Valmir Santos
O termo Teatro do Oprimido (TO) designa o projeto teatral de um dos mais importantes artistas e pensadores do teatro brasileiro e mundial, Augusto Boal. Em quase quatro décadas de história, o TO configurou-se como movimento que reúne as variadas técnicas artísticas e políticas que Boal sistematiza desde a década de 1960, quando ainda liderava o Teatro de Arena de São Paulo. Foi nos últimos anos do grupo, quando percorria sindicatos, associações comunitárias e igrejas de São Paulo, dedicando-se aos exercícios de agitprop do chamado teatro-jornal – técnicas simples que transformam notícias de jornais ou de qualquer outro material não dramático em cenas teatrais –, que Boal imaginou um projeto de ativação mais direta do espectador. O TO caracterizou-se, assim, como uma pedagogia crítica da passividade social por meio da arte, nos moldes daquela proposta pelo educador Paulo Freire em sua Pedagogia do oprimido. Já no século XXI, espalhado pelos cinco continentes em cerca de setenta núcleos, o TO continua a ser um projeto em movimento, a reboque da inquietude e da capacidade de trabalho e invenção de Augusto Boal.
Essa proposta inclui um conjunto de exercícios, jogos e técnicas teatrais que visam à desmecanização física e intelectual de quem o pratica. Em resumo, Boal critica o que chama de Poética da Opressão proveniente de Aristóteles, na qual os valores são impostos a um espectador passivo. Segundo ele, um avanço histórico dessa tradição ocorre com a Poética da Conscientização em Bertolt Brecht, que retira o poder de o personagem pensar no lugar do espectador. A ação dramática esclarece a ação real e prepara uma Poética da Libertação, na qual o espectador pensa e age por si. Em chave dialética, não é o pensamento que determina o ser; antes, é o ser quem determina o pensamento. Ao acessar conhecimento, o público seria estimulado à transformação, norte para um teatro político que se reinventa por meio dos próprios recursos elementares do fazer teatral, levando o povo a reassumir sua função de protagonista no teatro e na sociedade.
No período em que viveu no exílio, entre 1971 e 1986, Boal aperfeiçoou a metodologia do TO com base em vivências e estudos em países da América Latina, como Peru e Argentina, além de atuações nos Estados Unidos e na Europa. Em 1979, fundou em Paris o Centro de Teatro do Oprimido (CTO). Na volta ao Brasil, criou o CTO no Rio de Janeiro e deu início ao projeto de formação de “curingas”, como chamou pedagogicamente os multiplicadores de grupos populares em várias regiões do Brasil.
Atualmente, existem frentes de trabalho de TO nas prisões, no campo e nas cidades. O programa “Direitos Humanos em Cena” é desenvolvido em parceria com a Peoples’s Palace Projects, instituição inglesa, e com a Fundação de Desenvolvimento Administrativo, a Fundap, responsável pelo sistema educacional nos presídios paulistas. São realizadas oficinas e cenas de teatro-fórum, baseadas em fatos reais. O público é motivado a buscar alternativas para os personagens que sofrem opressão.
No início da década de 2000, o Teatro do Oprimido vinculou-se ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em 2001, foi lançada a Brigada Nacional de Teatro do Oprimido Patativa do Assaré, homenagem ao poeta e repentista cearense Antônio Gonçalves da Silva (1909-2002). A missão da brigada é difundir a metodologia nos Estados. Ex-vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no Rio de Janeiro (1993-1996), Boal desenvolveu também o teatro legislativo, que convida o público a intervir nos espetáculos com propostas que, transformadas em projetos de lei, podem ser aprovadas pela Câmara Municipal. Para Boal, outros teatros e outro mundo eram possíveis.