalização de algumas plantações e centrais; e promoção de cooperativas ou sítios de benefício proporcional. O programa impulsionava, também, o estabelecimento de indústrias estatais dentro de um planejamento modernizador de substituição de importações: fábricas de sapatos, garrafas, cimento e papel. Sob a liderança carismática de Muñoz Marín, o PPD conseguiu um avassalador triunfo eleitoral em 1944 e, assim, consecutivamente até 1968, quando Luis A. Ferré Aguayo ganhou o governo, com o então recém-criado Partido Novo Progressista (PNP).
Terminada a Segunda Guerra Mundial e com a disponibilidade (e necessidade) de exportação de capitais da economia norte-americana, o PPD substituiu seu programa modernizador baseado no estabelecimento de empresas estatais pela Lei de Incentivos Industriais (1947) que iniciou a “industrialização por convite”. Na mesma ocasião, Muñoz Marín levou o PPD a abandonar sua aspiração de independência para Porto Rico em prol de uma negociação possibilista com Washington direcionada a maiores poderes autonomistas. O processo resultou, também em 1947, na promulgação da Lei de Governador Eletivo e culminou com o estabelecimento do Estado Livre Associado (ELA), em 1952. Nas eleições de 1948, Muñoz Marín tornou-se o primeiro governador eleito pelos porto-riquenhos, cargo que revalidou eleitoralmente nas três eleições seguintes (1952, 1956 e 1960). Em 1964, recusou-se a seguir para um quinto mandato. Dirigiu a campanha para a defesa do ELA em um plebiscito (1967), e obteve 60% dos votos.
Durante todo o seu mandato como governador, promoveu na América Latina o reformismo democrático em amizade com os Estados Unidos, distinguindo-se em seu apoio às lutas contra os governos ditatoriais. Nos anos 70, dedicou-se a escrever suas memórias, publicadas postumamente. Morreu em 1980. Seu enterro foi o mais concorrido já visto no país.