Barbacena, 1932 – Rio de Janeiro (Brasil), 1997
Por Carlos Eduardo Martins
Umas das principais referências do pensamento crítico latino-americano, Ruy Mauro Marini graduou-se, em 1957, em administração pública, na EBAP, onde foi aluno e professor-assistente de Guerreiro Ramos. Em seguida, obteve bolsa do governo francês para a Fundação Nacional de Ciências Políticas (Sciences Po). Entre 1958 e 1960, realizou ali seus primeiros estudos sistemáticos da obra de Karl Marx. De volta ao Brasil, foi um dos fundadores, em 1961, da Política Operária (POLOP) – organização que contestava as teses do partidos comunistas para a América Latina, de realização de uma revolução democrático-burguesa, propondo em vez disso um programa socialista para as lutas populares – e participou da fundação da Universidade de Brasília (UnB). Tornou-se professor-auxiliar, em 1962-1963, e professor-assistente, em 1964, em corpo docente que contava com a presença de Andre Gunder Frank, Victor Nunes Leal, Theotonio dos Santos e Vania Bambirra. Iniciou seus estudos de doutorado sobre bonapartismo, interrompidos pelo golpe militar de 1964.
Exonerado da UnB, Marini foi preso em julho de 1964 pela Marinha e libertado por decisão do Supremo Tribunal Federal; em seguida, foi sequestrado pela Marinha e entregue ao Exército. Após novo habeas corpus, exilou-se na Embaixada do México, país para o qual se dirigiu, vinculando-se ao Centro de Estudos Internacionais do Colégio do México. Durante esse período publicou artigos de destaque, entre eles “Contradicciones y conflictos en el Brasil contemporáneo” (1965), “Brazilian Interdependence and Imperialist Integration” (1966) e “Dialéctica del desarrollo capitalista en Brasil” (1966), integrados ao seu livro Subdesarrollo y revolución (1969).
Análises marxistas da dependência
Nesses trabalhos, Marini apresentou elementos fundamentais para a construção da teoria da dependência: o dinamismo tecnológico do capitalismo dependente, sua base social e a tendência ao subimperialismo, conceito que desenvolveu pela primeira vez. Ele destacou o processo de integração monopolista que se redefiniu no pós-guerra e conduziu à industrialização dos países dependentes sob a liderança do capital estrangeiro. Essa forma de industrialização se viabilizou por sua convergência de interesses com a burguesia dependente, expressa na geração de uma mais-valia extraordinária que permitiu a formação de um setor monopólico nessa burguesia.
Ao analisar o caso brasileiro, Marini mostrou a tendência a que as tensões entre esse setor do capital e a pequena e média burguesias, ligadas ao mercado interno, se dissipassem com a ameaça à taxa de lucro proporcionada pela crise econômica e pela organização dos trabalhadores. Isso permitiu que os setores burgueses se unissem em favor de medidas que restringissem o consumo popular e restabelecessem a taxa de lucro, as quais culminaram no golpe de 1964.
Conforme Marini, as contradições entre o capital estrangeiro e o mercado interno se manifestam no papel central que adquire a mais-valia extraordinária e na descapitalização que sucede os períodos cíclicos de entrada de capitais, impulsionando o consumo suntuário, o consumo estatal e a conquista de mercados externos como forma de realização de lucros. É a ofensiva em direção aos mercados externos, que inclui a exportação de capital como sua expressão mais desenvolvida, que define os fundamentos econômicos do subimperialismo.
Em 1969, a publicação de um artigo na imprensa sobre o movimento estudantil brasileiro, após a irrupção dos estudantes na vida pública mexicana, levou o governo a pressioná-lo a abandonar o país. Marini dirigiu-se, então, ao Chile. Estabeleceu-se em Concepción, aproximando-se do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), do qual se tornou dirigente, mas, a convite do Centro de Estudos Socioeconômicos (CESO), transferiu-se para Santiago. Assumiu o curso de teoria da mudança – no qual se dedicou à transição ao socialismo – e os seminários de teoria marxista e realidade latino-americana.
Desse período resultou Dialética da dependência (1973), que confirmou a importância acadêmica e política de sua obra. Partindo do método de Marx, de mover-se do abstrato ao concreto, Marini reinterpretou as categorias gerais de O Capital e elaborou o conceito de superexploração do trabalho como fundamento da reprodução ampliada do capitalismo dependente. A superexploração foi descrita por ele como a queda dos preços da força de trabalho abaixo de seu valor por três mecanismos: aumento da jornada ou da intensidade de trabalho, sem equivalente salarial, e redução de salários. Seu determinante é a competição monopolista que deprime os preços de produção e afeta negativamente as taxas de mais-valia e de lucro dos capitais dos países periféricos que a ela estão sujeitos e estabelecem, como compensação, a apropriação de mais trabalho.
Paralelamente, Marini participou da fundação da revista Chile Hoy. Os artigos que nela publicou foram a base para El reformismo y la contrarevolución: estudios sobre el Chile (1976), livro em que revisou a experiência chilena. O golpe militar levou-o a novo exílio. Após breve passagem pelo Panamá, dividiu-se, até 1976, entre a Alemanha – no Instituto Max Planck – e o México, terminando por fixar-se na Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
Nela, reencontrou parte significativa do grupo do CESO, como Theotonio dos Santos, Vania Bambirra, Orlando Caputo e Jaime Osório. Fundou a revista Cuadernos Políticos, em 1974, e o Centro de Informação, Documentação e Análise do Movimento Operário na América Latina (Cidamo), em 1977, dirigindo-o até 1982. Desenvolveu a problemática teórica estabelecida por Dialética da dependência em textos-chave, como: Las razones del neodesarrollismo (1978), em resposta a críticas de Fernando Henrique Cardoso e José Serra; Plusvalía extraodinaria y acumulación de capital (1979), no qual articulou a introdução do progresso técnico aos esquemas de reprodução de Marx, situando a mais-valia extraordinária, sua dinâmica intersetorial e a forma que adquire nos países dependentes; e El ciclo del capital en la economia dependiente (1979), em que analisa as três fases do movimento do capital na economia dependente (circulação, produção/acumulação e circulação/realização).
Estabeleceu ainda outras linhas de pesquisa dedicadas: à interpretação da conjuntura mundial; à crise do autoritarismo e à redemocratização, em que descreve a transição dos Estados de contrainsurgência para formas tuteladas de democracia – os Estados de quarto poder –, que abrem o espaço para a organização popular em direção à democracia ampliada; ao avanço do neoliberalismo na América Latina, de que é expressão seu artigo Sobre el patrón de reproducción del capital en Chile (1980); à reestruturação produtiva e seus impactos no emprego, abordada em Crisis, cambio técnico y perspectivas del empleo (1982); à crise do socialismo como movimento social ou experiência estatal; e ao pensamento latino-americano.
Fim do exílio e o difícil regresso
Com a anistia política, em 1979, Marini dividiu-se entre o México e o Brasil, mas, em 1984, voltou definitivamente ao país. O regresso lhe reservaria muitas frustrações. A criação de uma intelectualidade comprometida com a gestão liberal da base econômica criada pela ditadura, o isolamento do debate latino-americano dos anos 60 e 70, a monopolização dos meios de comunicação e a lentidão na remoção do entulho autoritário restringiram seu espaço de atuação. Entre os projetos a que se dedicou esteve a organização de cursos de pós-graduação na Fundação Escola e Serviço Público do Rio de Janeiro (FESP-RJ), sob a direção de Theotonio dos Santos, entre 1982 e 1986.
A extensão da anistia política ao campo profissional o reintegrou à UnB em 1987, onde se reincorporou ao Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais. Exerceu a coordenação de pós-graduação de ciência política e dirigiu pesquisas sobre concentração de renda, indústria automobilística e déficit público no Brasil entre 1986 e 1989. Em maio de 1990, retornou ao Rio de Janeiro, em licença sabática, e retomou as linhas de pesquisa sobre pensamento latino-americano, reconversão industrial e socialismo, no contexto da globalização e da regionalização. Desse período resultou seu livro América Latina: dependência e integração (1992). Em fins de 1993, aceitou o convite para dirigir o Centro de Estudos Latino-americanos (CELA) da UNAM. Reorganizou a pós-graduação e articulou a atividade de pesquisa em torno do pensamento social latino-americano no século XX, da qual resultou a obra coletiva La teoría social latinoamericana, que dirigiu com Márgara Millán, em quatro tomos de ensaios analíticos e três de antologia de textos clássicos.
Em seus últimos trabalhos, Procesos y tendências de la globalización capitalista (1996) e El concepto de trabajo productivo – nota metodológica (1997), buscou a construção de uma economia política da globalização, apontando a mundialização da lei do valor e a extensão da superexploração aos países centrais como características do capitalismo globalizado. Deixou uma obra composta de seis livros, mais de duzentos artigos, coordenação de sete volumes e material inédito.