Litígios envolvendo bancos no Brasil: a primeira radiografia*

Trabalho sistematizou cerca de 120 mil ações judiciais julgadas no TJSP em 2019

Por que os bancos têm protagonismo no Judiciário? Os bancos ganham ou
perdem? Quais são os temas recorrentes? Quanto tempo demoram as ações?
Por quais valores os bancos movem ações ou se tornam réus?
Essas perguntas são respondidas no trabalho realizado pelo advogado Pedro
Augusto Gregorini, na Universidade de São Paulo, dentro das atividades de
pesquisa e extensão do grupo Acredito, que promove ações para a sustentabilidade do crédito, e em parceria com os professores Evandro Saidel,
Ildeberto Rodello e Luciana Morilas, do grupo Habeas Data, especializado em
jurimetria e análise de dados, também da USP.
O trabalho sistematizou cerca de 120 mil ações judiciais, o que corresponde às
decisões envolvendo os bancos Bradesco, Itaú e Santander julgadas no TJSP em 2019. Um vídeo de cinco minutos sobre os principais achados pode ser
visualizado clicando aqui.

A primeira constatação: os bancos foram autores em 30,84% das ações
sentenciadas no período; e foram réus em 69,14% dos casos. Há várias
descobertas. Mencionaremos três.
Primeiro: os bancos ainda usam o Judiciário como balcão de cobrança. Ao longo
dos anos, muitas medidas facilitaram a retomada de garantias, desde a perda de
protagonismo das hipotecas e a consagração da alienação fiduciária em
garantia, até as medidas de desburocratização e desjudicialização da retomada
de bens. Ainda assim, as medidas de satisfação de crédito e execução de
garantia são os motivos pelos quais os bancos mais litigam na condição de
autores.
Os estudos do CNJ apontam as instituições financeiras dentre os maiores
litigantes das Justiças Estaduais do país. De um lado, a recuperação de crédito
faz parte da atividade-fim do Direito e o Judiciário é o braço de confiabilidade
para a execução dos contratos. De outro, o grande volume de ações em que as
instituições financeiras são parte faz questionar se os recursos públicos
envolvidos na solução judicial dos casos são empregados, de fato, para a solução
dos conflitos mais importantes da sociedade.
Segundo: as ações que reconhecem direitos aos consumidores (total e parcial
procedência e homologação de acordo) são, em geral, em maior volume do que
as ações improcedentes. Os dados são capazes de lançar luzes sobre um grande
debate: os consumidores são excessivamente litigantes ou os bancos mantêm
práticas que não conseguem ser dirimidas fora dos tribunais?

O fato de que a maior parte dos consumidores têm direitos reconhecidos, ao
menos parcialmente, indica que os juízes, ao analisarem os casos concretos,
acatam as pretensões dos consumidores. Além disso, os bancos também
reconhecem as pretensões, pois realizam acordos com os consumidores. Por
que optam por acordo judicial, em vez de resolver a questão extrajudicialmente,
via SAC? A resposta a essa pergunta é determinante para a administração
judiciária.
Terceiro: os bancos não são iguais e o volume de litígios não necessariamente
corresponde aos seus respectivos tamanhos de mercado (volume de ativos ou
de clientes). Isso indica que adotam estratégias diferentes, capazes de diminuir
os litígios sobre determinados assuntos, alterar o sucesso ou insucesso em
temas específicos ou impactar o tempo de tramitação.


Em um ambiente no qual se espera muito da autorregulação do setor, a
descoberta é relevante. Ao provarmos que há particularidades em cada banco,
entendemos que há espaço para que eles desenvolvam estratégias que os façam
ter menos litígios como autores ou réus.


A descoberta inspira a investigação dos procedimentos internos das instituições.
Se um determinado banco empresta muito, mas usa pouco o Judiciário para
recuperar os recursos, há indícios de que a concessão de crédito foi mais
cuidadosa, selecionando clientes com melhor aptidão para o pagamento pontual
ou com melhores garantias. Por outro lado, se o banco é muito litigado e com
frequência perde as demandas, há indícios de que existe uma frágil estrutura de
vendas de produtos, de comunicação e de atendimento às demandas dos
consumidores.


A seguir, apresentamos os dados sobre os três pontos levantados.

1) O Poder Judiciário usado como balcão de cobrança

Quando são autores, o procedimento mais frequente é a execução de título
extrajudicial (35,64%)

Fonte: Pedro Augusto Gregorini. Jurimetria Aplicada às Demandas Bancárias. Dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, sob orientação de Maria Paula Bertran, 2021. Todas as figuras foram extraídas da mesma fonte

Cerca de 60% dos procedimentos ajuizados visam obter a satisfação de débitos:
execução de título extrajudicial (35,64%), busca e apreensão de bens (16,06%),
monitória (6,52%), reintegração de posse (0,75%) ou execução hipotecária do SFH
(0,31%). Pelos procedimentos empregados, é possível afirmar que os bancos
utilizam o Judiciário como balcão de cobrança.
Já quando os bancos são réus, o mais frequente é o Procedimento Comum-Cível
e o Procedimento de JEC. Ou seja, enquanto os bancos ajuízam ações para a
recuperação de ativos, os consumidores usam o Judiciário para discutir a relação
de consumo.

Figura 2: Procedimentos em que os bancos são réus

2) Os consumidores têm as suas pretensões acolhidas

Analisamos as sentenças nas ações em que os bancos são réus. Os gráficos se
referem aos procedimentos comum-cível, procedimentos de JEC e procedimentos especiais.


As sentenças no Procedimento Comum-Cível foram: parcialmente procedentes
(21,08%), procedentes (18,54%) e homologatórias de acordo (7,14%). Ou seja,
enquanto os acordos e a total/parcial procedência totalizaram 46,76%, a
improcedência foi de apenas 22,95%.

Figura 3: Sentenças nos procedimentos comum-cível em que os bancos são réus

Já as sentenças no Procedimento de JEC foram: parcialmente procedentes
(39,59%), procedentes (20,56%) e homologatórios de acordo (11,25%). Ou seja,
enquanto os acordos e a total/parcial procedência totalizaram 71,40%, a
improcedência foi de apenas 24,63%

Figura 4: Sentenças nos procedimentos de juizado especial em que os bancos são réus

As sentenças nos Procedimentos Especiais foram: parcialmente procedentes
(6,39%), procedentes (56,97%) e homologatórios de acordo (4,70%). Ou seja,
enquanto os acordos e a total/parcial procedência totalizaram 68,06%, a
improcedência foi de apenas 20,86%.

Figura 5: Sentenças nos procedimentos especiais em que os bancos são réus

Os gráficos de sentença consideram todos os assuntos em cada tipo de procedimento. Todavia, é possível analisar as sentenças relacionadas a cada tipo de assunto (ex: “cartão de crédito” ou “seguro”). Ainda que os índices variem, nota-se que em todos os assuntos o acolhimento das pretensões dos consumidores é maior do que a improcedência.

3) Valor da causa: os bancos não são iguais

75% das ações ajuizadas pelo banco Bradesco têm valor de até R$ 73 mil. Itaú e
Santander têm o mesmo quartil com valores mais altos: R$ 131 mil e R$ 155 mil,
respectivamente.

Figura 6: Valor das ações em que os bancos são autores

Por outro lado, 75% das ações contra o Bradesco têm valor de até R$ 37 mil. Em
relação ao Itaú e Santander, 75% das ações contrárias têm valor até R$ 32 mil e
R$ 23 mil, respectivamente.

Figura 7: Valor das ações em que os bancos são réus

Além dos achados acima, o trabalho completo explora temas específicos dos
litígios bancários, como dano moral e contratos de seguro. O Grupo Acredito,
think tank que reúne atividades de extensão e pesquisa na Universidade de São
Paulo (o link pode ser acessado clicando aqui), planeja ampliar os dados para
investigar outras instituições financeiras, mais jurisdições e intervalos temporais
maiores.
Esperamos que o levantamento possa subsidiar o refinamento das práticas de
autorregulação e organização bancárias, promover reflexões sobre a inteligência dos recursos públicos judiciários e assessorar os consumidores.


PEDRO AUGUSTO GREGORINI – Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Civil pela USP. Pesquisador na área de jurimetria (estatística aplicada ao Direito) na USP. Advogado autônomo (Direito Civil e Direito do Consumidor)


MARIA PAULA BERTRAN – Professora de Direito Econômico da USP. Pesquisadora na área de jurimetria e fundadora do Acredito Think Tank, grupo de pesquisa e extensão da USP

*Texto publicado originalmente no portal Jota.info, em 24/02/2023, às 05:10. Acesse clicando aqui.