Qual horizonte de emancipação?
Seria possível afirmar que esse conjunto de transformações se inscreve no advento de um capitalismo de plataforma (Leite, del Bono, Lima, 2023; Srnicek, 2016; Abdelnour, Bernard, 2018) ou de uma « economia dos pequenos negócios » (gig economy) (Huws, Spencer, Syrdal, Holts, 2017; Vallas, Schor, 2020)? Em todos esses casos, a definição e a natureza dos fenômenos escapam à toda regulação global. Coloca-se então uma questão de fundo: haveria uma ruptura ou uma continuidade com o salariado e o Estado social? (Carelli, Dieuaide, Kesselman, 2022)? É possível que se trate de um novo modo de produção? Haveria uma « meta-categoria » tal como o trabalho digital ou « trabalhadores de plataformas » ou mesmo especificidades que caracterizam essas figuras? (Brodersen, Dufresne, Joukovsky, Vitali, 2024; Casilli, 2019). As mutações do trabalho plataformizado e seu caráter « ambivalente » nos contextos do Norte e do Sul seriam comparáveis? (Rizek, 2023; Abílio, 2020; Flichy, 2019)? Em resumo, a « quarta revolução industrial » digital seria uma noção centrada no Ocidente (Leterme, 2019)? Qual seria o papel motor da finança e das crises sucessivas nesse processo (Sauviat, 2019)? A difusão da mobilização do trabalho pelas plataformas digitais multinacionais seria suficiente para criar as condições de uma verdadeira mundialização do mercado de trabalho? Em caso afirmativo, quais seriam suas condições? A emancipação pelo trabalho e pelo emprego, nos contextos do Norte e do Sul, permaneceria como um horizonte que mobiliza os trabalhadores digitais?
A maioria dos trabalhadores de plataformas especializados em entrega de refeições ou transporte de passageiros são hoje trabalhadores racializados, descendentes de escravizados no Brasil e descendentes da imigração pós-colonial na França. Essa realidade estatística, claramente estabelecida (Dablanc, Aguilera, Krier, Cognez, Chretien, Louvet, 2022; Santos, Carelli, 2022), se articula com as representações racializadas do trabalho plataformizado associadas aos empregos precários e da base da pirâmide social (Van Doorn et al., 2023). Como essa racialização se desenvolve a partir dos tensionamentos postos em operação por um capitalismo racial de plataforma (Marchadour, 2024, Gebrial, 2022; Bernard, 2023)? Essa perspectiva abre uma discussão a partir das margens, sobre a natureza mesma das plataformas no âmbito do capitalismo. Dessa perspectiva, a abordagem desenvolvida por Santos (2022: 16) a respeito das « áreas duras » e « áreas moles » permite ecoar a noção de zona cinzenta. Com efeito, de acordo com o autor, elas « estruturam as ‘fronteiras invisíveis’ no espaço social das relações sociais que se opõem através dos constrangimentos a indivíduos ou aos grupos indesejados em lugares e contextos determinados », o que remete à acepção de zona cinzenta de Minassian (2011).