Cidade do México (México), 1912 – 2004
Por Verónica R. López Nájera
Leopoldo Zea nasceu em 1912, no auge da Revolução Mexicana. Sua infância e adolescência se passaram em meio aos combates no país e à consolidação e institucionalização do projeto revolucionário. Ele começou a trabalhar desde muito jovem e ganhou uma bolsa para cursar seus estudos primários. Em 1933, conseguiu um emprego nos Telégrafos Nacionais. Trabalhando à noite, estudava filosofia e direito durante o dia na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
Seu período de formação acadêmica coincidiu com a chegada dos exilados da Guerra Civil Espanhola. Em 1939, em uma aula do filósofo espanhol José Gaos, apresentou um trabalho que chamou a atenção do professor. Gaos lhe ofereceu uma bolsa em nome da Casa de Espanha no México (mais tarde, o prestigiado Colégio do México), com a condição de que abandonasse o curso de direito e se dedicasse exclusivamente à filosofia. Zea aceitou a proposta imediatamente.
Em 1942, iniciou um dos períodos mais produtivos e intensos de sua vida acadêmica e pessoal. Nesse mesmo ano, publicou “Acerca de una filosofía americana”, obra na qual já se encontra o germe de sua visão filosófica, histórica e ibero-americana. Em 1943, obteve o título de professor de Filosofia na UNAM com sua tese “O positivismo no México”, que foi publicada pelo Colégio do México no mesmo ano. Sua tese de doutorado – orientada por José Gaos, apresentada em 1944 e publicada em seguida – compõe a segunda parte de sua obra de interpretação da cultura mexicana: “Apogeu e decadência do positivismo no México”. Nesse mesmo ano, assumiu a cátedra de Filosofia da História na Faculdade de Filosofia e Letras.
Com uma bolsa da Fundação Rockefeller, entre 1945 e 1946, Zea passou seis meses nos Estados Unidos e um ano percorrendo a América Latina. Durante essa viagem, entrou em contato com intelectuais latino-americanos, com quem estabeleceu uma relação de diálogo constante. Assim surgiu uma geração de pensadores preocupados com a identidade americana: Arturo Ardao, do Uruguai; João Cruz Costa e Darcy Ribeiro, do Brasil; Francisco Miró Quesada, do Peru; José Luis Romero, da Argentina; Guillermo Francovich, da Bolívia; Ernesto Mays Ballenilla, da Venezuela; José Antonio Portuondo e Roberto Fernández Retamar, de Cuba, entre muitos outros.
A América real
O intercâmbio dessa geração resultou em histórias nacionais do pensamento – publicadas pela Editorial Losada e pelo Fundo de Cultura Econômica – e também em um debate sobre a existência ou não de uma cultura ibero-americana e da possibilidade de uma filosofia ibero-americana. O reconhecimento de uma identidade americana gerou um novo debate, na década de 1960, sobre a existência de uma filosofia latino-americana.
“Acerca de una filosofía americana” surgiu em um momento de crise da cultura europeia, no contexto da Segunda Guerra Mundial. Nesta obra, Zea discute a essência do ser americano, presente, em sua opinião, tanto nas raízes da cultura ocidental quanto nas raízes indo-americanas. Naquela época, ele argumentava que a América europeia mantinha a América real oculta, e que era necessário confrontar a primeira para poder assimilá-la e superá-la. Apenas pelo caminho da desconstrução do Ocidente – e, portanto, daquela América que a Europa construiu no imaginário – poderia se afirmar a realidade americana, ignorada desde a conquista.
Para Zea, esse reconhecimento era fundamental, pois nos permitiria assumir nosso ser ibero-americano, não mais vivido como uma desgraça por não ser europeu, e sim como uma igualdade na diferença. O contato com diversas manifestações culturais durante sua viagem pela América Latina mostrou-lhe semelhanças e constâncias que lhe permitiram estabelecer suas ideias sobre uma consciência americana. “Duas etapas do pensamento hispano-americano” (1949) e “América com consciência” (1953) são obras que continuam a ideia de uma consciência americana sem remorsos ou sentimentos de inferioridade em relação ao Ocidente. Ao mesmo tempo, amadureceu sua concepção de filosofia da história, centrada nas circunstâncias que envolvem o homem. A filosofia só pode ser produto de um ser, um ente social que vive em um contexto particular. O homem americano, ao pretender ser europeu, não encontra a verdadeira expressão de seu ser ibero-americano, pois viveu um estranhamento de suas próprias circunstâncias.
Filosofia da libertação latino-americana
Seu segundo período de grande importância para a filosofia latino-americana ocorreu entre as décadas de 1960 e 1970, no contexto das lutas de libertação nacional do Terceiro Mundo e das teorias do subdesenvolvimento e da dependência. Zea defendia uma filosofia da libertação como caminho para a emancipação de nossos povos. Isso só seria alcançado reconhecendo a diferença da América ibérica em relação à Europa e às outras culturas do mundo.
Nesse período, Zea ocupou vários cargos públicos. Em 1960, foi nomeado diretor-geral de Relações Culturais da Secretaria de Relações Exteriores do México. Em 1961, envolveu-se na aproximação com as nações africanas recém-libertadas. Em 1965, publicou “O pensamento latino-americano”. No ano seguinte, assumiu a direção da Faculdade de Filosofia e Letras da UNAM. Nesse contexto, promoveu a criação do Colégio de Estudos Latino-americanos e, entre 1968 e 1969, debateu com Salazar Bondy sobre a existência de uma filosofia latino-americana em sua obra “A filosofia americana como filosofia e nada mais”. Entre 1982 e 1995, dirigiu o Centro Coordenador e Difusor de Estudos Latino-americanos. Também coordenou a Federação Internacional de Estudos sobre a América Latina e o Caribe (FIEALC) e a Sociedade Latino-americana de Estudos sobre a América Latina e o Caribe (SOLAR). Em 1986, dirigiu a revista “Cuadernos Americanos”.
O terceiro período de seu pensamento filosófico, mais próximo da abordagem antropológica e da perspectiva multicultural, concentrou-se na defesa da igualdade na diferença (“Discurso sobre a exclusão e a barbárie”, 1988) e na manifestação de um pensamento segundo o qual os temas do século XXI estariam focados na globalização das problemáticas humanas.
Nessa fase, o filósofo mexicano recebeu condecorações de vários governos e títulos de doutor honoris causa de universidades ao redor do mundo, desde a Rússia até o Uruguai. O governo de seu país também lhe entregou a medalha Belisário Domínguez por sua preocupação intelectual com relação a “dois” problemas da época: a questão indígena e a defesa da UNAM.
Humanista no sentido amplo do termo, Leopoldo Zea desenvolveu uma luta contra a dependência teórica e buscou consolidar um pensamento ibero-americano e latino-americano, como instrumento para a transformação da realidade e veículo para a libertação de nossos povos.
Conteúdo atualizado em 19/05/2017 18:38