Reunião Ministerial dos BRICS e o Reforço de Conceitos para a Presidência Russa do Grupo em 2020

Reunião Ministerial dos BRICS e o Reforço de Conceitos para a Presidência Russa do Grupo em 2020

Bruce Roberto Scheidl Campos

Valdir da Silva Bezerra

 

No dia 28 de abril de 2020, ocorreu por meio de videoconferência capitaneada pelo Ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov a reunião extraordinária dos Ministros das Relações Exteriores do grupo BRICS. A reunião teve como seu ponto focal discutir os problemas, tanto políticos como econômicos, causados pela crise global referente ao coronavírus.

Em seu discurso de abertura antecedendo a reunião, Lavrov enfatizou a preocupação dos BRICS quanto à contenção do surto da COVID-19, assim como com a proteção da vida e da saúde dos cidadãos frente a pandemia. O chanceler russo destacou ainda que o combate a doenças infecciosas tem sido prioritário já há um bom tempo no âmbito dos BRICS e mencionou a declaração final da cúpula de Ufa (também na Rússia), de 2015, na qual orientou-se o trabalho conjunto dos governos do grupo quanto ao gerenciamento de risco de epidemias, incluindo até mesmo novas variantes de coronavírus.[1]

Entretanto, como destacaram Elen de Paula Bueno e Cassio Zen em artigo de opinião recente, o gerenciamento de risco de epidemias, inclusive de coronavírus, foi mencionado somente na declaração de Ufa mencionada pelo chanceler russo, não voltando a repetir-se em ocasiões posteriores. Apesar disso, a reunião de Chanceleres realizada em plena pandemia corrobora o fato de que o enfrentamento a COVID-19 deve ser o principal assunto das reuniões do grupo sob a presidência russa do BRICS.

Com efeito, a atual crise afeta múltiplos setores da sociedade, abarcando inclusive os três eixos prioritários da presidência russa do BRICS em 2020 – paz e segurança[2]; economia, comércio e finanças; cultura e abordagens do tipo people-to-people contact. Diante de tal cenário, o ministro Lavrov instou os países do BRICS a coordenarem seus posicionamentos em foros multilaterais, em torno principalmente do enfretamento da pandemia de COVID-19, a começar pela Organização das Nações Unidas (ONU), o G20, a Organização Mundial da Saúde, a Organização Mundial do Comércio, etc. De fato, somente esforços multilaterais, como os sugeridos pelo BRICS, podem se fazer eficazes no enfrentando de uma crise que excede a capacidade individual dos Estados.

 

Reforçando Princípios por Ocasião do Ano da Presidência Russa dos BRICS

Além de tratar da situação envolvendo o atual estado de enfrentamento do coronavírus, a reunião de Ministros também reiterou a importância de alguns princípios demasiado caros aos países do grupo, como: o multilateralismo nas relações internacionais, a necessidade do direito internacional para a solução de problemas que escapam à jurisdição individual dos Estados, a defesa de uma ordem global democrática e multipolar baseada no respeito mútuo pelos interesses legítimos de todos os países (e condizente com os ditames da Carta das Nações Unidas)[3], entre outros.

Tais temas continuam sendo de fundamental relevância no contexto atual, caracterizado por uma profunda instabilidade política e econômica ao redor do mundo. Com efeito, ações de caráter unilateral adotadas no passado por determinados Estados, lembra o BRICS, geralmente demonstraram-se infrutíferas e ineficazes na solução de problemas complexos das relações internacionais, uma lição importante a ser levada em consideração no contexto atual de combate a pandemia de coronavírus. De fato, a repetida menção de elementos presentes em Declarações anteriores do BRICS, como por ocasião da última reunião dos Ministros das Relações Exteriores, não se trata somente de exercício de retorica, mas da confirmação do compromisso de seus países-membro com a defesa dos princípios que os uniram ainda em 2009, quando da primeira reunião do grupo em Ecaterimburgo (na Rússia).

A força do BRICS reside justamente no fato de que embora composto por países bastante heterogêneos do ponto de vista social, político e cultural, o grupo persegue o objetivo comum de resistir a um sistema internacional unipolar, com o fito de democratizar a política mundial, objetivo esse traduzido na defesa do multilateralismo e da multipolaridade nas relações internacionais[4]. Com efeito, em 2009 o então BRIC (a inclusão da África do Sul se daria apenas em 2011) já apontava para a necessidade da inclusão de um conjunto mais amplo de atores nos processos globais de tomada de decisão, e o fato do grupo ter recentemente completado 10 anos de sua existência reiterando diversos princípios presentes em seu primeiro documento conjunto é sobremodo notável.

Para a Rússia em particular, sede da próxima reunião dos BRICS em 2020, o grupo reflete a tendência rumo à formação de um sistema policêntrico (no âmbito decisório) das relações internacionais[5], representando importante plataforma de cooperação entre Estados – de certo modo – insatisfeitos com sua posição e voz em diferentes mecanismos de governança global. Ademais, as prioridades da presidência russa do BRICS em 2020 incluem ainda temas como: o fortalecimento dos princípios multilaterais na política global (como mencionado por Sergey Lavrov durante a reunião Ministerial de Abril)promoção de uma agenda baseada nos princípios e normas universalmente reconhecidas do direito internacional e no interesse comum dos Estados; consolidação de esforços coletivos para a solução de desafios e ameaças globais e regionaisbem como o  fortalecimento de laços na área de saúde, incluindo a adoção de medidas conjuntas no combate a doenças infecciosas e não infecciosas[6], tópico de especial relevância em 2020 devido à crise da pandemia de COVID-19.

Com efeito, o BRICS mais uma vez tem a chance de protagonizar iniciativas conjuntas inovadoras no âmbito de sua cooperação não somente na área de saúde, como também nos campos econômico, financeiro e social, aspectos esses sempre presentes nas discussões do grupo. Entretanto, resultados positivos nessa direção dependem mais do que nunca da coordenação política dos países do BRICS, a qual pode infelizmente ser dificultada pela pouca disposição do atual governo brasileiro em cooperar com a China e por sua aversão ao multilateralismo, além de outros conflitos latentes surgidos entre importantes membros do grupo, como no caso dos recentes incidentes fronteiriços envolvendo China e Índia.

[1] LAVROV, Sergey. Extraordinary meeting of the BRICS Ministers of Foreign Affairs/International Relations. URL: <https://eng.brics-russia2020.ru/news/20200428/390924/Extraordinary-meeting-of-the-BRICS-Ministers-of-Foreign-AffairsInternational-Relations-.html>

[2] Baseadas em posicionamentos comuns em foros econômicos multilaterais.

[3] LAVROV, Sergey. Foreign Minister Sergey Lavrov’s opening remarks at the extraordinary meeting of the BRICS Ministers of Foreign Affairs/International Relations, Moscow, April 28, 2020. URL: <Foreign Minister Sergey Lavrov’s opening remarks at the extraordinary meeting of the BRICS Ministers of Foreign Affairs/International Relations, Moscow, April 28, 2020> (11.06.2020)

[4] BRIC. Joint Statement of the BRIC Countries’ Leaders. Russia: 2009. URL: <http://en.kremlin.ru/supplement/209>

[5] C O N C E P T OF PARTICIPATION OF THE RUSSIAN FEDERATION IN BRICS. URL: <http://static.kremlin.ru/media/events/eng/files/41d452b13d9c2624d228.pdf>

[6] PRIORITIES OF THE RUSSIAN BRICS CHAIRMANSHIP IN 2020. Russia: 2020. URL: <https://eng.brics-russia2020.ru/russia_in_brics/20191226/1469/Priorities-for-the-Russian-Federations-presidency-of-BRICS.html>. A lista presente no corpo deste artigo não se é exaustiva. Para a lista completa das prioridades da Rússia para o BRICS em 2020 consultar o link anterior.