FURQUIM, Laura (2018). Arqueobotânica e mudanças socioeconômicas durante o Holoceno Médio no sudoeste da Amazônia

Resumo 
Nos últimos dez anos, há um crescente esforço na Arqueologia Amazônica para repensar as mudanças sociais e econômicas acerca dos processos de longa duração dos povos indígenas durante o período pré-colonial. O Período Formativo, cunhado para alocar tais populações em um estágio intermediário de evolução, vem sendo descontruído em prol de perspectivas alternativas sobre as formas de organização e interação que refletem o tecer e o constante re-tecer das redes ameríndias, com base em historicidades cíclicas contra-estatais que inibem a centralização política. Neste contexto, diversos estudos vêm contribuindo para a desvinculação dos traços materiais “formativos”, tais quais a emergência da vida sedentária, de plantas domesticadas, da produção de cerâmicas utilitárias e um processo progressivo de intensificação da produtividade agrícola. Há uma gradativa mudança do fator ambiental, de gatilho de adaptações humanas para produto das escolhas sociais na formação de florestas antrópicas e criação de uma biodiversidade de plantas úteis. A crítica ao determinismo agrícola e à presença de staple foods se combina com um crescente investimento na compreensão acerca da convivência entre espécies domesticadas e silvestres e da existência de contextos de abandono de espécies domesticadas (como o milho), e nos abrem espaço para repensar o papel do cultivo na Amazônia Antiga. Neste cenário, a presente pesquisa teve como objetivo reunir e produzir dados arquebotânicos que permitissem uma avaliação do modelo de intensificação agrícola e da construção de florestas antropogênicas. O Sudoeste Amazônico, marcado por uma transição entre savanas, cerrados e florestas, é a região em que teria ocorrido a domesticação de importantes cultivares indígenas (como a mandioca e a pupunha), e foi caracterizado como um dos locais de avanço do Período Formativo no passado. Através de uma análise diacrônica dos macro-vestígios vegetais presentes no sambaqui Monte Castelo entre as ocupações dos estratos Sinimbu (cal 7.423 – 6.936 A.P. a cal. 4.987 – 4.566 A.P.) e Bacabal (cal. 4.628 – 3.982 a cal. 803 – 624 A.P.), buscamos avaliar estas mudanças socioeconômicas transcorridas entre o Holoceno Médio e Tardio. Caracterizamos uma assembleia botânica formada por espécies domesticadas, manejadas e silvestres, típicas de diferentes ambientes, que indicam uma prática conjunta e constante de cultivo, manejo e coleta, que pode ter sido modificada no Holoceno Tardio por conta de transformações sociais na bacia do Rio Guaporé. Em suma, acompanhamos a história dos cultivos, junto à história dos processos de mudanças e continuidades nos padrões de mobilidade humana, e de dispersão das espécies identificadas, permeando-nos por um debate crítico acerca dos conceitos de agricultura, domesticação, evolução e complexidade social.