Marília Carbonari
Grupo de Santiago do Chile, o Gran Circo Teatro estreou seu primeiro espetáculo La Negra Éster em 1988. A história do grupo está ligada a seu diretor e fundador, Andrés Pérez Araya, que, em 1980, reuniu um grupo de jovens atores sob o nome de El Teatro Urbano Contemporâneo (TEUCO) e realizou experiências com teatro de rua. Esse período foi marcado por uma grande repressão, porém o TEUCO saiu às ruas convocando a população e apresentando peças curtas alegóricas. Em dezembro de 1980, numa apresentação do espetáculo El viaje de Maria y José a Belen y lo que aconteció en el camino, todo o elenco foi detido, acusado de mendicância e desordem pública.
Por seu trabalho com o teatro de rua, Andrés Pérez foi convidado pelo governo francês para assistir como observador aos trabalhos do Théâtre du Soleil, de Ariane Mnouchkine, e do Théâtre des Amandiers, de Patrice Chereau.
Em 1987, de volta ao Chile, Pérez começou a ensaiar La Negra Éster, composição escrita em decassílabos por Roberto Parra, que conta a vida de uma prostituta em um porto chileno. A estreia foi em uma lona de circo em Puente Alto, vilarejo próximo à capital. Depois chegou a Santiago e mais tarde ao exterior, sendo assistida por centenas de milhares de espectadores. Marco no teatro chileno da década de 1980, La Negra Éster parece atender a uma necessidade social de identificação com um popular trágico e marginalizado, abordado com tom festivo, carnavalesco e de comentário irônico acerca de si mesmo.
As encenações do Gran Circo Teatro são marcadas por uma teatralidade explícita, de tradição circense, com base num realismo grotesco, como forma de recuperar o sentido mais profundo das celebrações de caráter popular. Aliando ironia, referências chaplinianas ao cinema mudo, gran guiñol, títeres e melodrama popular, o grupo gera por meio do pastiche uma estética própria que cita, rende homenagem e satiriza diversos gêneros teatrais. A dramaturgia é construída coletivamente, fazendo coexistir diferentes linguagens cênicas. A opção por espaços não convencionais como praças, galpões e lonas de circo exige dos atores, além de técnicas circenses, um treinamento físico rigoroso, capaz de dar sustentação a uma atuação baseada na gestualidade. Nas montagens, a música é executada ao vivo, os camarins ficam à mostra, os figurinos e a maquiagem expõem, revelam, são signos de grande riqueza semântico-simbólica. As técnicas empregadas visam criar uma atmosfera na qual a emoção seja o vetor estruturador do espetáculo.
Outras montagens importantes foram: Allende, 1970 (1990), El gran circo de Chile (1990), Noite de Reis e Ricardo III (1992), La consagración de la pobreza (1995, de Alfonso Alcalde), Nemesio pelao, qué es lo que te ha pasao (1999), Voces en el Barro. Depois da morte de Andrés, em 2002, o grupo continuou trabalhando sob a direção de Rosa Ramírez e estreou em maio de 2003 a peça Todos saben quién fué, de Alejandro Marone com direção de Ivan Alvarez de Araya, que tematiza o assassinato de uma jovem por militares.