Em 1991, quando foi inaugurado o primeiro prédio do Centro de Docência e Pesquisa, que viria a ser a sede do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da USP (1999), a professora Eucenir Fredini Rocha idealizou uma proposta de um ambulatório de assistência em Reabilitação para pessoas com deficiência física. Este ambulatório pretendia desenvolver uma forma de assistência que inovasse as práticas de reabilitação.
No início de suas atividades, em 1991, o nome do Laboratório era NAVC – Núcleo de Atividades e Vivências no Cotidiano e suas ações de assistência em reabilitação eram desenvolvidas a nível ambulatorial e atendiam somente crianças e adolescentes com deficiência física. O ambulatório seguia as premissas de regionalização do SUS e era referência para a população adstrita ao Butantã, região Oeste do município de São Paulo, para funcionários e estudantes da USP e seus familiares. Foi o primeiro ambulatório do Curso de Terapia Ocupacional da USP no Centro de Docência e Pesquisa e atuou nesse formato até o início dos anos 2000.
O ambulatório contou inicialmente com um pequeno grupo de profissionais de reabilitação voluntários que desejavam experimentar novas práticas assistenciais. Em 1993, a equipe passou a ser composta por quinze profissionais de diferentes categorias: Terapia Ocupacional (6), Fisioterapia (3), Fonoaudiologia (2), Psicologia (2), Serviço Social (1) e Pediatria (1). A ampliação foi apoiada pelo Prof. Adib Jatene, na época diretor da Faculdade de Medicina da USP, que intermediou o processo de comissionamentos desses profissionais oriundos da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo para a USP. Esse período foi marcado pela desorganização do SUS na capital paulista produzida pelo prefeito Paulo Maluf que criou o Plano de Atendimento à Saúde (PAS).
Os usuários do NAVC não eram atendidos à maneira das instituições tradicionais de reabilitação, em que são submetidos a diferentes avaliações e terapias escalonadas por categoria profissional, modelo que desencadeia intervenções multifacetadas, em que a pessoa com deficiência têm seu cotidiano tomado por inúmeras terapias que pouco dialogam entre si. A metodologia do ambulatório consistia em identificar o principal problema da pessoa com deficiência e focar as ações terapêuticas nas condições de habitação, costumes e vida cotidiana. Previa desenvolver intervenções que utilizassem o menor número de terapeutas, pois muitas vezes a questão central se encontrava nas relações da família com a deficiência e dificuldades no processo de socialização.
Foram realizadas reuniões entre pais, encontros com os movimentos sociais de pessoas com deficiência, participação em debates sobre acessibilidade, questões jurídicas, acesso às tecnologias assistivas, inclusão escolar, em eventos na USP e na cidade, passeios, piqueniques, visitas, atividades culturais, deslocamentos utilizando transporte público, organização de eventos e terapias individuais e grupais.
Em meados de 2000, com o fim do PAS (Plano de Atendimento à Saúde), os profissionais comissionados na USP e alocados no NAVC retornaram à Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Esse fato desorganizou a assistência no ambulatório causando o encerramento de suas atividades. Nesse ano o laboratório foi renomeado para REATA – Laboratório de Estudos em Reabilitação e Tecnologia Assistiva e reorganizado nos moldes em que atualmente funciona.
Dessa data em diante as atividades de assistência em saúde passaram a ser realizadas na rede municipal de saúde de São Paulo, no nível de Atenção Primária à Saúde. Na Região Leste (2000-2001), em parceria com a organização social Casa de Saúde Santa Marcelina (CSSM); na região Sudeste (2000-2008), em parceria com a organização social Fundação Zerbini - compondo o Programa PSF-QUALIS (Programa de Saúde da Família – Qualidade Integral à Saúde). É importante ressaltar, que tais ações na Atenção Primária à Saúde foram pioneiras no país, funcionando como modelos para a instrumentalização da criação de políticas públicas como os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). Já na região Oeste do município de São Paulo, as ações seguem sendo desenvolvidas na Unidade Básica de Saúde Jardim São Jorge – Dr. Paulo Eduardo Mangeon Elias (à partir de 2008).
O Laboratório também se dedicou, desde sua criação, a desenvolver ações voltadas a inclusão de crianças e adolescentes na rede pública (escolas regulares) de educação. No período de 2000 a 2005, na região Leste da cidade, em Itaquera, em projeto político-técnico de inclusão de crianças com deficiências em Centros de Educação Infantil (CEIs), nas Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) e em Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEFs), perfazendo um total de 25 escolas acompanhadas por trinta estagiários e bolsistas de Terapia Ocupacional.
De 2006 a 2008, o REATA desenvolveu as atividades de ensino, pesquisa e extensão em escolas públicas da região do Butantã, Região Oeste do município de São Paulo, onde a USP se localiza: Escola Municipal de Ensino Fundamental Brasil Japão (2006-2008). E entre 2010 e 2018, na região da Raposo Tavares: no CEU Uirapuru – EMEF César Arruda Castanho (2010-2011) e na EMEF anexa ao Educandário Dom Duarte (2012-2018).
As atividades desenvolvidas pelo Laboratório REATA no campo da Educação foram muito importantes para a área de terapia ocupacional, pois tais ações, somadas a de outras colegas da Terapia Ocupacional da USP e de outras universidades, inaugura esse campo de atuação da profissão no Brasil. É um campo novo, em consolidação, mas necessário e promissor.
A pergunta ‘o que é reabilitar pessoas com deficiências?' foi o mote disparador da organização do ambulatório, que se transformaria no decorrer dos anos em um Laboratório de Estudos. O porquê, o como e o para quê desenvolver ações de reabilitação, as especificidades da terapia ocupacional no contexto dos campos da saúde, reabilitação e da educação foram temas do laboratório, tanto do ponto de vista epistêmico como da organização de suas ações de ensino, extensão e pesquisa. Assim, o que é corpo e corpo com deficiência e suas relações com as intervenções dirigidas às pessoas com deficiência foram temas norteadores da produção acadêmica.
O laboratório é cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq desde 1999 com o nome de REATA – Laboratório de Estudos em Reabilitação e Tecnologia Assistiva. Congrega em suas atividades estudantes do curso de graduação em Terapia Ocupacional da USP, intercambistas de outros países, estudantes de pós-graduação (mestrado, doutorado e de pós-doutorado), profissionais de saúde, de reabilitação, de educação e lideranças de movimentos sociais de pessoas com deficiências e familiares.
As suas atividades têm produzido resultados em quatro níveis: (1) na formação de profissionais; (2) em atividades de extensão; (3) no cuidado de pessoas com deficiências na atenção Primária à Saúde e no contexto educacional; e (4) na produção de pesquisas e publicações.
A experiência do REATA no campo da saúde tem afirmado a possibilidade de uma reabilitação fundamentada no corpo relacional e também tem denunciado que o modelo hegemônico de reabilitação está em crise, mesmo com as propostas do SUS de descentralização, com a criação de Centros Especializados em Reabilitação e de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF).
O laboratório tem um compromisso social, uma responsabilidade com as práticas de saúde dirigidas às pessoas com deficiência. Para todos que compõem o laboratório, ele é um espaço em que fica evidente a tensão entre uma nova forma de ver a reabilitação de pessoas com deficiência e a herança que temos das práticas tradicionais. Assim, os encontros com os estudantes, com os profissionais e com a população sempre foram marcados por vivências de alegria, de possibilidades de constituição de uma nova forma de entender a reabilitação, pensando e criando.
O espaço do laboratório tem fortalecido o potencial dos seus participantes. Assim, o sentimos como um local em que compartilhamos a celebração da boa saúde, do desvelamento das causas do sofrimento, da expressão da autonomia, da autodeterminação e da formulação do conhecimento.
(adaptação de excerto extraído do Memorial apresentado por Eucenir Fredini Rocha à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Professor Livre-Docente junto ao Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, 2019. p.33-36)