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Uruguai

Gerardo Caetano Hargain (texto original da versão impressa)

Mônica Rodrigues (texto de atualização do verbete, 2006-2015)

Nome oficial República Oriental del Uruguay
Localização América do Sul, em sua porção sul. Banhado pelo oceano Atlântico ao sul, faz fronteira ao norte com o Brasil e a oeste com a Argentina
Estado e Governo¹ República presidencialista
Idioma¹ Espanhol (oficial)
Moeda¹ Peso uruguaio
Capital¹ Montevidéu
(1,6 milhão hab. em 2014)
Superfície¹ 176.215 km²
População² 3.371.982 hab. (2010)
Densidade demográfica² 20 hab./km² (2010)
Distribuição
da população³
Urbana (94,41%) e 
rural (5,59%) (2010)
Analfabetismo⁴ 1,6% (2013)
Composição étnica¹ Brancos (88%), mestiços (8%), negros (4%), ameríndios (praticamente inexistentes)
Religiões¹ Católica romana (47,1%), cristãs não-católicas (11,1%), não-denominacional (23,2%), judaica (0,3%), ateus e agnósticos (17,2%), outras (1,1%) (2006)
PIB (a preços constantes
de 2010)⁴
US$ 45,17 bilhões (2013)
PIB per capita (a preços constantes de 2010)⁴ US$ 13.260,4 (2013)
Dívida externa⁴ US$ 22,86 bilhões (2013)
IDH⁵ 0,790 (2013)
IDH no mundo
e na AL⁵
50° e 4°
Eleições¹ Presidente eleito por sufrágio universal para um mandato de 5 anos, sem direito à reeleição consecutiva. Legislativo bicameral composto da Câmara de Representantes com 99 membros e do Senado com 31 membros, eleitos com sufrágio universal para um mandato de 5 anos.
Fontes:
¹ CIA. World Factbook
² ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Database
³ ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision
⁴  CEPALSTAT
⁵  ONU/PNUD. Human Development, 2014

Pode-se dizer que o Uruguai tem sido um país obcecado pelo afora do mundo e da região. Levando-se em conta os caminhos de sua história social, considerando-se a evolução de sua configuração demográfica, o processo de construção de sua cultura, as modalidades coletivas de encarar a política ou de incorporar-se aos debates internacionais, sua própria origem como Estado e sua trajetória posterior, dificilmente se poderia contradizer essa percepção. O afora tem sido, para os uruguaios, uma “imagem constitutiva” e um “olhar constituinte”. O mundo (com base em uma concepção muito eurocêntrica) e a região, com efeito, representaram uma vez ou outra referência de comparação, mas também foram concebidos e percebidos coletivamente como um lugar de onde se “olha” o país e, por conseguinte, de onde este é “constituído”.

Desde o período da última colônia até os combates de José Artigas e seus seguidores na revolução pela independência, o território uruguaio também viveu uma forte tensão entre o dilema da autonomia ou da integração regional. Essa dialética, que se poderia qualificar como constituinte da experiência coletiva dos uruguaios, projetou e projeta vários dilemas e discussões. Um deles tem a ver com os destinos e as orientações prioritários do impulso integrador: a opção entre a associação privilegiada com os vizinhos da região ou o vínculo preferido com as nações mais desenvolvidas; a fronteira continental ou a fronteira transatlântica. Nesse sentido, mais de uma vez na história uruguaia se propôs a palavra de ordem de “entrar no mundo saltando os vizinhos”.

Outro ponto de partida para repensar o tema do Uruguai e sua localização peculiar entre seus vizinhos gigantes tem a ver com a aceitação plena da condição de país fronteira. A fronteira é, por definição, um terreno de ambiguidades, uma zona de intercâmbio múltiplo e complexo. Um país fronteira tem, além disso, que se perceber como tal, com tudo o que isso implica. Na história, o Uruguai também assumiu reiteradamente essa noção, quando repensou uma dialética pendular na relação com seus vizinhos ou quando organizou sua política exterior com base no código configurador de constituir fator de equilíbrio regional, especialmente, assumindo um jogo tácito de “árbitro ou intermediário informal” entre Argentina Brasil.

A pequenez e a consequente insuficiência da variável do mercado interno reforçam outra premissa para pensar sobre o problema da integração econômica e comercial com a região: o Uruguai é impelido a voltar sua economia para uma orientação exportadora e depende cada vez mais profundamente de sua inserção competitiva nos mercados regionais e mundiais. Na mesma perspectiva, a vocação integradora do Uruguai não pode articular-se com uma filosofia integracionista que conceba, por exemplo, o bloco do Mercosul como uma “zona ampliada de substituição de importações”, mas deve, ao contrário, assumir uma filosofia de regionalismo aberto, concebida como instrumento para disputar mais e melhor outros mercados com seus vizinhos da região.

Na consideração da evolução demográfica, encontram-se também impulsos integradores. A uruguaia foi em grande medida uma sociedade aluvial, que se foi conformando à medida que chegava o estrangeiro, o grande fator definidor da evolução social do país durante o século XIX e parte do século XX. No entanto, há muitas décadas, e com especial relevância as mais recentes, o Uruguai constituiu-se também em um país de emigração, com o surgimento de uma “diáspora” muito importante em termos quantitativos e qualitativos.

Centro e cidade velha de Montevidéu, capital do Uruguai, visto da torre de Antel (Jaan-Cornelius K./Creative Commons)

 

A integração ao mercado mundial

Os uruguaios recriaram com frequência o mito de uma ascendência exclusivamente tributária “dos homens que desceram dos barcos”, destacando sua condição de “filhos da imigração europeia” (basicamente espanhola e italiana) e desvalorizando e menosprezando outras origens imigratórias, assim como outras fontes raciais e culturais, como a do negro e do índio. Sem multiculturalismos forçados, a pretensão de uma homogeneidade europeizante e o cultivo de um alheamento resistente a respeito dos países vizinhos da região e do continente parecem ter estado presentes nas raízes desse emblema cultural simbolizado na metáfora – certamente durante muito tempo rica de significado – do Uruguai como a “Suíça americana”.

Essa visão do “Uruguai ensimesmado”, autárquico, educado na “diferença” e “para andar sozinho”, antagonista dos “outros” da região, consolidou-se, no imaginário coletivo, bem antes da efetiva integração da república aos mercados mundiais. Isso ocorreu nas últimas décadas do século XIX, quando na maioria dos países latino-americanos (entre eles, o Uruguai, a partir de sua modernização agropecuária iniciada pelo chamado “ boom lanígero” da década de 1860) conjugaram-se condições externas e internas que possibilitaram os primeiros processos de modernização capitalista na região.

A primeira integração a esses mercados deu as mãos à implantação de modelos modernizadores que privilegiaram o “desenvolvimento para fora”, com desdobramentos fortemente dependentes dos centros hegemônicos, então comandados pela Inglaterra. No caso uruguaio, essa orientação aconteceu na implantação de um projeto basicamente agroexportador. A modernização capitalista inicial não parecia percorrer o mesmo caminho que a integração com a região, o que não podia deixar de ter profundas implicações.

Os uruguaios do fim do século XIX e começo do século XX viveram a grande crise financeira e econômica de 1890 (iniciada não por acaso na City londrina) como um grande desafio prospectivo. A sociedade uruguaia, em seu conjunto, assumiu essa conjuntura decisiva como um convite a repensar o país e seu futuro. Isso, entre outras coisas, passava por configurar os relatos da nação, confrontar os novos modelos de desenvolvimento a implementar-se no futuro, tramitar os processos de integração política e social, rediscutir visões de mundo e encontrar os caminhos efetivos da integração política internacional do país, uma vez mais nessa dupla pista do encontro com o mundo e com a região. Começava, para o Uruguai, um tempo de projetos, de profundos conflitos, mas também de sínteses criadoras.

 

Um imaginário para a integração social

Foi durante as primeiras décadas do século XX que a sociedade uruguaia pôde completar seu primeiro modelo de configuração nacional, culminando assim o perfil de uma tarefa iniciada várias décadas atrás. As novas gerações de 1900 e do centenário – não se remetendo aqui somente a suas elites intelectuais e políticas – foram, nesses aspectos, herdeiras diretas das ideias e tarefas de figuras fundadoras do imaginário nacionalista como Francisco Bauzá, Juan Zorrilla de San Martín, Juan Manuel Blanes ou José P. Varela, entre outros, a cujo legado puderam agregar uma pauta de integração social que estivesse em condições de “ancorar” efetivamente várias referências culturais e institucionais dos uruguaios. Inscrita em diversos contextos que impeliam a consolidação de uma visão cidadã da nação, a sociedade uruguaia ambientou, nessa nova etapa, a ação de vários produtores de imaginário coletivo, que focalizaram sua tarefa, de modo tão obsessivo quanto disputado, na integração do adentro. No plano simbólico, seus esforços puderam associar-se com a experiência histórica do primeiro batllismo – os dois mandatos presidenciais de José Batlle y Ordóñez (1903-1907 e 1911-1915) – e com as políticas públicas de índole reformista então aplicadas. Deve advertir-se todavia, em que pese essa identificação, que o processo foi tão coletivo e plural quanto conflitivo.

Desse modo pôde expandir-se a partir do Estado um modelo endointegrador de base uniformizante, sustentado em uma proposta oficial que privilegiava nitidamente a meta do “renascimento de identidades” sobre um eventual propósito de harmonizar o diferente com base no respeito às tradições preexistentes. Essa “sociedade hiperintegrada” (como a chamou Germán Rama) foi, em algum sentido, uma nova tradução da ideia do “país-modelo” da qual falara Batlle y Ordóñez, que, embora tivesse tido um êxito indubitável na formação de uma nacionalidade inclusiva que impedia grandes marginalizações socioculturais ou políticas, pagou também os custos de uma integração social demasiadamente dirigida à mediania e a certos estereótipos culturais, o que amiúde terminou ambientando de forma indireta a sanção à diferença e à inovação.

O Palácio Legislativo, sede da Câmara dos Deputados e do Senado do Uruguai, em Montevidéu (Gabboe/Wikimedia Commons)

 

Apogeu e decadência de um modelo

O “Uruguai moderno” nasceu, assim, em meio a conflitos e debates sobre as virtudes e os defeitos de distintos modelos de integração do adentro e do afora. Em 31 de março de 1933, com a tela de fundo da crise econômica internacional instalada no país, o então presidente Gabriel Terra deu um golpe de Estado e implantou uma ditadura civil, na qual, apesar das expectativas dos setores mais reacionários da coalizão política que lhe deu sustento, não puderam prosperar medidas decisivas de desarticulação do modelo reformista desenvolvido nas décadas anteriores. Por meio de outro golpe de Estado civil, dado pelo então presidente Alfredo Baldomir em 21 de fevereiro de 1942, e após um período de transição que durou cinco anos, o país retornou, em 1947-1951, a uma restauração battlista no enfoque dominante das políticas públicas, presidida por outro membro da dinastia dos Batlle, o sobrinho de Don Pepe, Luis Batlle Berres.

No entanto, a restauração tinha alcances limitados, basicamente porque encontrava um contexto internacional muito diferente no pós-guerra. O Uruguai era um país tomador de empréstimos, exportador de commodities, com uma industrialização filha, quase totalmente, de um protecionismo não seletivo. O Estado, inflado e clientelístico, encobria as debilidades de um “capitalismo de ausências”, redistribuindo as divisas provenientes de contextos externos favoráveis à exportação agropecuária. Não existiam coalizões sociopolíticas capazes de enfrentar conjunturas adversas e impulsionar transformações estruturais, e tampouco um modelo de desenvolvimento sustentável a médio prazo. Isso ficou manifesto quando, em meados dos anos 1950, o mundo aprofundou mudanças econômicas adversas aos interesses uruguaios, tornando inviável a simples reprodução do velho modelo de substituição de importações, particularmente no que se referia à sua pauta de inserção internacional.

A plena consciência dessa circunstância e dos desafios que implicava para a sociedade uruguaia constituiu – e ainda constitui – um tema polêmico. O registro dos debates a respeito e o mínimo acompanhamento das políticas implementadas por parte dos distintos governos nas últimas décadas transcendem os limites deste texto. No entanto, no que diz respeito ao tema central desta parte do relato, devem registrar-se alguns processos:

  • a transformação radical – com severas restrições e um efeito de estancamento econômico para o país – das condições tradicionais de inserção internacional, especialmente depois do primeiro choque petrolífero de 1973;

 

  • a adoção, em maior ou menor medida, por parte dos governos que se sucederam após a vitória do Partido Nacional em 1958, de pautas e políticas econômicas de perfil liberal, com um alinhamento – mais ou menos próximo segundo os casos – ao receituário clássico do FMI (o Uruguai foi sócio fundador da entidade em 1944, mas só assinou sua primeira carta de intenção com esse organismo em 1960), nos marcos de uma sociedade que não encontrava soluções após a redução do Estado, o estancamento econômico, a emergência da inflação estrutural e uma crescente polarização em busca de um excedente econômico inexistente;

 

  • o enfraquecimento institucional da clássica democracia uruguaia, com a incapacidade de seus principais atores em dar uma resposta efetiva e inovadora aos problemas da conjuntura;

 

  • o surgimento de processos inéditos em distintos níveis, em uma sociedade que, com a tela de fundo de um mundo e um continente em revolução como os dos anos 1960, parecia despertar abruptamente da velha vocação “insular”.

 

À deriva em direção ao autoritarismo

Os anos 1960, no Uruguai, reiteraram muitos processos bem conhecidos na América Latina da época. A crise econômica se traduziu na visão de ruptura de uma “industrialização sem horizontes”, de um “agro estancado” e sem mercados, de um “comércio exterior desequilibrado”, legados menos defensáveis do país reformista e de sua prosperidade frágil. A adoção de políticas ultraliberais, nas linhas do receituário do FMI, fracassou rapidamente. Atrás da evidência generalizada da crise de todo um modelo de desenvolvimento, a violência política se instalou como instrumento de luta pelo poder, após décadas nas quais os pleitos internos pareciam dirimir-se nas urnas. A polarização ideológica chegava ao Uruguai, desprovido então de seus velhos “amortizadores” (um Estado redistribuidor e “capitalista substituto”, partidos “keynesianos” que regulavam em regras clientelísticas o mercado de trabalho e os preços internos, excedentes derivados de contextos favoráveis para a exportação de produtos agropecuários etc.). A população começou a enfrentar problemas inéditos de pauperização, inflação descontrolada, publicidade de fenômenos de corrupção e políticas repressivas em face do crescente protesto social.

Não se pode dizer que nessa década e meia, que foi do triunfo do Partido Nacional em 1958 (com o consequente direcionamento liberal nas políticas públicas) ao golpe de Estado de junho de 1973, não tenha havido a busca de alternativas por parte dos atores políticos e sociais. Cabe destacar algumas das mais importantes: os vaivéns das políticas econômicas, desde enfoques liberais ortodoxos até movimentos pendulares de orientação desenvolvimentista; as mudanças no âmbito dos partidos tradicionais (direitização do Partido Colorado, particularmente após a chegada à presidência de Pacheco Areco em dezembro de 1967, e direcionamento de centro-esquerda do Partido Nacional, sob a liderança renovadora de Wilson Ferreira Aldunate); a criação, em 1963, do Movimento de Libertação Nacional (MLN) Tupamaros por Raúl Sendic, com sua proposta de guerrilha de cunho foquista; o processo de unificação sindical que culminou na criação da Convenção Nacional de Trabalhadores (CNT) e a convocação ao chamado Congresso do Povo (1965); a emergência de grupos de direita radical partidários da violência; a consolidação de correntes militaristas no seio das Forças Armadas, em luta permanente com agrupamentos constitucionalistas, liderados então pelo general Líber Seregni; e o nascimento, em 1971, da coalizão das esquerdas, Frente Ampla (FA), competitiva em relação aos dois partidos tradicionais.

O processo uruguaio sofreu uma forte radicalização a partir de 1968, quando o governo presidido por Pacheco impulsionou uma resposta repressiva diante da militarização crescente das ações do MLN e do aprofundamento dos protestos dos movimentos sindical e estudantil. Além disso, o governo realizou, no mesmo ano, um ajuste autoritário na política econômica, com a constituição do chamado “gabinete empresarial” (com altos representantes do setor privado desalojando os políticos “profissionais”) e o decreto de congelamento de preços e salários de 28 de junho de 1968. O crescimento da polarização desembocou em um aumento inusitado da violência política e social, com uma sequela de civis mortos e feridos que não ocorria desde a guerra civil de 1904. Com o pano de fundo do incremento dos conflitos, as Forças Armadas começaram a inclinar-se claramente a favor das opções golpistas, apoiadas – como no resto do continente – pelos Estados Unidos.

O Farol de José Ignacio, em Maldonado (Rodrigo Soldon/Creative Commons)

 

O golpe de Estado

As eleições de 1971, que terminaram em um grande empate político e levaram à presidência Juan María Bordaberry, um católico integrista proveniente das fileiras do ruralismo e com orientações ideológicas claramente antidemocráticas, não puderam, como outrora, elucidar as questões de fundo. Já com as primeiras ações de terrorismo de Estado em curso, com um governo débil encabeçado por um presidente desleal às instituições e com uma nova ofensiva militar impulsionada pelo MLN em 1972, que terminou nesse mesmo ano com a derrota total do movimento guerrilheiro (anunciada oficialmente em outubro pelas Forças Armadas), a via para o golpe militar apoiado por Bordaberry estava aberta. O rompimento da ordem institucional se daria finalmente no ano seguinte e em dois tempos. Em primeira instância de insubordinação militar, no dia 9 de fevereiro (na qual se aceitou a institucionalização dos militares como protagonistas no governo), e, logo em seguida, com a obra final – que começou ainda na madrugada de 27 de junho de 1973, quando os dezesseis senadores presentes na Câmara se anteciparam a condenar o golpe que se precipitaria horas mais tarde.

Américo Plá Rodríguez, senador suplente de Juan Pablo Terra (Partido Democrata Cristão), observou que aquilo parecia “um velório, o velório da república”. Todos sabiam o que se aproximava. Na sexta-feira, 22 de junho, o presidente Bordaberry, junto com os comandantes das Forças Armadas e os generais, havia decidido fechar o Parlamento por tempo indeterminado. À 1h40 foi encerrada a sessão do Senado, depois do pronunciamento de Eduardo Paz Aguirre, o último orador. Para os militares, que acompanharam os discursos pelo rádio, o Parlamento se havia “autodissolvido”; o presidente e seus assessores, por sua vez, acusavam o órgão legislativo de violar a Constituição por não haver cassado o senador Enrique Erro no dia 22, acusado de pertencer ao MLN Tupamaros.

No dia 27, pouco depois das 7h, em um “plano de diversão” à frente do qual estavam os generais Esteban Cristi, Abdón Raimúndez e Gregório Alvarez, os militares entraram em um Palácio Legislativo quase deserto: não havia legisladores, apenas uns poucos funcionários, entre os quais o porteiro Víctor Rodríguez Andrade, campeão de futebol em 1950. O governo acabara de anunciar, às 5h20, em cadeia nacional de rádio, o Decreto n o 646, que dissolvia as Câmaras de senadores e representantes e proibia “atribuir propósitos ditatoriais ao Poder Executivo”.

Após o anúncio do decreto de dissolução das Câmaras, às 6h da manhã de 27 de junho, operários e empregados de fábricas e de muitos outros locais de trabalho começaram a pôr em marcha o mecanismo de greve geral que a própria CNT havia previsto em seus estatutos, em 1964. Héctor Rodríguez, veterano dirigente do setor têxtil, recordou que a decisão de greve geral em caso de golpe de Estado se havia discutido desde décadas atrás. Mais tarde, a CNT criou uma comissão integrada por ele mesmo, Gerardo Cuesta, Gerardo Gatti e Vladimir Turiansky, na qual se havia conversado sobre a eventual dispersão das unidades de transporte coletivo e sobre o controle dos combustíveis e dos alimentos diante da eventualidade da greve geral. A decisão de tomar esse caminho não foi isenta de dramaticidade e conflito no seio da central. Pode-se afirmar que houve uma pulsão espontânea das bases sindicais que “superou a direção”, então muito marcada pelo Partido Comunista.

A paralisação foi intensa e breve, mas serviu – mais tarde – de mito e relato heroicos para a refundação do movimento sindical nos fins da ditadura. Em poucos dias se rompeu parcialmente a greve no setor-chave do transporte, e, em 30 de junho, os militares conseguiram ocupar a fábrica de combustíveis da ANCAP, em La Teja. Muitas fábricas foram desalojadas. A brutal repressão militar de uma manifestação de rua em 9 de julho (na qual, entre outros, cairia preso pela primeira vez o general Líber Seregni) mostraria o alcance da resistência (tão importante e valente quanto insuficiente), mas também a dureza do regime imposto, em um claro indício dos tempos que viriam. Em 11 de julho, a direção da CNT – ainda com divisões em seu seio sobre a decisão – resolveu dispersar. No anúncio da dispersão assinalava:

Arraigados com firmeza imutável na convicção de que afinal de contas os trabalhadores e o povo triunfaram, olhamos e devemos olhar a realidade atual, cara a cara, tal qual ela se apresenta e não deformada por desejos subjetivos, por generosa que seja sua inspiração. Sabemos que o povo e sua causa são imortais e invencíveis, enquanto são efêmeros e imperdoavelmente condenados ao desprezo e ao fracasso os tiranos que os enfrentam, e que a mesma sorte terão aqueles que, direta ou indiretamente, sustentam as tiranias. Nas condições em que a batalha se deu em nosso país, a vitória dos trabalhadores vai requerer, no entanto, ainda uma luta prolongada e muito dura.

O desenlace da crise uruguaia, expresso no golpe de Estado, adquiriu um significado que transcendia os limites do país. Dessa vez, como em poucas oportunidades, o Uruguai foi assimilado à pulsação dramática da América Latina e aparentemente enterrou sua “singularidade”, que tantas vezes havia proclamado. Em apenas alguns anos, entre 1973 e 1976, o Cone Sul ficou por completo nas mãos de ditaduras militares (“a outra Santa Aliança”, segundo dizia o jornalista Carlos Quijano), que responderam a parecidos estímulos externos, implementaram políticas públicas de similar teor e, ainda que levando em conta importantes diferenças, praticaram a mesma sistemática violação dos direitos humanos. De modo paradoxal, essa forma de vinculação do Uruguai à região (“latino-americanização”, chegou-se a dizer) foi simultânea com um formidável processo de transformações mundiais do qual o país permaneceu relativamente isolado.

O Memorial dos Desaparecidos e Presos duranA “ditadura comissarial”: 1973-1976
De acordo com uma periodização desenhada pelo cientista político uruguaio Luis E. González, os doze anos do regime autoritário uruguaio (1973-1985) conheceriam três etapas claramente distinguíveis:
a etapa da “ditadura comissarial”, entre 1973 e 1976;
uma segunda que o autor denomina de “ensaio de fundação”;
e a última, de transição, iniciada em 1980 e que se concluiria “formalmente” – ainda que não em muitos aspectos substantivos – com a posse das autoridades civis em 1985.
Comissarial ou policialesca foi a etapa inaugural do “processo”, perdida na perplexidade do poder recém-conquistado e incapaz de construir um projeto que transcendesse a tarefa de pôr “a casa em ordem”, desarrumada pela tão denunciada “onipresente subversão”. O “comissário” se mostrou implacável e tenaz, quase não deixou resquícios e, em geral, sua gestão resultou em êxito. Nesse marco se inscreveram o fechamento da atividade política tradicional, a declaração “cirúrgica” de ilegalidade de partidos e organizações de esquerda, a liquidação da central sindical, a intervenção na universidade e o “saneamento” da administração pública, com milhares de destituídos por razões ideológicas. A repressão se desencadeou, radicalizando o terrorismo de Estado iniciado desde antes do golpe. A política se “privatizou” ao extremo (negando assim sua essência) e o político foi execrado publicamente.
O que fazer uma vez posta “a casa em ordem”? Para Bordaberry, antidemocrata confesso e admirador fervoroso da ditadura brasileira e, em seguida, do general Augusto Pinochet, a nova equação política do Cone Sul supunha “um conceito radicalmente distinto ao que se apoia na clássica divisão de poderes de Montesquieu”. O golpe de Estado havia significado o fim de tal “artifício” e criado um leito à autoridade “natural e autêntica”. Tratava-se então de “dar forma institucional a isso”, “de receber na Constituição esse novo equilíbrio”. Concluía o presidente pela necessidade da existência de uma autoridade permanente e real, radicada, “com o beneplácito geral”, nas Forças Armadas. Se o poder público se resolvia dessa forma, não se devia insistir, no caso do “poder privado”, na fonte de desunião e disputa que eram, em seu juízo, os partidos políticos.
Finalmente, as Forças Armadas optaram por um caminho distinto: elucidar a encruzilhada pelo caminho menos custoso de continuar a ditadura a partir de um discurso “democrático” e sem abandonar as pretensões de restauração de uma ordem política “atraiçoada”. Os partidos haviam construído a nação, os homens – e não o sistema – haviam-na posto em perigo. A “nova república”, a ser fundada mediante decretos constitucionais, teria partidos e não meras “corporações”, como defendia Bordaberry. Enquanto isso, a tutela militar criaria as condições para seu correto funcionamento.
As desavenças entre Bordaberry e os militares geraram a crise política de junho de 1976, que culminou com a remoção do presidente e a designação interina de Alberto Demicheli (um antigo político de origem colorada conservadora e ideias também neocorporativistas) para ocupar a primeira magistratura. Em um comunicado público, expedido pelas Forças Armadas, estas declararam não querer “compartilhar […] a responsabilidade histórica de suprimir os Partidos Tradicionais […]”. Como primeiras medidas de “seu governo”, Demicheli procedeu à assinatura dos Atos Institucionais 1 e 2, pelos quais se suspendia, “até novo pronunciamento”, a convocatória de eleições gerais e se criava o “Conselho da Nação”, respectivamente.
Continuidade
A evolução da política econômica nesse período marcou uma de tantas continuidades relevantes entre os governos de Pacheco e Bordaberry anteriores a 1973 e o regime autoritário. O Plano Nacional de Desenvolvimento 1973-1977, formulado em 1972 pela Oficina de Planejamento e Orçamento, foi definitivamente ratificado depois do golpe, com alguns retoques secundários. Na verdade, a colocação em marcha efetiva do novo modelo – que supunha uma severa radicalização dos programas liberalizantes anteriores – seria postergada por um ano, quando se desenvolveria o novo impulso neoliberal com a chegada ao Ministério de Economia e Finanças de Alejandro Vegh Villegas, em junho de 1974. Esse atraso na aplicação da estratégia desenhada refletia – entre outras coisas – a prioridade inicial que teve o regime autoritário pela “normalização” política. A crise petrolífera de fins de 1973 e suas graves repercussões para o Uruguai geraram, até mesmo no plano simbólico, esse marco traumático de que necessita toda política econômica extremista – e a que começava a aplicar-se assim o era – para um arranque vigoroso.
O exame de alguns dos resultados econômicos verificados no período 1973-1976 ilustra claramente as principais mudanças operadas na sociedade e na economia uruguaias. Entre outros processos, ocorreu um crescimento rápido e contínuo do Produto Interno Bruto (PIB); incrementou-se – na contramão do discurso oficial – o setor terciário da economia, com um importante peso do Estado; operou-se também uma reestruturação do comércio exterior, com uma reformulação importante das exportações, mas com uma balança comercial com saldo negativo persistente; aprofundou-se a concentração da renda e se agravou a queda do salário real.
A distribuição regressiva da renda determinou uma crescente exclusão econômica e social dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que se afirmou a rentabilidade dos empresários e do capital estrangeiro (fundamentalmente financeiro), verdadeira “base social” do novo regime. A estratégia do sobretrabalho mal pôde dissimular a crescente pauperização de amplos setores da população, ao que se somou o auge dramático da emigração. Segundo se jactavam os porta-vozes oficiais, pouco restava em pé do Uruguai tradicional.te a ditadura militar uruguaia (1973-1985), no Parque Vaz Ferreira em Villa del Cerro, Montevidéu (Uruguayo-92/Creative Commons)
A professora uruguaia Lilian Celiberti, sequestrada pela Operação Condor, discursa em abertura do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, no Brasil, em janeiro de 2010 (Renato Araújo/ABr)

 

A fundação falida

O veto aos ímpetos corporativistas de Bordaberry, com o afastamento do presidente, marcou o começo da tentativa de construção de uma “nova ordem” político-institucional. Os militares insistiam na ideia de que essa mudança deveria oferecer, como suporte fundamental, a consolidação e o aprofundamento do ajuste estrutural da economia, iniciado nos anos anteriores.

Dominada então por um novo messianismo e estimulada por certos êxitos na evolução de alguns indicadores econômicos (em especial, o crescimento do PIB, com uma média anual superior a 3% desde 1974), a corporação militar parecia tomar para si definitivamente as premissas de um neoliberalismo resoluto. O “ajuste estrutural” supunha priorizar como objetivo da política econômica a redução do custo da mão de obra e do orçamento do Estado, para o que era necessário diminuir a pressão fiscal e terminar com as tradicionais políticas redistributivas.

Até 1978, a política econômica se orientou fundamentalmente à promoção das exportações não tradicionais e à liberalização do mercado de câmbio. A partir de 1978, e sobretudo de 1979, começou a implementar-se o chamado projeto “Uruguai praça financeira”, que supunha, entre outras coisas, a integração do Uruguai ao mercado internacional de capitais, para a qual foi colocada ênfase na estabilização dos preços mediante um manejo radicalmente monetarista da balança de pagamentos. Por meio de um forte resíduo cambial pautado pela vontade oficial, aprofundou-se a abertura comercial e o movimento de capitais. Acelerou-se o ritmo de crescimento do PIB (superando-se 6% em 1979), ainda que tudo isso ao preço de imenso inchaço da dívida externa (crescimento de quase 30% em 1979) e de um pesado déficit na balança comercial: de US$ 71,2 milhões, em 1978 para US$ 418,2 milhões, em 1979 e quase US$ 622 milhões, em 1980. O boom econômico tinha cimentos frágeis.

Se a superação do histórico estancamento no produto contava com instáveis suportes econômicos, os custos sociais do empreendimento perfilaram desde essa época um quadro dramático para os setores mais carentes da sociedade uruguaia. O salário real continuou a cair. Os estratos superiores enriqueciam ainda mais, sem que ocorresse um incremento significativo da poupança e do investimento produtivo. Enquanto isso, o resto da população lançou-se decididamente na corrida do multiemprego, ainda que só os setores médios pudessem conter momentaneamente a redução drástica de seu poder de compra. Os estratos inferiores, sem refúgio possível, sofreram, até 1980, um processo de pauperização crescente, recebendo o impacto da supressão das políticas redistributivas e do congelamento dos gastos sociais do Estado.

Na esfera política, o “ensaio de fundação” esteve marcado pela tentativa de obter a primeira legitimação do projeto militar, com a convocação de um plebiscito para reformar a Constituição. Em 1° de setembro de 1976, Aparicio Méndez (um velho político de longa militância nacionalista) assumiu a presidência da República. Uma série de Atos Institucionais preparou o caminho para que, com sua assinatura – negada por Alberto Demicheli, que por esse motivo tinha sido substituído –, caísse uma pesada proscrição sobre o elenco político. As inabilitações políticas decretadas, além de suas gradações, estavam previstas para uma vigência geral de quinze anos, o que mostrava as previsões cronológicas da ditadura. Conseguia-se, além disso, o fechamento formal da vida partidária, com a eliminação de toda a esquerda, sem o custo político da supressão explícita dos partidos.

Um dos terrenos nos quais a fundação da “nova ordem” mais encontrou dificuldades foi o das relações internacionais. O desdobramento de denúncias de boa parte do exílio uruguaio, junto com a ênfase que o novo governo dos Estados Unidos, presidido por Carter, começou a demonstrar na região a respeito da problemática dos direitos humanos, obrigou o governo a sair da encruzilhada com algumas definições. Em setembro de 1976, o Congresso dos Estados Unidos suspendeu a ajuda militar ao Uruguai, o que motivou uma dura resposta das hierarquias do “processo” e a aprovação de um novo Ato Institucional, estabelecendo a tutela do Estado aos direitos humanos e restrições aos organismos internacionais de controle.

 

“Não” à ditadura

Entre 1978 e novembro de 1980, o regime se mostrou decidido a legitimar sua atuação mediante a convocação – sem mediação partidária – dos cidadãos às urnas, em um processo que culminaria em um plebiscito constitucional. Os chefes castrenses, que aproveitavam todos os atos públicos para explicitar e fundamentar a continuidade de sua tutela sobre o sistema político, lutavam pela consecução de uma “prudente abertura” – segundo expressão textual de um dos generais da época – em busca do apoio dos cidadãos, sobre a base de uma reativação política restringida e controlada. As Forças Armadas confiavam que, se evitassem com sutilezas a pressão internacional e controlassem a influência dos partidos políticos, seu projeto conseguiria receber uma legitimidade explícita da população mediante o voto popular. Para isso pretenderam dissimular a tutela com uma proposta constitucional que Luis E. González caracterizou como um “híbrido” de “raízes tradicionais”, por um lado, e “de doutrina de segurança nacional”, por outro.

Convém repassar sumariamente os aspectos mais relevantes do projeto constitucional de 1980. Eliminavam-se direitos e garantias fundamentais. No que se referia à organização institucional, as Forças Armadas assumiam competência direta em matéria de “segurança nacional”, para o que se institucionalizava o Conselho de Segurança Nacional (Cosena) e se criava um Tribunal de Controle Político com poderes para destituir até autoridades partidárias. Quanto à soberania e aos partidos, para a primeira eleição impunha-se uma candidatura única, ao mesmo tempo em que para o futuro eliminava-se o duplo voto simultâneo e impunha-se a apresentação de candidatos presidenciais únicos dos partidos, alterava-se a representação proporcional integral (conferindo a maioria absoluta ao partido vencedor) e restringia-se o funcionamento e a formação de partidos políticos.

É razoável pensar que os pronunciamentos partidários tiveram então um papel relevante. Entre os colorados, Unidade e Reforma, setor de Jorge Batlle, a 315, de Manuel Flores Mora, e alguns dissidentes do pachequismo se definiram clara e rapidamente contra o projeto constitucional. O mesmo fizeram os Movimentos Nacional de Rocha e Pela Pátria, do Partido Nacional (blancos), assim como os setores herreristas de Jorge Silveira Zabala e Luis Alberto Lacalle de Herrera. O “sim” ao projeto militar contou por sua vez com a adesão – desde seu posto de embaixador em Washington – de Pacheco Areco, de alguns herreristas e de setores orientados por Alberto Gallinal. A União Radical Cristã deixou seus aderentes livres, ainda que seus principais dirigentes – como Humberto Ciganda – militassem a favor do “não”. Em meio à proscrição, ao exílio e à prisão, a esquerda aprofundou desde a clandestinidade sua oposição radical ao regime.

Em 30 de novembro de 1980, os uruguaios compareceram maciça, pacífica e silenciosamente para votar em meio a suspeitas de fraude. Votaram mais de 85% dos habilitados, manifestando-se contra o projeto militar 885.824 cidadãos (57,9%) e a favor 643.858 (42%). A relação de três por dois contra o projeto autoritário, se bem que numericamente não representasse um desequilíbrio esmagador, tinha uma enorme transcendência política, que surpreendeu tanto ao governo quanto a seus opositores. Destinado pelas Forças Armadas a ser o ponto culminante de seu empenho de fundação, mediante a legitimação que traria o voto popular, o plebiscito se converteu, com a vitória da oposição, no marco do fracasso desse projeto.

Como explicar que em um momento de forte – ainda que assimétrico – arranque econômico, com todos os meios de comunicação sob seu arbítrio, os militares uruguaios perdessem seu primeiro exame eleitoral? Triunfo – outra vez – da política sobre todas as outras dimensões da convivência? O peso da tradição liberal e antimilitarista, a influência da breve e velada convocação pelo “não” e o descontentamento gerado pelos efeitos das políticas econômicas e sociais contribuem para a explicação. Mas também os militares, por causa de sua perspectiva de continuísmo dogmático e soberbo (que os inibiu, por exemplo, de buscar apoio nos partidos), erraram os caminhos. Pelos resultados imediatos, pode-se afirmar que as Forças Armadas foram mais eficazes nas tarefas comissariais que nas de fundação, ainda que também seja certo que nunca abandonaram completamente o primeiro trabalho pelo segundo.

Casa Pueblo, em Punta del Este (Luiz Alberto Maron Vieira/Creative Commons)

 

Cinco anos de “ditadura transicional”

O período da chamada “ditadura transicional” (1980-1985) assistiu à restauração dos partidos uruguaios como atores centrais da vida política. Foi a civilidade, pacificamente imposta a partir do plebiscito de 1980, que cobrou de forma crescente um papel de protagonista, o que levou os militares a proporem a estratégia de achar a “melhor saída”.

Entre dezembro de 1980 e julho do ano seguinte, o governo elaborou um novo plano político. Preparado por uma nova Junta de Oficiais Generais, o plano reconhecia de maneira implícita algumas das razões do fracasso governamental no plebiscito: propunha outra vez a busca de certo consenso da sociedade civil, buscando a mediação dos partidos políticos (obviamente sem a esquerda).

Após estabelecer os primeiros contatos formais com a direção dos partidos “habilitados”, o regime começou a desenvolver seu novo projeto. Foi confirmada uma transição de três anos e após tensas deliberações, que denotavam divisões entre os militares, a Junta de Oficiais Generais designou o general Gregorio Alvarez como novo presidente, em setembro de 1981.

O ano de 1982 foi decisivo, ao observar que em seu transcurso foi legalizada boa parte da oposição política, com exceção da esquerda; confirmaram-se e alistaram-se novas oposições sociais e começou-se a desencadear a derrocada econômica e financeira. O esforço da ditadura para criar o ambiente para uma “nova sociedade” havia fracassado e o regime perdia credibilidade também entre as diversas frações dos setores economicamente poderosos. Salvo os círculos financeiros, ainda alentados pelas possibilidades de especulação, os demais grupos empresariais – industriais, comerciantes e sobretudo os produtores rurais – retiravam seu apoio de maneira cada vez mas explícita, assumindo até algumas atitudes de contestação. Mas a resistência à ditadura se reforçava e se organizava fundamentalmente de “baixo”: alguns sindicatos mostraram importantes sinais de reativação e os estudantes universitários reiniciaram também sua organização em núcleos. Também se reanimou o movimento cooperativo na área da moradia.

Nas eleições internas dos partidos políticos permitidos pelo regime, celebradas em novembro de 1982, os resultados chegaram a ser mais adversos para o governo que os de 1980, pois a cidadania outorgou o triunfo por ampla margem às forças mais nitidamente opositoras e democráticas das posições tradicionais. Como eleições partidárias, constituíram um fato inédito na história do país: repolitizaram intensamente a sociedade uruguaia e ao mesmo tempo ajudaram a consolidar os partidos tradicionais (a esquerda excluída se dividiu entre aqueles que, segundo sugestão de Seregni, votaram em branco – aproximadamente 85 mil sufrágios – e os que votaram nos setores mais oposicionistas dentro das posições permitidas). Mais de 60% dos habilitados compareceram às urnas. Os anos seguintes seriam de conflito e negociação, demarcados pela contradição básica que surgia das eleições internas: os partidos políticos, com representação e legitimidade, mas sem governo, e o governo, uma vez mais, sem representação nem legitimidade alguma.

 

A “lata de lixo”

Enquanto ocorriam esses processos políticos, o boom econômico, que chegara ao seu auge no biênio 1978-1980, encontrava um fim drástico. Com outros desequilíbrios macroeconômicos, o atraso na cotização do dólar – pedra angular do projeto “Uruguai praça financeira” – havia agravado consideravelmente a dispersão dos preços relativos. Muito cedo, o ensaio estabilizador cairia aprisionado por seus próprios fundamentos: o agudo desequilíbrio externo e uma situação de virtual incapacidade de pagamento provocaram o desmoronamento da experiência. A derrocada foi pautada por um novo e considerável aumento do endividamento externo e por um aprofundamento da fuga de capitais e da queda das reservas internas líquidas.

Começaria então um duríssimo ajuste recessivo da economia uruguaia, cujo programa seria desenhado a partir da assinatura de uma nova carta de intenção com o FMI, em fevereiro de 1983, em condições especialmente pesadas em diversos planos (intimações de política interna, custos, prazos, período de carência etc.). Os objetivos prioritários do novo ajuste estavam destinados a restabelecer uma situação minimamente sustentável da balança de pagamentos, ao mesmo tempo em que continuava almejando a estabilidade dos preços e a retomada do crescimento, sem medir, para isso, os custos sociais. Em dezembro de 1983, Vegh Villegas voltou ao Ministério de Economia e Finanças, com a meta confessada de evitar que a ditadura entregasse à democracia uma situação econômica que se equiparasse – segundo suas próprias palavras – a “uma lata de lixo”. Os resultados desse ajuste recessivo terminal marcaram, sem dúvida, um saldo muito negativo do processo de radicalização do programa neoliberal. Chegou-se a controlar relativamente a inflação e o déficit fiscal, mas os custos sociais e econômicos foram demasiado onerosos. Segundo estudou Hugo Davrieux, a redução dos gastos correntes do Estado realizou-se quase exclusivamente por meio de uma diminuição drástica do poder aquisitivo dos passivos e, sobretudo, dos pagamentos dos funcionários, que chegaram ao nível mais baixo das últimas três décadas. Por sua vez, o salário real caiu mais de 30% entre 1983 e 1984; a taxa de desemprego cresceu vertiginosamente; o endividamento interno se multiplicou, afetando gravemente vastos setores empresariais; as importações foram reduzidas em quase 30%; o gasto público sofreu uma redução (ainda que o déficit tenha persistido), enquanto os serviços financeiros da dívida passaram de 3,7% para 22,4% do gasto consolidado.

 

O ano das mobilizações populares

Em 1983, a cena política era dominada pela parte final de uma ditadura que perdia força, mas que focalizava seus objetivos em pactuar garantias para uma retirada organizada. Nesse sentido, deve-se assinalar que a reação civil admitiu também suas inflexões. Se bem que os partidos políticos demonstraram sua vigência durante a instância plebiscitária e as eleições internas de 1982, a “luta contra a ditadura”, com novo impulso, redundou em um cenário muito propício para a explicitação política das forças e organizações sociais, com perfis mais radicais em sua resistência ao regime militar. Pode-se designar, nesse sentido, 1983 como o ano das grandes mobilizações populares, que por suas dimensões conseguiram pesar de forma decisiva nas relações cada vez mais distantes dos partidos de oposição com os militares. Mas é também provável que a essência do fenômeno tenha ocultado de grandes setores – não aos colorados – a existência das “maiorias silenciosas”, cuja relevância se demonstraria em outros planos.

As Forças Armadas, por sua vez, conseguiram definir uma estratégia que supunha o total abandono do projeto de criação de um “partido do processo” e também do maximalismo expresso nas primeiras negociações formais com os partidos em 1983. A tendência por fim predominante era a que levantava o problema de uma saída para a qual se deveria buscar o melhor atalho, que deixasse a salvo, mediante uma retirada organizada, a corporação militar.

A gigantesca concentração popular de 27 de novembro de 1983 – talvez a maior de toda a história política do país – marcou o ponto de máxima confluência entre a mobilização social e o consenso partidário por trás de um programa intransigentemente democrático. Daí por diante, a esquerda política ficou definitivamente integrada e acreditada na frente de oposição, legalizada de fato, em que pese a permanência da proscrição imposta pelo regime. No entanto, foi a partir daí que a “ditadura transicional” começou a viver uma segunda etapa, assinalada pela vontade de acordo entre militares e políticos, e orientada crescentemente em direção à dinâmica da negociação, o que devolvia o timão aos partidos. Essa vocação negociadora desembocou em três resultados de grande interconexão: relativizou a pressão da mobilização social, trouxe as eleições mais cedo para a dinâmica política (diante das eleições gerais previstas para novembro de 1984) e ajustou a saída para um “pacto” entre os militares e a maioria dos partidos políticos. Talvez o problema central no caminho da transição fosse a proscrição e a ameaça de prisão para o exilado líder da maioria do Partido Nacional, Wilson Ferreira Aldunate, e a persistente ilegalidade (cada vez mais formal) da Frente Ampla e de seus principais dirigentes.

Ao mesmo tempo em que o general Medina assumiu o comando do Exército, Wilson Ferreira retornou finalmente ao país, em 16 de junho, e foi detido e processado de imediato pela justiça militar. A situação criada por sua prisão gerou, como era previsível, fortes tensões e dificuldades no seio da frente de oposição: enquanto os blancos se negavam a qualquer negociação com seu líder detido, os demais partidos (inclusive os de esquerda) se inclinavam a acelerar os trâmites. O Partido Nacional ficou marginalizado e teve de presenciar, “de longe”, inicialmente a distensão política que se seguiu aos primeiros encontros (derrogação de alguns Atos Institucionais, aceleração de processos de presos políticos e revogação parcial da proscrição da Frente Ampla) e, mais tarde, o chamado Acordo do Clube Naval, assinado em agosto de 1984. A marginalização dos nacionalistas marcou a fogo sua estratégia – e também sua sorte – no processo político. O acordo concretizado ficou finalmente expressado no último Ato Institucional do governo militar, o n° 19, no qual se previam normas transitórias (referências ao Cosena, Estado de Insurreição, jurisdição militar, ascensão e nomeações de chefes militares etc.) que seriam submetidas a plebiscito em 1985. Ratificou-se, além disso, a convocação de eleições para 25 de novembro.

 

Os efeitos do pacto do Clube Naval

Nesse marco tão polêmico, não foi difícil prognosticar então que o pacto do Clube Naval continuaria sendo tema do debate político, tanto quanto sua persistência em cena tinha a ver com a fragilidade do sistema democrático por ele criado. Além de um acordo de saída, o pacto pareceu adquirir, com o tempo, um caráter multifacetado, ao qual os atores atribuíram valorações diversas e sucessivas e que todos terminaram por redefinir e reinterpretar. Se compararmos as exigências militares das primeiras negociações formais de 1983 com as do Clube Naval em 1984, os efeitos dessas últimas sugerem um retrocesso evidente das Forças Armadas e de suas posições mais duras, expressadas no cada vez mais solitário presidente Alvarez. Mas se observamos a questão na perspectiva da “saída” da instituição militar, o resultado parece algo diferente. A retirada organizada e sem temores foi possível na medida em que conseguiu cancelar as possibilidades eleitorais de Wilson Ferreira e reservar um tempo prudente de autonomia corporativa que evitou ou dificultou as surpresas do revisionismo.

Os “partidos do Clube Naval” asseguraram, por sua vez, o leito eleitoral da transição, fixaram os limites do Cosena, os mecanismos de nomeação dos comandantes-em-chefe e aceleraram – que fosse, se isso reforçava sua legitimidade! – a libertação dos presos políticos e a “repatriação” de milhares de uruguaios perseguidos. Mas, ao “entregar a cabeça” de seu principal adversário eleitoral, tudo ficou arrumado para o triunfo colorado de Julio María Sanguinetti (um político relativamente jovem, ainda que experiente, com uma longa trajetória nas fileiras do batllismo), que em meio às negociações do Clube Naval foi proclamado candidato à presidência. Por sua vez, a esquerda, então “dona” das ruas, reingressou dali em diante na arena eleitoral. Finalmente, o Partido Nacional pronunciou-se com ênfase contra o acordo, ainda que dias mais tarde seus principais dirigentes, reunidos na prisão de Trinidad, onde estava detido Wilson Ferreira, acertassem com o líder preso concorrer às eleições com uma fórmula substitutiva.

Os resultados eleitorais de novembro de 1984 evidenciaram uma reprodução relativa do quadro de 1971, o que ratificava, entre outras coisas, a estabilidade da tendência eleitoral e a vontade “restauradora” que parecia insinuar a transição democrática. As variações maiores se produziram na correlação de forças em cada corrente (especialmente no Partido Colorado e na Frente Ampla), mantendo-se quase congelada a porcentagem de votos globais de cada partido. Entre os colorados, a porcentagem de votos totais manteve-se em 41%, mas, internamente, os setores batllistas deixaram em clara minoria o pachequismo. De sua parte, os blancos alcançaram 35% dos sufrágios, descendo 5% em relação a seus números de antes da ditadura, para o que contribuíram tanto a ausência de seu líder máximo na campanha quanto a fuga de votos conservadores diante da consolidação de uma maioria progressista no Partido Nacional. Além de ver confirmada sua identidade após onze duros anos de repressão e do fracasso do projeto militar de eliminá-la para sempre, a Frente Ampla (22% dos votos) voltou ao Parlamento com importantes modificações em seu interior: a espetacular votação do então Movimento pelo Governo do Povo (de esquerda moderada, encabeçado por Hugo Batalla), que relegou ao segundo lugar o Partido Comunista, era sinal de importantes mudanças nessa direção. Diferentemente do ocorrido durante o resto do processo político sob a ditadura (especialmente no plebiscito de 1980, nas eleições internas de 1982 ou nas mobilizações de 1983), foram as famosas “maiorias silenciosas” que definiram a contenda.

Mais que a impunidade para os militares delituosos, o pacto estabeleceu uma correlação de forças e, sobretudo, um espaço a percorrer para sua confirmação ou modificação, e um território mais inclinado à contingência que à necessidade histórica. Quem melhor expressou tal resultado foi o próprio general Medina (último comandante em chefe do “processo” e figura crucial nas negociações): “deixemos que os fatos respondam”. Entre avanços e retrocessos de civis e militares e com algumas graves questões pendentes de resolução, o Uruguai ingressou, a partir de março de 1985, em uma etapa de transição efetiva rumo à democracia, muito mais reconhecível com a perspectiva que traz o passar dos anos.

Carnes assadas no Mercado del Puerto, em Montevidéu (Marisali/Creative Commons)

 

Uruguai, nunca mais

Os crimes da ditadura uruguaia ficaram registrados em uma série de publicações. Entre elas merece destaque o informe Uruguai nunca mais, editado em 1989 por uma organização não governamental, o Serviço Paz e Justiça (Serpaj). A publicação assinala que, enquanto a ditadura de Augusto Pinochet privilegiou o fuzilamento como principal forma de luta antissubversiva e o regime argentino o desaparecimento forçado de 30 mil pessoas, a modalidade preferida pela ditadura uruguaia foi a prisão prolongada. “Nossos soldados faziam prisioneiros, não havia mortos neste país. O Uruguai tem neste momento 1.600 problemas porque não tem 1.600 mortos”, afirmou o coronel Federico Silva Ledesma, em setembro de 1979, ao reassumir o cargo de presidente do Supremo Tribunal Militar. Segundo explicava o texto do Serpaj, o regime tratava de evitar a sanção ética da comunidade internacional. “Não era possível a uma sociedade legalista e crente no valor da vida, em um país pequeno onde tudo fica perto e todos se conhecem, eliminar fisicamente os opositores, mesmo quando os mostra dotados dos piores atributos e alguns possam crer nisto.”

Os processados pela justiça militar foram detidos em duas grandes ondas: a primeira entre 1972 e 1974, centrada basicamente nos militantes do MLN, derrotados antes do golpe de Estado. A segunda entre 1975 e 1977, direcionada contra os militantes do Partido Comunista. Somaram-se no total 4.933; os detidos sem processo chegaram a ser aproximadamente 3.700. De todos os presos, 75% eram menores de 34 anos e ao redor de 45% tinham estudos universitários. Uma relação de 31 detidos políticos para cada 10 mil habitantes situava então o Uruguai em um desonroso primeiro lugar na América Latina.

Havia alguns tristes destaques, tais como o dos presos desaparecidos (183 de acordo com a lista publicada no “Informe de Mães e Familiares de Uruguaios Presos Desaparecidos”, constante do livro A todos eles), alguns no país e muitos outros nos países vizinhos, nos marcos da famosa operação “Condor”, coordenada pelas ditaduras da região, e também assassinatos não ocultos, como, por exemplo, os de Zelmar Michelini, Héctor Gutiérrez Ruiz, William Whitelaw, Rosario Barredo e Manuel Liberoff, ocorridos em maio de 1976, sem falar em milhares de presos políticos submetidos à “justiça militar” e na tortura indiscriminada nos cárceres.

O caso dos chamados “reféns” merece menção especial. Pouco depois do golpe de Estado, os principais dirigentes do MLN – Tupamaros, nove homens e oito mulheres, foram tirados dos presídios de Libertad e Punta de Rieles para ser trasladados permanentemente de quartel em quartel e submetidos a um sistema especial de reclusão. Em princípio, converteram-se na garantia de que sua organização não realizaria nenhuma ação. As mulheres, Alba Antúnez, Estela Sánchez, Cristina Cabrera, Flavia Schilling, Graciela Dry, Jessie Macchi, Raquel Cabrera, María Elena Curbelo e, a partir de 1974, Elisa Michelini, voltaram ao cárcere de Punta de Rieles, em 1976. Os homens deveriam esperar abril de 1984 para sua reintegração ao Presídio de Libertad. Henry Engler Golovchenko, Eleuterio Fernández Huidobro, Jorge Manera Lluberas, Julio Marenales Sáenz, José Mujica Cordano, Mauricio Rosencof, Raúl Sendic, Adolfo Wasem Alaniz (falecido nesse mesmo ano) e Jorge Zabalza Waksman foram submetidos durante dez anos e meio a pesadas condições de rigor carcerário.

Nos batalhões, os lugares de reclusão podiam ser desde calabouços exíguos, com tetos que gotejavam e escassa ventilação (como em Santa Clara de Olimar), até um poço de quatro ou cinco metros, sem luz, fechado, com umidade permanente, onde se baixava a comida por meio de uma corda. Eleuterio Fernández Huidobro e Mauricio Rosencof narraram anos depois suas experiências no livro Memórias do calabouço. Estavam recolhidos em lugares contíguos e inventaram um sistema de comunicação com golpes na parede limítrofe. Em 14 de março de 1974, Rosencof presenteou Fernández no dia de seu aniversário, com um poema: “e se este fosse/ meu último poema/ insubmisso e triste/ gasto porém inteiro/ somente uma palavra escreveria:/ companheiro”.

 

A transição democrática

Em termos gerais, de uma perspectiva histórica, seria possível identificar três grandes ciclos ao longo da redemocratização uruguaia até início dos anos 2000:

  • a transição democrática (1985-1989), que praticamente monopolizou as tarefas de governo e a atenção da primeira administração de Julio Sanguinetti;

 

  • os impulsos e freios das reformas (1990-1999), signo que abarcou a administração presidida por Luis Alberto Lacalle Herrera e a segunda presidência de Sanguinetti, concluindo basicamente com a crise brasileira, iniciada em janeiro de 1999, com o consequente desdobramento da recessão no Uruguai;

 

  • a recessão, o colapso e a reativação econômica (1999-2005), que configuram as chaves de algumas das principais transformações do último governo liderado por Jorge Batlle.

 

O início da verdadeira transição democrática pode ser balizado pela ascensão das autoridades constitucionais eleitas nas mutiladas eleições de 1984 (com pessoas e partidos proscritos). Anistia aos presos políticos; investigação, e encaminhamento à justiça, sobre a autoria e responsabilidades das gravíssimas violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura; restituição ou compensação aos funcionários públicos destituídos; e regularização do funcionamento das instituições em um Estado de Direito pleno – todos esses temas integraram a agenda do primeiro governo democrático pós-ditatorial.

Deixando rapidamente para trás o pactuado na Concordância Nacional Programática (Conapro) pelos partidos e principais atores sociais, o presidente Sanguinetti instituiu o que se passou a chamar de “governo de entonação nacional”, com o estabelecimento de um acordo limitado (porém operativo) com o Partido Nacional, liderado por Ferreira Aldunate. A consolidação da transição democrática, que os militares haviam deixado fortemente inconclusa, afinal se realizou de modo polêmico e no marco de grandes controvérsias, particularmente com a sanção parlamentar da chamada Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado, votada em dezembro de 1986. Essa norma foi objeto de severas acusações por parte da oposição de esquerda e de setores blancos e colorados, que a consideraram uma “lei de impunidade” e apoiaram as organizações de direitos humanos, e, especialmente, a de Mães e Familiares de Presos Desaparecidos, com a finalidade de concretizar os instrumentos legais para submeter a lei aprovada a referendo popular. Depois de um processo convulsionado de recolhimento de assinaturas, o referendo pôde finalmente concretizar-se em abril de 1989, com a vitória dos que advogavam pela ratificação da lei, por 55,44% contra 42,42%.

A lei entregava ao Poder Executivo a autoridade de qualquer investigação e busca, além da decisão sobre que casos se investigariam e quem os levaria adiante. Nesse momento, encomendou-se ao Conselho da Infância a tarefa de investigar o destino das crianças desaparecidas (o que ultrapassava por completo as possibilidades e os recursos desse organismo) e confiou-se a investigação sobre a situação dos presos desaparecidos a nada menos que um fiscal militar! A vontade política de concluir todo debate sobre esse ponto ficava claramente manifesta.

Diante dessa situação irregular, os familiares dos presos desaparecidos se negaram a comparecer perante o fiscal militar designado. Como denunciou a organização de Mães e Familiares de Presos Desaparecidos, se chegou à absurda contradição de que ainda nos casos em que o Poder Executivo declarou compreendidos na lei (que ampara somente militares e policiais) […] o fiscal determinou que não existiam provas da participação de uns e outros […] com o resultado, mais que previsível, do arquivamento dos processos. Até mesmo no caso de denúncias dos desaparecimentos acontecidos antes do período de fato e, portanto, não compreendidos na lei, os juízes competentes negaram-se a atuar e encaminharam os autos ao Poder Executivo para que este determinasse se esses fatos não estavam amparados na “caducidade”.

Com essas contas pendentes, mas também com a legitimidade do pronunciamento popular de abril de 1989, e o benefício de melhores desempenhos e ganhos em outras áreas (reintegração de milhares de funcionários públicos e reconstrução de um clima de liberdades, por exemplo), a maioria de blancos e colorados – ainda que com dissidências internas, em especial entre os primeiros – considerou concluídos os temas da transição. O governo passou a dedicar o essencial de seus esforços à procura de um processo de reordenamento e “normalização geral” e à administração da crise econômica deixada como herança pela ditadura, julgada gradualista dentro do próprio Partido Colorado. De todo modo, conseguiu-se avançar na recuperação de alguns equilíbrios macroeconômicos (ainda que deixando para o futuro governo um elevado déficit fiscal), o PIB cresceu, houve um aumento efetivo do salário real, impulsionou-se o retorno da negociação coletiva tripartite no âmbito privado, a inflação decresceu, conseguiu-se melhorias importantes nos indicadores sociais mais relevantes e promoveu-se a expansão dos investimentos em diferentes áreas.

A Fortaleza de Santa Teresa, situada na cidade de Castillos, no Parque Nacional de Santa Teresa, criado para protegê-la (Eduardo Amorim/Creative Commons)

 

Ciclo das reformas: impulsos e freios

A partir de 1988, ocorreram algumas mudanças no cenário político uruguaio. A morte de Ferreira Aldunate, em março desse ano, deixou o caminho mais aberto para o ascendente Luis Alberto Lacalle, do Partido Nacional. Entre os colorados, Jorge Batlle venceu Enrique Tarigo, nas fileiras de um batllismo cada vez menos unido política e ideologicamente. A esquerda, por sua vez, vivia a dramática ruptura de sua unidade, com a separação do Partido pelo Governo do Povo (PGP) e do Partido Democrata Cristão (PDC), que formariam com aliados menores o Novo Espaço. Nas eleições de 1989, os dois candidatos favoritos, Luis Lacalle e Jorge Batlle, defendiam posições semelhantes, de orientação liberal. Coube ao vencedor, Luis Lacalle, concretizar no país as propostas do chamado Consenso de Washington, inerentes à interpretação dada pelos organismos financeiros internacionais à nova etapa do capitalismo globalizante. Depois de uma negociação árdua, concretizou-se o acordo do qual emanou o chamado governo de “coincidência nacional”, o que lhe outorgou maioria parlamentar.

Apesar das múltiplas transformações da coalizão, que logo deixaram o governo de Lacalle minoritário e em situação de isolamento, ele conseguiu avançar em algumas de suas iniciativas e reformas, algumas previstas em seu programa eleitoral e outras emergentes de uma adaptação pragmática em relação aos caminhos integracionistas da região. Entre as últimas destaca-se a incorporação do Uruguai ao Mercosul, que de fato se havia iniciado como uma aliança entre o Brasil e a Argentina nos anos anteriores. Essa iniciativa, que inicialmente havia sido promovida pelo Itamaraty e que logo consolidou sua articulação com a Argentina, gerou um forte impacto no recém-instalado governo uruguaio, que promoveu de maneira acelerada a incorporação do Uruguai ao acordo regional, consciente de que permanecer à margem geraria pesadas consequências negativas para o comércio uruguaio (desde algum tempo muito localizado na região), além do efeito de isolamento do país. Finalmente se chegaria à assinatura solene do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, entre os presidentes da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai. Os quatro partidos uruguaios com representação parlamentar concordaram com a aprovação do tratado (com pouquíssimas dissidências da esquerda), na expectativa talvez de que a integração regional pudesse desbloquear os rumos internos do país em seu próprio benefício.

Apesar das dificuldades da ferida “coincidência nacional”, outro exemplo de mudança foi a forte inflexão gerada a partir de 1991 na desregulamentação do mercado de trabalho, alcançada não pelo recurso de modificar a lei vigente, e sim pelo de não cumpri-la.

O governo de Lacalle encontrou seus principais freios em dois temas considerados decisivos: a Lei de Empresas Públicas e a reforma da Seguridade Social. No primeiro caso, as forças do governo puderam obter no Parlamento a sanção do texto legal, cujo principal conteúdo consistia na habilitação da Administração Nacional de Telecomunicações (ANTEL) para a associação com capitais privados. No entanto, a lei foi impugnada por setores e partidos, assim como por organizações contrárias ao conteúdo da norma. Cumpridos os requisitos legais para submetê-la ao recurso do referendo popular, este foi celebrado em 13 de dezembro de 1992, sendo a lei anulada por números conclusivos: 71,58% contra 27,19%. No que diz respeito à reforma da Seguridade Social, o fracasso político foi mais contundente, já que nem sequer se conseguiu a aprovação de uma lei.

As reformas do governo de coalizão

Nas eleições de 1994 praticamente ocorreu um triplo empate entre o Partido Colorado (vencedor), o Partido Nacional e a Frente Ampla – Encontro Progressista, nessa ordem. Basta dizer que entre o primeiro e o terceiro colocado, a diferença foi de apenas 1,7% dos votos válidos. Novamente na presidência, Julio Sanguinetti apostou de imediato em uma negociação com o fim de obter respaldo para uma coalizão de governo com bases mais sólidas e duradouras do que a conseguida por seu antecessor. Ele encontrou um interlocutor valioso no novo presidente do diretório do Partido Nacional, Alberto Volonté, de claro perfil negociador e convicto partidário da montagem de uma coalizão que impulsionasse reformas em vários campos.

Foi assim que se fundou sobre bases sólidas o chamado “governo de coalizão”, contando com 84 legisladores a seu favor na Assembleia Geral (64%). Os resultados do acordo superaram todos os tempos dos ciclos de cooperação alcançados pelos governos anteriores. Uma breve e pouco exaustiva resenha da produtividade legislativa obtida pela coalizão durante o período 1995-1998 ofereceu uma prova manifesta desse aspecto: ajuste fiscal, Lei de Segurança Cidadã, Lei da Reforma da Seguridade Social, Lei do Orçamento Nacional, Lei de Desmonopolização de Álcoois, prestações de contas com gasto zero, Lei de Investimentos, Lei do Marco de Regulamentação do Sistema Energético (cuja impugnação não conseguiu alcançar os requisitos exigidos para a aplicação do recurso do referendo), reforma constitucional sancionada pelo Parlamento e depois aprovada em plebiscito por uma margem mínima de 50,4% dos votos em 8 de dezembro de 1996, entre outras iniciativas.

No pacote aprovado pela coalizão, podem-se destacar-se quatro itens:

  • reforma da Seguridade Social – por meio da efetivação de um regime misto que combinou o regime universal provido pelo Banco de Previdência Social com um sistema complementar de poupança e capitalização individual;
  • reforma educativa – com propostas como a descentralização de centros de formação docente no interior do país, a universalização da cobertura pré-escolar para crianças de quatro e cinco anos, a extensão de escolas de tempo integral em zonas pobres com fornecimento de alimentação diária, o rechaço persistente das autoridades educativas à aplicação de políticas descentralizadoras e promotoras da iniciativa educacional em nível privado, a modificação sempre controversa de planos e programas, tudo isso, no entanto, sob uma implementação com perfil pouco participativo e sem a efetiva melhoria dos salários de mestres e professores etc.;
  • continuação da reforma do Estado – caracterizada pela ênfase em conteúdos como focalização, gerência descentralizada, flexibilidade nas reservas, impulso na competitividade e produtividade, incentivo à redução da folha de funcionários públicos etc.;
  • reforma constitucional – com grandes modificações no sistema eleitoral uruguaio clássico, conhecido como “Lei de Lemas” e transformações menores no que se refere ao regime de governo e à relação entre poderes.

A esse quadro, haveria de se adicionar o registro de dois outros aspectos que também distinguem o período 1995-2000: em primeiro lugar, o freio da melhoria e logo o aumento moderado (com altos e baixos no fim da década) dos níveis de pobreza, em que pesem a persistência do crescimento econômico e a continuidade da melhoria de outros indicadores sociais (taxa de mortalidade infantil e universalização do ensino pré-escolar, principalmente); em segundo lugar, uma forte retomada das controvérsias em torno do tema das violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura e a busca da verdade sobre o ocorrido.

No que se refere à volta do tema da violação dos direitos humanos durante a ditadura no segundo governo de Sanguinetti, deve-se assinalar que a controvérsia sobre essa “conta pendente” do regime autoritário foi impulsionada por motivos locais e internacionais. Diante disso foram lançadas várias gestões e iniciativas concretas para viabilizar uma renegociação do problema com os militares e o governo, centrada no ponto do esclarecimento dos fatos e na necessidade de que as Forças Armadas e o Estado assumissem responsabilidade institucional pelo ocorrido. No entanto, todas as iniciativas nesse sentido chocaram-se com uma atitude francamente contrária do governo e dos militares, o que terminou por bloquear uma nova tramitação do tema. A resposta dos oficiais superiores diante dessas gestões foi tão unânime quanto fechada. Em abril de 1997, os generais afirmaram a manutenção de “uma mesma linha” contrária à formação de comissões que investigassem o passado e à “entrada em revisionismos que não conduzissem a nenhuma boa saída”.

 

Recessão, colapso e retomada econômica

A reforma constitucional aprovada em 1996 teve sua primeira experiência de aplicação em 1999. Nessa ocasião, contrariando muitos prognósticos, em sua quinta postulação à presidência da República, Jorge Batlle chegou finalmente à vitória. Depois de ganhar as internas do Partido Colorado e firmar um acordo programático com o Partido Nacional, Batlle venceu o segundo turno de 28 de novembro com 52,26% dos votos contra 44,53% que foram para o Encontro Progressista, encabeçado por Tabaré Vázquez. Colorados e blancos eram, naquele momento, a segunda e a terceira forças políticas. Coligados, dispunham de maiorias parlamentares exíguas (55 deputados em 99 e 17 senadores em 31) em partidos com notórias diferenças internas.

Inicialmente, o governo adotou iniciativas populares como a criação da Comissão para a Paz, com o consequente reconhecimento de um problema que, como o esclarecimento das violações dos direitos humanos sucedidas durante a ditadura, seus antecessores tinham insistido em dar por concluído. Logo, porém, o país padeceu do que o próprio presidente chamou de “sete pragas” (surto de aftosa, desequilíbrios monetários com a região, crise financeira, inconformidade dos mercados internacionais etc.). Nesse contexto, Jorge Batlle e seu governo viram cair vertiginosamente não só sua popularidade como também sua credibilidade. Para isso contribuíram os erros do presidente no terreno da comunicação política, não somente com a opinião pública, mas também com interlocutores tão poderosos como outros presidentes da região e a imprensa nacional e internacional. O estouro da crise, que se vinha anunciando e finalmente desatou com toda a virulência em 2002, encontrou um governo debilitado em várias frentes. Os fundamentos da reforma constitucional de 1996 – criar regras eleitorais que incentivassem coalizões fortes e duradouras e presidentes com força política e respaldo próprios – manifestaram sua inconsistência naquela encruzilhada. A coalizão foi rompida no pior momento e o centro presidencial alcançou, nessa conjuntura crítica, uma debilidade tal que o levou quase ao imobilismo. Não faltavam conspirações que buscassem a interrupção do mandato de Batlle e a realização de eleições antecipadas, hipótese catastrófica que se pôde evitar graças à lealdade institucional e ao civismo manifestado por todos os atores restantes.

No momento mais crítico de 2002, a ascensão do senador Alejandro Atchugarry ao Ministério da Economia estabeleceu uma espécie de remanejamento tácito da liderança do governo para um “primeiro-ministro” que sustentava a governabilidade por meio de acordos parlamentares e com a obtenção de apoio dos líderes partidários mais cotados. Não é exagerado dizer que esse foi o período mais difícil e ao mesmo tempo de mais êxito de toda a administração Batlle, ainda que os tempos de colheita chegassem depois.

A crise teve uma magnitude inusitada. A recessão se prolongou de janeiro de 1999 até meados de 2003. O exame de indicadores como a queda vertical do PIB entre 1998 e 2003 (em termos globais e per capita), os níveis de desemprego que margearam a cifra recorde de 20%, os problemas de ocupação que afetaram a maioria dos ativos, a grande queda do salário real, o aumento da inflação, o crescimento da dívida pública em relação ao PIB, o declínio vertical das exportações, a queda da indústria manufatureira, o aprofundamento do endividamento agropecuário, a crise devastadora do sistema financeiro, entre outros processos, levaram o país aos umbrais da falência, que finalmente pôde ser evitada.

Restavam, no entanto, as terríveis sequelas sociais da crise. Em apenas quatro anos, emigraram mais de 100 mil uruguaios, o que superava a lacuna entre nascimentos e óbitos durante esse período. Segundo dados oficiais, a pobreza subiu para 30,9% no fim de 2003, com 56,5% da população entre 0 e 4 anos e mais de 50% da população menor de 18 anos nessa condição. A taxa de evasão escolar se manteve elevada, ao mesmo tempo em que se revelaram porcentagens consideráveis de jovens que não estudavam nem trabalhavam. A tormenta desnudou a falência do Estado no atendimento a uma situação de emergência social, evidenciando que a “sociedade hiperintegrada e o Estado escudo dos fracos” haviam ficado para trás.

A campanha eleitoral teve uma prematura arrancada, com o referendo sobre a Lei da Administração Nacional de Combustíveis, Álcool e Portland (ANCAP), realizado em 7 de dezembro de 2003. O resultado – 62,3% dos votos a favor da revogação da norma –, na realidade, constituiu-se em plebiscito aglutinador em torno da impopularidade do governo e também das figuras mais cotadas de ambos os partidos tradicionais, Sanguinetti e Lacalle, a um ano e meio das eleições. No entanto, o contexto internacional se tornou cada vez mais favorável para consolidar a reativação econômica iniciada no país, com a locomotiva de um setor agropecuário que encontrava bons preços e possibilidades de mercado. Os indicadores econômicos começaram a evidenciar um ritmo crescente de recuperação, ainda que sua transferência para o campo social e sua influência política resultassem mais lentas e limitadas. Como prova disso, apesar de o PIB uruguaio ter crescido entre 12% e 13% em 2004, a pobreza aumentou no mesmo período.

O presidente Tabaré Vasquez, em San Luis, em março de 2014 (Frente Amplio Uruguay)

 

A reestruturação política uruguaia

As eleições internas de 27 de junho de 2004 mostraram, para surpresa de muitos, a antecipação de um cenário de segundo turno, com um Partido Nacional renovado em suas lideranças e com aspirações de competitividade acrescidas diante da esquerda. Ainda assim, meses depois confirmaram-se os prognósticos mais gerais: o triunfo no primeiro turno, em 31 de outubro, do Encontro Progressista – Frente Ampla – Nova Maioria (EP-FA-NM), após uma campanha eleitoral sem erros e na qual sempre teve a iniciativa. Os resultados eleitorais de outubro de 2004 foram coroados por uma verdadeira avalanche de votos para a esquerda, o que lhe deu maioria em ambas as Câmaras Legislativas.

A vitória do EP-FA-NM e de seu candidato presidencial, Tabaré Vázquez, no primeiro turno das eleições nacionais de 2004 constituiu uma reviravolta profunda na história política do Uruguai. Mudava-se, dessa maneira, uma hegemonia de 175 anos de governos colorados, nacionalistas ou de ditaduras cívico-militares, que administraram o país com alternâncias esporádicas (com uma clara supremacia da liderança governamental do Partido Colorado sobre o Partido Nacional, ainda que com um formato coparticipativo e em algumas oportunidades de coalizão). A vitória da esquerda chegou em um momento em que o declive eleitoral dos lemas (partidos e grupos dentro dos partidos) tradicionais vinha se confirmando desde a formação da Frente Ampla, em fevereiro de 1971, mas que se acelerou em ritmo vertiginoso na última década e, especialmente, durante o último quinquênio. Deve-se advertir que a obtenção da maioria legislativa nas duas Câmaras constituiu também um fato relevante, inédito desde a redemocratização, em março de 1985, e muito antes disso, ao se levar em conta o período anterior à ditadura iniciada em 1973. Observemos os resultados das eleições e a composição do mapa parlamentar emergente delas (quadro abaixo).

Composição do Parlamento (2004)

Partidos Câmara Baixa Senado
EP/FA/NM 52 17
Partido Nacional 36 11
Partido Colorado 10 3
Partido Independiente 1 0
Total 99 31
Fonte: Área de política e relações internacionais do Banco de Dados da Faculdade de Ciências Sociais (UdelaR)

Observa-se, de uma perspectiva histórica mais longa, a envergadura das mudanças produzidas. A esquerda manteve, em que pese a ruptura produzida entre 1988 e 1989, um crescimento sustentado e permanente desde o fim da ditadura militar, especialmente significativo na última década. Observemos no gráfico a seguir a evolução seguida entre o caudal dos votantes dos “partidos tradicionais” (blancos e colorados) em relação aos chamados “partidos desafiantes” (basicamente a esquerda). As tendências não poderiam ser mais claras: ao contínuo retrocesso de blancos e colorados em seu conjunto foi confrontado o aumento sistemático e contínuo da esquerda, tanto quando esteve dividida (desde 1989, com a cisão do Novo Espaço), até a reunificação de 2004 sob o lema Encontro Progressista – Frente Ampla – Nova Maioria (gráfico acima).

Se limitarmos a série de registros eleitorais ao registro da evolução dos votos válidos por partido nos últimos vinte anos, veremos que a grande mudança no comportamento eleitoral da cidadania uruguaia se produziu precisamente nesse período, e ademais de forma permanente e com magnitudes incrementadas, como já foi assinalado (quadro abaixo).

 

Significados da vitória da esquerda

Definitivamente, em uma perspectiva mais global acerca dos itinerários do sistema político durante as duas últimas décadas, poderíamos registrar algumas tendências:

  • a profunda mudança foi efetivamente o traço dominante da trajetória política do país nos últimos vinte anos;
  • diferentemente de outros países da região, as reformas liberais se implementaram de forma mais moderada e gradualista, com a manutenção resistente do peso do Estado como traço definidor do novo equilíbrio público-privado;
  • em que pesem os freios adotados, amiúde se dissimularam mudanças e ajustes relevantes, consolidados também durante essas duas últimas décadas.

Para explicar as razões da espetacular vitória da esquerda nas urnas e do crescimento sustentado nas eleições anteriores que a tornou possível, nos últimos tempos se multiplicou, tanto no âmbito político quanto no acadêmico, a postulação de diversos fatores. Diversos autores apontaram um acúmulo de razões mais ou menos conjugadas e prioritárias: entre outras, uma espécie de determinismo demográfico sobre o crescimento do eleitorado de esquerda, explicado por sua chegada mais consistente aos setores mais jovens; a colheita dos dividendos de um crescente tradicionalismo e a nacionalização da esquerda, com o consequente aumento de sua produção simbólica e cultural como fatores de atração de votos; uma moderação de suas propostas ideológicas e programáticas, com sua consequente aproximação do centro do eleitorado; a força carismática de suas lideranças e sua relativa facilidade de renovação nos últimos anos (o que não significa uma diminuição da idade média de seu elenco de dirigentes, que mostra índices de envelhecimento); uma maior e mais flexível adaptação às mudanças ocorridas no país e no mundo em diversos níveis do que se poderia qualificar como a cultura política mais em uso; o respaldo tácito da adesão generalizada à esquerda, proveniente de circuitos socializantes ainda muito relevantes no país (sistema educativo, redes laborais, grupos territoriais etc.); e o acerto das estratégias políticas de curto e médio prazos implementadas pelas forças políticas progressistas, claramente em contraste com certa “apatia cultural” e um espírito de derrotismo que começou a tomar conta dos chamados “partidos históricos”, particularmente, durante a última década. Ainda que todas essas razões tenham sido objeto de debate e não tenham recebido adesão unânime, também é certo que qualquer explicação que venha a privilegiar em excesso uma só das causas expostas aparecerá como insuficiente. Não obstante, como existe uma postulação majoritária (mesmo que também contestada), a maioria das razões da primazia progressiva das esquerdas no país deve ser buscada no terreno da competência política, e não fora dela.

No entanto, por trás da amplitude das cifras de 31 de outubro de 2004, não se pode incorrer no erro ou na ingenuidade de esquecer sequer por um instante que o pano de fundo social dramático se configurou também em marco central no qual se produziu um último impulso de crescimento e, finalmente, a concreção da vitória eleitoral da esquerda.

Resumindo, apesar do caráter prioritariamente político do fenômeno, seria equivocado e até perigoso menosprezar esses dados sociais na hora de interpretar as razões do último crescimento e do triunfo da esquerda no Uruguai. Uma eleição, por mais espetaculares que sejam as mudanças que produza, nunca é um final de história: na democracia não existem vitórias finais. Entretanto, bem se poderia dizer que, se a revolução nacionalista de 1904 pode ser vista como a inflexão que terminou o século XIX uruguaio e começou para o país o século XX, a recente eleição de 31 de outubro e a transição política que se seguiu talvez possam ser interpretadas como o marco que separou, na história da política nacional, o século XX do século XXI. Após longas décadas e várias gerações, portadora de uma tradição que expressa uma história de luta de homens e mulheres e não apenas a trajetória mais abstrata de um grupo de ideias, a esquerda uruguaia, acostumada a “perseverar sem triunfar” – virtude que Carlos Quijano destacava ao revisar a trajetória cívica de Emilio Frugoni, fundador do Partido Socialista uruguaio –, assumiu o governo nacional em circunstâncias muito difíceis para o país.

Os discursos do novo presidente Tabaré Vázquez durante o começo de seu mandato foram moderados, mas claros na perspectiva de que seu governo iria buscar o que ele mesmo qualificou de “mudanças possíveis, responsáveis, continuadas, progressivas, com sentido de nação e tendo as pessoas como centro e norte”. O governo, em suma, enfrentaria tarefas de uma magnitude que transcenderia as possibilidades que outorgam as maiorias parlamentares. Havia milhares de compatriotas, cujas necessidades não deixavam espaço a esperas e muito menos a postergações, a maioria dos quais não estava sequer organizada nem podia repercutir suas reivindicações nem aproveitar plena e rapidamente (sem capacitação adequada às novas demandas do mercado de trabalho) as oportunidades de uma economia em crescimento. A cidadania deu mostras de zanga; votou zangada no referendo sobre a Lei de Associação da ANCAP, em dezembro de 2003, e nas eleições de junho e outubro de 2004. E não é fácil gerenciar o voto zangado, sobretudo para o vencedor, de quem logicamente mais se solicitará. É certo, porém, que se pôde perceber nos dias de campanha, como também durante a eleição, uma cidadania que queria acreditar e que parecia cansada de agnosticismos cívicos, de democracias rotineiras e desencantadas, que não exibiam virtudes republicanas.

 

Atualização (2005 – 2015)

por Mônica Rodrigues

O primeiro mandato de Tabaré Vázquez

 

Depois de 175 anos de governos colorados, nacionalistas ou de ditaduras cívico-militares, a esquerda uruguaia chegou ao poder com Tabaré Vázquez, eleito presidente em 2005 pela Frente Ampla. Foi uma vitória absoluta. E as forças que apoiavam o novo mandatário também conquistaram a maioria em ambas as Câmaras Legislativas. Mas Vázquez herdou um país em recessão e mergulhado numa profunda crise social, com a taxa de desemprego batendo na casa dos 20%.

Sob sua administração, a economia voltou a crescer, graças a uma conjuntura favorável aos preços de exportação dos produtos uruguaios e, sobretudo, devido à reativação econômica promovida pela distribuição de renda, oriunda das políticas sociais governamentais. Estas se constituíram na maior prioridade de Vázquez. O presidente criou o Ministério de Desenvolvimento Social, responsável pela implantação do Plano de Atenção Nacional de Emergência Social (Pasen). E, com uma verba inicial de US$ 200 milhões, o Pasen distribuiu alimentos e dinheiro às famílias carentes, que “pagavam” a ajuda com serviços comunitários. Desse modo, aproximadamente 200 mil pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza foram beneficiadas pelo programa.

Além disso, cerca de 90% dos aposentados e 80% dos trabalhadores deixaram de pagar imposto de renda ou tiveram as alíquotas reduzidas depois que o governo promoveu um ajuste fiscal. Ele ainda foi acompanhado de uma lei aprovada pelo Parlamento que instituiu o piso salarial nacional. O montante serve de base para o cálculo do salário mínimo e também para o piso de cada categoria profissional. No geral, o salário no governo Vázquez cresceu 19%. E a pobreza extrema foi reduzida para menos da metade – de 4,7% para 1,7% –, enquanto a pobreza diminuiu em quase um terço – de 32% para 21%. Assim, ao final do mandato, o presidente comemorava ter retirado da pobreza perto de 260 mil pessoas, e 59 mil da pobreza extrema.

O governo também se valeu do cenário internacional favorável para reduzir o peso da dívida externa em relação ao PIB, que passou de 69%, no início do mandato, para 39% ao seu final. O Uruguai ainda quitou as dívidas com o FMI, e as necessidades de financiamento externo também caíram de 23% para 6% do PIB.

Em 2007, o país se tornou a primeira nação latinoamericana a legalizar a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em 2009, o Congresso aprovou a adoção de crianças por casais gays. E, nesse mesmo ano, a eutanásia foi aceita, desde que o paciente expresse sua vontade de apelar para o procedimento.

Dessa forma, Tabaré Vázquez terminou o mandato com a popularidade em alta. Nas prévias que escolheriam o candidato da Frente Ampla à presidência, ele apoiou Danilo Astori, seu ministro da Economia, mas o escolhido foi Pepe Mujica, ministro da Agricultura e Pesca, que encabeçou a chapa tendo Astori como vice-presidente. Mujica foi eleito em segundo turno com cerca de 52% dos votos.

 

O governo Pepe Mujica

Ex-líder guerrilheiro dos Tupamaros, capturado quatro vezes pelas forças de repressão do regime ditatorial, contabilizando treze anos passados na prisão, boa parte deles numa solitária, Pepe Mujica assumiu o governo em 2010, dando continuidade, em linhas gerais, ao legado de Vázquez. Assim, as políticas de inclusão social e de distribuição de renda seguiram como prioridade.

Ele herdou um país que crescia a uma taxa de 10,4%, com o desemprego de 6,2% da população economicamente ativa. Contudo, por volta da metade de seu mandato, o vigor da economia arrefeceu, como na maioria dos países da região, um reflexo da recessão internacional. Mas as políticas sociais mantiveram seu ritmo de expansão, garantindo a popularidade do presidente.

Durante o governo de Mujica, o Uruguai deixou para trás a fama de paraíso fiscal sul-americano. O país assinou acordos relacionados à troca de informações fiscais, que se materializaram no relatório apresentado ao Fórum Global de Transparência Fiscal e Troca de Informação. Outra iniciativa foi classificar como hediondos e, portanto, imprescritíveis, os crimes de violação dos direitos humanos cometidos durante os doze anos (de 1973 a 1985) de ditadura militar.

Porém, as características mais marcantes do mandato de Pepe Mujica – ao lado do fascínio da mídia em torno de seu modo simples e austero de vida, que contrasta fortemente com grande parte dos dirigentes políticos – foram os avanços no campo dos costumes. O Uruguai aprovou a legalização do aborto, assim como a descriminalização do consumo de maconha. A lei uruguaia regula o consumo, o cultivo, a distribuição e o comércio da erva, todos sob supervisão estatal. Estimava-se que entre 150 e 200 mil usuários de maconha passariam a recebê-la do Estado.

A “lei da maconha”, como era de se esperar, ganhou as páginas da imprensa local e do mundo, ofuscando outra iniciativa tão ou mais importante: a aprovação da lei de democratização dos meios de comunicação, cujos principais pontos são:

  • Nenhuma pessoa ou entidade pode ter mais do que seis licenças de TV em todo o país, ou mais de três, se uma delas estiver localizada na capital, Montevidéu;
  • Os concessionários de mídia devem pagar uma taxa para utilizar o espectro de ondas e sofrem penalidades monetárias ao desrespeitarem as regras vigentes;
  • Cada partido político tem direito a um espaço de propaganda eleitoral gratuita na TV, na proporção do seu desempenho na eleição precedente;
  • Pelo menos 60% do conteúdo da TV pública deve ser oriundo de produção uruguaia ou de coprodução com participação de empresas nacionais;
  • Pelo menos 30% da programação nacional de TV deve ser gerada por produtores independentes. Nenhum produtor será responsável por mais de 40% da programação de uma emissora de rádio;
  • Institui-se a criação de um Conselho de Comunicação Audiovisual composto por cinco membros: um nomeado pelo governo e os demais pelo Congresso, com mandatos de seis anos que podem ser renovados por três anos apenas uma vez;
  • Proibição da exposição de crianças a publicidade relacionada a álcool, fumo ou qualquer outro “produto insalubre”;
  • Nenhum provedor de serviço de TV poderá ter mais de 25% do total de assinantes em domicílios da zona rural.

Ao deixar a presidência em janeiro de 2015, Pepe Mujica assumiu seu mandato no Senado.

O segundo mandato de Tabaré Vazquez

Tabaré Vázquez triunfou no segundo turno das eleições presidenciais, e a Frente Ampla conseguiu novamente maioria no Congresso. Raul Fernando Sendic Rodriguez, filho do mais conhecido dirigente tupamaro, Raul Sendic, foi eleito vice-presidente da chapa de Vázquez, representando setores mais à esquerda dentro da Frente Ampla. O presidente também anunciou que Danilo Astori assumiria a condução da economia, como em seu primeiro governo, e que submeteria a lei de liberalização da maconha a uma avaliação.

O então presidente José Mujica se reúne com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, na Casa Branca, em maio de 2014 (Casa Branca)

 

Mapas

Quadros Estatísticos

Indicadores demográficos do Uruguai

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020*
População
(em mil habitantes)
2.239 2.539 2.810 2.916 3.110 3.321 3.372 3.482
• Sexo masculino (%) 50,58 50,04 49,70 49,05 48,50 48,40 48,27 48,42
• Sexo feminino (%) 49,42 49,96 50,30 50,95 51,50 51,60 51,73 51,58 
Densidade demográfica
(hab./km²)
13 15 16 17 18 19 19 20 
Taxa bruta de natalidade
(por mil habitantes)**
21,23 21,90 21,12 18,34 18,16 15,94 14,5* 13,5
Taxa de crescimento
populacional**
1.16 1.19 0,15 0,65 0,72 0,03 0,34* 0,31
Expectativa de vida
(anos)**
66,11 68,34 68,77 70,98 73,03 75,31 77,1* 78,7 
População entre
0 e 14 anos (%)
27,88 27,86 27,90 26,93 26,01 24,55 22,51 20,7 
População com
mais de 65 anos (%)
8,23 8,16 8,91 10,52 11,64 13,09 13,88 14,9 
População urbana (%)¹ 77,93 80,24 82,37 85,39 88,97 92,03 94,41 95,97 
População rural (%)¹ 22,07 19,76 17,63 14,61 11,03 7,97 5,59 4,03 
Participação na população
latino-americana (%)***
1,33 1,15 0,98 0,80 0,70 0,63 0,57 0,53 
Participação na
população mundial (%)
0,089 0,084 0,076 0,066 0,058 0,054 0,049 0,045 
Fontes: ONU. World Population Prospects: The 2012 Revision Database
¹ Dados sobre a população urbana e rural retirados de ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision 
* Projeções. | ** Estimativas por quinquênios. | *** Inclui o Caribe.
Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados indicada.

Indicadores socioeconômicos do Uruguai

1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020*
PIB (em milhões de US$ a
preços constantes de 2010)
20.908,3 28.154,1 38.881,0
• Participação no PIB
latino-americano (%)
0,79 0,79 0,78 … 
PIB per capita (em US$ a
preços constantes de 2010)
6.722,9 8.477,6 11.526,3 … 
Exportações anuais
(em milhões de US$)
232,5 1.058,5 1.692,9 2.383,8 8.030,7 … 
• Exportação de produtos
manufaturados (%)
20,0 37,9 38,8 41,9 26,0
• Exportação de produtos
primários (%)
80,0 62,1 61,2 58,1 74,0 … 
Importações anuais
(em milhões de US$)
1.668,2 1.266,9 3.311,1 8.557,7 … 
Exportações-importações
(em milhões de US$)
-609,7 426,0 -927,3 -527,0
Investimentos estrangeiros
diretos líquidos
(em milhões de US$)
289,5 274,1 2.348,8
Dívida externa total
(em milhões de US$)
1.659,8 3.928,7 8.894,9 18.425,2
População Economicamente
Ativa (PEA)
1.168.685 1.355.251 1.569.144 1.651.652 1.778.242 
• PEA do sexo
masculino (%)
67,92 61,97 57,54 56,20 55,15
• PEA do sexo
feminino (%)
32,08 38,03 42,46 43,80 44,85
Taxa anual de
desemprego urbano
8,9 13,5 7,0
Analfabetismo
acima de 15 anos (%)
1,90 … 
• Analfabetismo
masculino (%)
2,40 … 
• Analfabetismo
feminino (%)
1,50 … 
Matrículas
no ciclo primário
354.096 331.247 346.416 360.834° 341.885 … 
Matrículas
no ciclo secundário
168.083 265.947 303.883° 287.381 … 
Matrículas
no ciclo terciário
36.298 71.612 91.175° 163.156 … 
Professores 66.734
Médicos¹ 1.164 3.070 5.400 9.061 12.362 15.049 … 
Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH)²
0,658 0,691 0,740 0,779
Fontes: CEPALSTAT
¹ Os dados de 1960 se referem somente ao Ministério da Saúde
² UNDP. Countries Profiles
* Projeções. | ° A partir do ano de 1998 os dados de matrícula passaram a ser calculados segundo nova classificação, sendo os dados até 1997 não estritamente comparáveis com os dos anos seguintes.
Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados ou no documento indicados.

Eleições de 31 de outubro de 2004

Total
de votos
% sobre
habilitados
para votar
% sobre votos emitidos % sobre votos
válidos
Partido EP/FA/NM 1.124.761 45,21 50,45 51,7
Partido Colorado 231.036 9,29 10,36 10,6
Partido Nacional 764.739 30,74 34,30 35,1
Partido Independiente 41.011 1,65 1,84 1,9
Partido de los Trabajadores 513 0,02 0,02 0,0
Partido Intransigente 8.572 0,34 0,38 0,4
Partido Liberal 1.548 0,06 0,07 0,1
Partido Unión Cívica 4.859 0,20 0,22 0,2
Soma de votos válidos 2.177.039 87,50 98 100,0
Votos em branco 31.031 1,25 1,39
Envelopes com folhas anuladas em sua totalidade 21.383 0,86 0,96
Votos observados anulados 158 0,01 0,01
Total de votos emitidos 2.229.611 89,61 100,00
Total de habilitados
para votar
2.488.004 100,00
Fonte: Área de política e relações internacionais do Banco de Dados da Faculdade de Ciências Sociais (UdelaR).

Votos válidos por partido em % (1984-2004)

Partido
Colorado
Partido
Nacional
U. Cívica/
P.D.C./P.I.
Frente Ampla Novo Espaço Outros Total
1984 41,2% 35,0% 2,5% 21,3% 0,0% 100%
1989 30,3% 38,9% 21,2% 9,0% 0,6% 100%
1994 32,3% 31,2% 30,6% 5,2% 0,7% 100%
1999 32,8% 22,3% 40,1% 4,6% 0,2% 100%
2004 10,6% 35,1% 2,1% 51,7% 0,5% 100%
Fonte: Área de política e relações internacionais do Banco de Dados da Faculdade de Ciências Sociais (UdelaR), com base em dados da Corte Eleitoral.

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