Ética com Humanos e Animais em Publicações

Compartilhar

por Luana Belini Possani e Talita Carla de Tralia Medeiros

Por mais que existam modernos modelos matemáticos e estatísticos e o uso intensivo da informática, no progresso da medicina rumo à deliberação de novos tratamentos clínicos e cirúrgicos e os novos métodos de diagnósticos é inevitável à experimentação em animais e ainda não há como conseguirem excluir a fase final de experimentar em seres humanos.[1]

Deve-se lembrar de que o objetivo da pesquisa é aperfeiçoar a saúde e o bem-estar dos pacientes e não ocasionar lesões ou submetê-los a graves riscos para obter esses objetivos, assim é utilizado modelos matemáticos para determinação do número de amostra, randomização, usam de placebo, wash-out, duplo-cego, tempo de seguimento, entre muitos outros, são aspectos rotineiramente aplicados e avaliados nos experimentos em seres humanos, pois o rigor científico reflete-se no rigoroso esboço da pesquisa, há que ser obedecido em qualquer tipo de experimento.[2]

O primeiro documento internacional sobre o uso de seres humanos nas pesquisas é o Código de Nuremberg, editado pelo Tribunal de Nuremberg em 1947, no qual constam 10 itens com indicações que os médicos devem seguir nos experimentos em seres humanos. Dentre todos os itens, o primeiro tópico explicita: “o consentimento voluntário dos sujeitos humanos é absolutamente necessário”.[3]

No Brasil, em 1996, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Resolução 196/96, que regulamenta a pesquisa em seres humanos no país. Nesta houve a incorporação de vários conceitos da bioética e reafirmou o consentimento livre e esclarecido – anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro ), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previsto, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na pesquisa – dos indivíduos para participarem de pesquisas científicas e a aprovação prévia dos protocolos por comitê independente.[4]

A política editorial de uma grande parte das revistas científicas reflete a prioridade da técnica em relação à ética na pesquisa clínica. Em um estudo, foram observados que em 139 periódicos brasileiros, aproximadamente 80% não fazem qualquer referência a aspectos éticos nas suas orientações aos autores.[5] As orientações do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas, expressas nos “Requisitos Uniformes para Manuscritos Submetidos a Revistas Biomédicas”, são consideradas fracas, ao afirmarem explicitamente: “ao relatar experimentos com seres humanos, indique se os procedimentos foram realizados de acordo com os padrões éticos do comitê responsável por experimentação humana e com a Declaração de Helsinque de 1975, tal como revista em 1983”.[6]

Os editores do Journal of the American Medical Association,[7] do Journal of Bone and Joint Surgery,[8] assim como o Professor de Pesquisa em Anestesia na Escola Médica de Harvard[9], manifesta sua opinião de que artigos não éticos não deveriam ser publicados, o que poderia ser um fator que desencorajem os pesquisadores para a realização dos experimentos. Assim, devem-se estabelecer orientações éticas precisas e claras que estejam conectadas à exigência de que os autores dos artigos informem os procedimentos éticos adotados no desenvolvimento da pesquisa, especialmente a obtenção do consentimento esclarecido das pessoas envolvidas e a sua aprovação pelo comitê independente. Isto expressaria que a revista científica privilegia os pesquisadores preocupados com a ciência e a ética.[7]

Portanto, a ética deve clarear o caminho da ciência e a busca desse ideal deve ser alcançada com a participação efetiva de todos os parceiros da ciência, entre eles os pesquisadores, agências financiadoras, leitores e editores das revistas científicas. Por sua vez as revistas acadêmicas, deveriam estabelecer recomendações éticas mais amplas e detalhadas a serem seguidas pelos pesquisadores que pretendam publicar os resultados de seus estudos. Abaixo estão algumas sugestões práticas encontradas em alguns artigos.[7,10]

  1. As orientações éticas contidas nas Instruções aos Autores de revistas devem ser mais amplas e claras do que as observadas atualmente.
  2. As revistas devem citar explicitamente a Declaração de Helsinque e a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde como referências para orientação aos pesquisadores.
  3. Os pesquisadores devem seguir, durante a elaboração e execução de seus estudos clínicos, a Declaração de Helsinque e a Resolução 196/96.
  4. As revistas devem exigir que no texto dos artigos publicados, na parte de Métodos, os autores informem sobre o consentimento esclarecido e a aprovação prévia do protocolo por comitê de ética.

Além disso, quando falamos em expor os resultados das pesquisas utilizando imagens feitas pelo próprio pesquisador devemos lembrar que o direito à imagem é um direito constitucional, protegido explicitamente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[11], como a seguir transcrito:

Art. 5o, X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Assim, da mesma forma que se faz necessário o fornecimento do Consentimento Livre e Esclarecido (CLE) para que possa ser realizada certa pesquisa com paciente, há também a necessidade do consentimento do paciente, ou de seu responsável legal (no caso de incapaz) para a obtenção/gravação das imagens. Assim, a imagem obtida poderá somente ser utilizada para os fins específicos a que se destinou inicialmente.
Dentro do meio acadêmico, a publicação científica, de acordo com o Art. 38 do Código de Ética Médica, constitui-se infração ética:

 “III. publicar, sem autorização por escrito, elemento que identifique o paciente preservando a sua privacidade;”

Em âmbito internacional, a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos[12], aprovada em Assembléia Geral pelos 192 países-membros da UNESCO em 19 de outubro de 2005, determina, nos seus artigos 5 o e 6 o, a necessidade do Consentimento Livre e Esclarecido:

“Art. 5o – Autonomia e responsabilidade individual

A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a respectiva responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso das pessoas incapazes de exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses.”

“Art. 6o – Consentimento

1. Qualquer intervenção médica de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa, com base em informação adequada. Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo.”

Durante a nossa pesquisa foi encontrado uma proposta de Termo de Consentimento para aquisição e o uso de imagens de pacientes[13]. O exemplo abaixo pode ser utilizado quanto ao uso das imagens para a divulgação no meio científico.

 

Ainda sobre o assunto existem situações em que o foco da pesquisa está na face do indivíduo. Desta forma, há a possibilidade de reconhecimento facial, devendo ser adicionado uma tarja preta nos olhos ou adicionado um desfoque que não altere a qualidade da imagem (Figura 1). Caso o paciente não tenha conhecimento dos procedimentos que estão sendo realizados ou da divulgação destas fotos, este poderá pedir indenização pelo uso indevido de suas imagens.

Figura 1: Exemplo de tarja nos olhos para encobrir identidade de pessoas nas pesquisas cientificas. (Fonte: As próprias autoras.)

Já o uso de animais em pesquisa é uma prática histórica da civilização humana com a finalidade de beneficiar o conhecimento científico. Apesar de desenvolvido desde a antiguidade, atualmente desperta discussão entre a comunidade acadêmica e a sociedade protetora dos animais.[14]

Embora a utilização de animais em pesquisas médicas tenha proporcionado sucesso em muitas intervenções terapêuticas[15], os efeitos deletérios podem ser observados como no caso da droga talidomida que causou muitos casos de malformação congênita.[16] Isso ocorreu, em parte, devido às interpretações erradas do efeito da droga, pois seu metabolismo em roedores ocorre de forma diferente quando comparado com humanos.[17] As enzimas envolvidas na maquinaria de biotransformação de drogas são diferentes dependendo da espécie animal, especialmente aquelas espécies utilizadas em pesquisas biomédicas.[18]  Mesmo diante dessa polêmica, os centros de pesquisas científicas em universidades utilizam animais em seus experimentos com a finalidade de descobrir curas para doenças graves e letais, não somente as que acometem os seres humanos, mas também outros seres vivos.[19,20]

Russel & Burch sintetizaram em três palavras o Princípio Humanitário da experimentação Animal. Em inglês as palavras contêm a letra R no início – Replace, Reduce e Refine[21] (substituir, reduzir e aperfeiçoar)

  • Replace – indica que sempre que possível deve-se substituir animais vivos por materias sem sensibilidade, como por exemplo, cultura de tecidos ou modelos em computadores.
  • Reduce – sugerindo que o número de animais deve ser o menor possível, desde que forneça resultados estatísticos significativos.
  • Refine – refere-se ao aprimoramento das técnicas utilizadas sejam menos invasivas possível.

No Brasil, até 2008, não havia norma ou lei que regulamentasse a prática de utilização e criação de animais em ensino de pesquisa científica, até que a criação da lei 11.794 de 8 de outubro de 2008, conhecida como Lei Arouca, passou a normatizar os procedimentos.

A lei Arouca determinou a implantação do órgão federal, Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), vinculado com o Ministério da Ciências, Tecnologias, Inovações e Comunicações, que tem a finalidade de publicar, revisar e zelar pelo cumprimento das normativas relacionadas com a utilização de animais em pesquisas científicas. O Concea determina que em todo e qualquer lugar do País que utilize animais para ensino ou pesquisa possua uma Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) composta por grupos multidisciplinares , que contenham, pelo menos, um docente-pesquisador, um representante da sociedade protetora dos animais, um médico veterinário e um biólogo que trabalhem subordinados ao Concea para monitorar a experimentação animal na instituição.[22]


Referências:

  1. Sardenberg, T. A ética da pesquisa em seres humanos e a publicação de artigos científicos. J. Pneumologia vol.25 no.2 São Paulo Apr. 1999
  2. Sussman, M.. Ethical standards in the treatment of human subjects involved in clinical research [editorial]. J Pediatr Orthop 1998;18:701-702.
  3. The Nuremberg Code. Disponível em: https://history.nih.gov/research/downloads/nuremberg.pdf. Acesso no dia 23/11/2018 ás 11:15 hrs.
  4. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Disponível em: https://www.ufrgs.br/bioetica/res19696.htm. Acesso no dia 24/11/2018 às 14:30 hrs.
  5. Sardenberg T., Müller S.S., Pereira H.R., Oliveira R.A., Hossne W.S. Análise dos aspectos éticos da pesquisa em seres humanos contidos nas instruções aos autores de 139 revistas científicas brasileiras. Rev Assoc Med Bras 1999.
  6. Internacional Committee of Medical Journals Editors. Uniforms requeriments for manuscripts submitted to biomedical journals. J Pneumol 1997;23:XXV-XXXIV.
  7. Rennie D, Yank V. Disclosure to the reader of institutional review board approval and informed consent [editorial]. JAMA 1997;277:922-923.
  8. Nilstun T, Rastam J. Ethics in orthopedic research [editorial]. Acta Orthop Scand 1997;68:205- 206.
  9. Einhorn TA, Burstein AH, Cowell HR. Human experimentation [editorial]. J Bone Joint Surg [Am] 1997;79:959-960.
  10. Amdur RJ, Biddle C. Institutional review board approval and publication of human research results. JAMA 1997;277:909-914.
  11. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm Acesso em 27/11/2018 ás 10:51
  12. Universal Declaration on Bioethics and Human Rights. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180E.pdf. Acesso em 27/11/2018 ás 11:15 hrs.
  13. Obtenção e utilização de imagens de pacientes: proposta de termo de consentimento à luz do direito brasileiro. Disponível em: http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10394 Acesso em 27/11/2018 às 12:45 hrs.
  14. Schatzmayr HG, Müller CA. As interfaces da bioética nas pesquisas com seres humanos e animais com a biossegurança. Ciênc Vet Tróp. 2008;11(1 Suppl):130-4
  15. Cerqueira N. Métodos alternativos ainda são poucos e não substituem totalmente o uso de animais. Ciênc Cult. 2008;60(2):47-9
  16. Leandro JA, Santos FL. História da talidomida no Brasil a partir da mídia impressa (1959-1962). Saúde Soc. 2015;24(3):991-1005.
  17. Lu J, Helsby N, Palmer BD, Tingle M, Baguley BC, Kestell P et al. Metabolism of thalidomide in liver microsomes of mice, rabbits, and humans. J Pharmacol Exp Ther. 2004;310(2):571-7
  18. Andrade C, Haas SE, Costa TD, Araújo BV. Comparação do metabolismo interespécies dos principais anticonvulsivantes usados na prática clínica. Rev Bras Farm. 2013;94(3):321-30.
  19. Rezende AH, Peluzio MCG, Sabarense CM. Experimentação animal: ética e legislação brasileira. Rev Nutr. 2008;21(2):237-42.
  20. Marques RG, Miranda ML, Caetano CER, Biondo-Simões MLP. Rumo à regulamentação da utilização de animais no ensino e na pesquisa científica no Brasil. Acta Cir Bras. 2005;20(3):262-7
  21. Menezes HS. Ética e pesquisa em animais. Rev Amrigs. 2002;46(3,4):105-8
  22. Resoluções Normativas. Disponível em: http://www.ceua.ufv.br/?page_id=81. Acessado em 27/11/2018