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Santos, Milton

Brotas de Macaúbas, 1926 – São Paulo (Brasil), 2001

Por Carlos Walter Porto-Gonçalves

Filho de professores de escola primária, Milton Santos formou-se em direito em 1948, profissão que nunca exerceu. Em vez disso, dedicou-se à pesquisa em geografia e, também, ao jornalismo e à política. Em 1958, obteve o título de doutor em geografia na Universidade de Estrasburgo (França). Lecionou na Universidade Católica da Bahia e na Universidade Federal da Bahia, mas foi sua brilhante passagem pelo jornalismo que o levou a receber um convite para acompanhar a missão do então presidente Jânio Quadros a Cuba, fato que marcaria sua vida. Em 1963, foi eleito presidente da Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB). Em 1964, foi preso pela ditadura e, após essa circunstância, viajou para o exterior para escapar da perseguição política.

Na França, foi professor nas universidades de Toulouse (1967-1968) e Paris (1968-1971). Lecionou na Universidade de Toronto (1972-1973) e, nos Estados Unidos, nas universidades de Columbia, Nova Iorque (1976-1977) e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Também trabalhou como professor na Tanzânia, na Universidade de Dar-es-Salam (1974) e, na América Latina, ensinou na Universidade Politécnica de Lima, Peru, e na Universidade Central de Caracas (UCV), Venezuela (1975-1976).

Após seu retorno ao Brasil, trabalhou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Universidade de São Paulo (USP), de 1978 a 1982, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e, de 1983 a 1996, no Departamento de Geografia para, finalmente, retornar à Universidade Federal da Bahia em 1996. Também esteve no Japão como professor convidado. Sua vasta obra, com centenas de artigos e livros publicados, e suas qualidades intelectuais, como a rejeição a qualquer dogmatismo, lhe valeram o reconhecimento internacional. As universidades de Toulouse (1980), de Buenos Aires (1992) e de Barcelona (1996) – para mencionar apenas algumas que estão localizadas fora do Brasil – concederam-lhe o título de doutor honoris causa. Em 1994, foi reconhecido com o Prêmio Vautrin Lud, considerado o Nobel da geografia e concedido pela primeira vez a um intelectual cuja língua materna não era o inglês.

Formação espacial

Nos textos de Milton Santos entrelaçam-se três dimensões: teórico-metodológica, empírica e ético-política. Obras como Por uma Geografia nova (1978), Espaço e método (1985) e A natureza do espaço – Técnica e tempo / razão e emoção (1996), entre outras, têm um caráter mais teórico-metodológico. A dimensão empírica predomina em A cidade nos países subdesenvolvidos (1965), O espaço dividido (1979) e O Brasil: território e sociedade no início de século XXI (2001). Entre as obras de caráter mais ético-político, destacam-se O trabalho do geógrafo no Terceiro Mundo (1970), Pensando o espaço do homem (1982), O espaço do cidadão (1987), Por uma outra globalização – Do pensamento único à consciência universal (2000) e O papel ativo da Geografia: um manifesto (2000).

Nota-se que, às vezes, o autor dá o título de manifesto a importantes obras teóricas. Tal é o caso, entre outras, de Por uma Geografia nova e, explicitamente, de O papel ativo da Geografia: um manifesto.

Em seus textos, Milton Santos ofereceu uma contribuição decisiva que ajudou a colocar o espaço geográfico no centro do debate acerca dos dilemas da sociedade contemporânea. Para o autor, a sociedade, os objetos técnicos, a informação e a comunicação envolvem cada vez mais a natureza. Dessa forma, configura-se um espaço complexo distinto do espaço econômico, do espaço social ou de qualquer outro espaço temático de algum campo de conhecimento específico.

Para Milton Santos, a ideia de sistema, no qual os elementos de uma situação dada dependem uns dos outros, remete à categoria de totalidade. Só assim – diz Santos – podemos passar do “empirismo abstrato, isto é, do valor dado às coisas em si mesmas, para alcançar uma abstração empírica, isto é, uma generalização que parta do que realmente existe e que não seja um mero produto de nossa imaginação”.

O espaço banal do cotidiano, lugar da coexistência do diverso, deve ser visto em suas conexões sistêmicas com a totalidade, para o qual Milton Santos reinventou, em sua obra Por uma Geografia nova, a categoria marxista de formação social como formação espacial ou socioespacial. O autor assume sua dívida com Marx, mas nos adverte que devemos, por nós mesmos, “reencontrar os materiais, que não são os mesmos de Marx, mas sim os que me permitem produzir ideias do que existe no denominado mundo real. E assim voltamos ou chegamos à história, base imortal do método de Marx”.

Esse mundo real do qual fala está longe do empirismo positivista na medida em que, o que existe, comporta o “vir a ser”. Isso é o que nos coloca diante do futuro, não por voluntarismo, mas pelo que está inscrito no próprio mundo como latência.

Ação transformadora

O espaço geográfico de Milton Santos é um espaço-tempo para o qual a periodização passa a ser central como fundamento teórico-metodológico. E também aqui, mais uma vez, a periodização se impõe, ao mesmo tempo, como imperativo científico e ético, na medida em que só a identificação do que é novo, do que é diferente no seio de um processo espaço-temporal, permite uma ação lúdica transformadora.

Essa firme preocupação metodológica com a periodização permitiu ao autor evitar os análises ideologizados acerca da globalização, tanto os afirmativos quanto os que pretendiam ser críticos. Onde alguns viam o fim da história e outros o mesmo velho imperialismo, Milton Santos viu um período histórico em que se apresentavam novas situações. É que, apesar de sua preocupação com as questões nacionais da desigualdade social e do subdesenvolvimento, jamais se deixou levar pelo discurso nacionalista ideologizante e superficial. O desdobramento da formação social espacial vinculada à questão nacional para o meio técnico-científico-informacional e para os sistemas de objetos e de ações deve-se à sua permanente atenção às transformações que atravessam nosso mundo. A formação socioespacial do capitalismo contemporâneo, como meio técnico-científico-informacional, desloca o lugar do Estado-Nação na nova configuração geográfica e política. A política adquire um novo significado no mundo e na obra de Milton Santos. Daí a necessidade de operar uma distinção entre a escala de realização das ações e a escala da direção das mesmas. Essa distinção se torna fundamental no mundo de hoje: muitas ações que são exercidas em determinado lugar são o produto de necessidades alheias, de funções cuja geração é distante e das quais apenas a resposta se localiza naquele ponto preciso. São as verticalidades que entram em tensão contraditória com o espaço banal no qual se encontra a coabitação do diverso, das horizontalidades, da “força do lugar” e dos do lugar.

Na caracterização do período atual, o autor surpreende aqueles que são tentados a ver simplesmente a dominação do imperialismo em sua nova fase. Ali onde a verticalidade (o poder dos “de cima”, dos “de fora”) tenta ter o comando por meio de uma racionalidade instrumental, que se quer cada vez mais veloz, há uma horizontalidade na qual se desenvolve uma contrarracionalidade, mesmo pelo tempo lento dos que residem, e não apenas passam, ou por aqueles a quem apenas interessa uma única dimensão, a econômica ou, melhor dizendo, os lucros. Os lugares são espaços da multidimensionalidade da vida, nos quais a convivência do diverso instiga a cada um; são o abrigo que conforma as subjetividades de cada um.

Aqui as contradições do mundo se apresentam com novas qualidades e os lugares adquirem toda sua força, como se pode ver em acontecimentos como o 11 de setembro de 2001 ou a crise argentina de dezembro de 2001. As imagens de aviões colidindo contra edifícios ou da multidão batendo panelas e bloqueando avenidas mostram toda a tensão entre as verticalidades e as horizontalidades, entre, de um lado, os que agem à distância, manipulando informações e, do outro, as pessoas comuns, os movimentos sociais e os pobres.

A identidade de Milton Santos com os problemas de seu tempo, principalmente sua solidariedade com os que sofrem os efeitos do que ele chamou de “processo globalitário perverso”, foi tal que o título de um de seus últimos livros (Por uma outra globalização), publicado antes do Fórum Social Mundial de Porto Alegre no ano 2000, não poderia estar mais próximo dessas forças vivas que buscam justiça social, decisão soberana, defesa do meio ambiente e o direito de ser diferente, com radicalidade democrática.

Nesse mesmo ano, apesar de se encontrar debilitado por uma doença, não quis deixar de assistir ao XII Encontro Nacional de Geógrafos, realizado em julho em Florianópolis. Ali teve uma participação ativa nas reuniões da AGB, entidade que o havia projetado para todo o Brasil e o mundo. Faleceu antes de que se cumprisse um ano do evento.

Conteúdo atualizado em 19/05/2017 18:38