Reconhecer as histórias e geografias do passado é essencial para se construir novas histórias e geografias no presente e transformar as histórias e geografias do futuro.

Fabíola Durães

Vale do Paraíba

Desde 2004, a Prof.ª Dr.ª Núria Hanglei Cacete realiza com as turmas Metodologia do Ensino de Geografia II um Estudo do Meio em Cidades Históricas do Vale do Rio Paraíba do Sul Paulista: Bananal e entorno.

Do ponto de vista do ensino e da aprendizagem em Geografia, o Estudo do Meio apresenta-se como uma metodologia que busca compreender/desvendar o espaço geográfico. A perspectiva da leitura da paisagem, como resultante de múltiplas determinações históricas, econômicas, sociais e culturais, necessita de uma problematização que envolve o levantamento de fontes, documentos, a partir de diferentes óticas na busca da compreensão dos fatores responsáveis pela produção de uma dada realidade estudada.

Um dos principais objetivos dessa disciplina é fornecer embasamento teórico do Estudo do Meio como metodologia de Ensino de Geografia, onde os/as estudantes investigam a área a ser visitada e definem um recorte de pesquisa (pré-campo); aplicam a metodologia (campo); e, ao final do processo, realizam uma produção autoral de recursos didáticos que sintetizam o conhecimento desenvolvido neste processo (pós-campo).

As diversas temporalidades expressas na paisagem podem ser apreendidas pela observação dos testemunhos das construções e edificações, entrevistas com diferentes personagens sociais portadores de diferentes relações temporais, assim como a análise do cotidiano pode ser apreendida pela fala das pessoas buscando a dimensão do vivido.

Ensinar a observar, a ver, faz parte do Estudo do Meio significando o desenvolvimento da capacidade de estabelecer relações de fazer comparações de identificar as marcas construídas e preservadas no processo de transformação da natureza pelo trabalho humano. Nesse sentido, o Estudo do Meio é uma metodologia de apreensão da realidade através da análise espacial que se constitui numa importante tarefa da Geografia.

O Estudo do Meio do Vale do Paraíba do Sul Paulista, abrangendo as cidades de Silveiras, Areias, São José do Barreiro e Bananal, busca compreender urn espaço significativo na formação econômico-social brasileira. Uma das primeiras áreas de produção cafeeira, o Vale do Rio Paraíba se constitui num referencial importante para compreensão do processo de expansão econômica do território brasileiro. A análise desse espaço, sobretudo das chamadas “cidades mortas”, sua formação, suas relações econômicas, suas crises e problemas atuais fornecem importantes subsídios para entendimento do processo de (re)organização sócio-espacial em curso.

A região apresenta-se com características singulares do ponto de vista do meio físico, marcada por urn relevo acidentado, denominado “Mares de Morros”, com características climáticas, florísticas, pedológicas e hidrográficas específicas. Nesse sentido é importante observar os processos naturais próprios dessa paisagem e seu papel na ocupação e organização do espaço. Assim, neste Estudo do Meio, busca-se o entendimento da situação atual da área em questão, o que pressupõe o conhecimento de seu processo histórico e de seus limites e potencialidades.

Nesta parte do site, dedicaremos a apresentar trabalhos produzidos pelos/as estudantes desta disciplina, bem como materiais e referências de outras origens, separados em cinco temas: Cotidiano e Memória, Economia e Turismo, Fotografia, Paisagem e Patrimônio.

Locais visitados no Vale do Paraíba

Os trabalhos de campo foram realizados no mês de novembro de cada ano, com saída de São Paulo (FEUSP) via Rodovia Presidente Dutra (BR-116). Para conhecer o Vale do Paraíba, o percurso passa a ser pela Rodovia dos Tropeiros (SP-068).

Rodovia dos Tropeiros (SP-068)

A atual Rodovia dos Tropeiros chamou-se estrada Rio-São Paulo e foi inaugurada em 1928 pelo então Presidente Washington Luís. O vale paulista do rio Paraíba teve seu povoamento a partir do século XVII, e os tropeiros, por mais três séculos trocaram as rotas entre as vilas, pousos e entrepostos. No começo era intenso o movimento de tropas, de pousos e ranchos originando povoados, freguesias, vilas e cidades.

Situada […] numa posição geográfica privilegiada, com relação a sua distância da costa, a primeira grande zona cafeeira do Brasil não sentiu muito o problema dos transportes. De fato, o vale médio do Paraíba, por onde se espalharam as lavouras de café, não distava 100 Km. do mar e as fazendas mais afastadas, na Mata Mineira ou nos arredores de Campinas, não ficavam muito além daquela distância. […] Para vencer aquele relativo pequeno afastamento que havia entre as zonas de produção e os portos, isto é, o das tropas de burros. Somente através de tropas podiam as riquezas do interior alcançar o mar, e vice-versa, as utilidades importadas pelos interioranos. Numa época em que as estradas eram praticamente inexistentes, somente os muares podiam levar em seus lombos o homem e sua produção, pois os carros de boi, único veículo econômico de tempo, não conseguia vencer grandes distâncias, quando muito da fazenda à vila ou cidades próximas. (ARAÚJO FILHO, 1976, p. 67)[1].

Até 1877, quando surgiria a estrada de ferro no vale do Paraíba, os meios de transportes eram as tropas de burros e canoas para cargas, carros de boi e liteiras para as pessoas.

quando a primeira locomotiva chegou a Queluz (século XIX) foi enviada a Areias um garrafão cheio de fumaça escura com urn bilhete. “Aos habitantes de Areias a fim de que, na falta de trem de ferro, possuam para consolo sentir o cheiro de fumaça”. Em 1928 quando inauguram a rodovia Rio São Paulo [atual Rodovia dos Tropeiros] que passaria por Areias, esta cidade devolvia do garrafão o Queluz com o seguinte bilhete “Aos habitantes de Queluz para que, na falta de estrada de rodagem, possam para consolo sentir o cheiro da gasolina”. Vê-se a disputa, nesse exemplo, entre as cidades, na intenção de alcançar desenvolvimento econômico. (MAIA; MAlA, 1977, p. 14).[2]

Durante o processo na Rodovia dos Tropeiros, a professora solicita que os/as estudantes observem: o traçado da rodovia, seu estado de conservação e o uso e ocupação do solo.
Há também uma parada na rodovia para observação do conjunto geomorfológico da região (Domínio Morfoclimático Mares de Morros – Aziz Ab’Sáber, 1970).

[1] ARAÚJO FILHO, J. R. de. O café em São Paulo. Boletim Paulista de Geografia. Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção São Paulo, São Paulo n. 50, p. 57-82.

[2] MAIA, Tom; MAIA Thereza R. C. Vale do Paraíba – velhas cidades. São Paulo. Companhia Editora Nacional: EDUSP, 1977.

Areias

À margem da antiga estrada que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro, Areias surgiu em fins de 1770, fundada por antigos moradores de Resende-RJ. Surgiu como pouso de tropeiros que dali partiam para o porto de Mambucaba. Nasceu com o nome de Sant’Ana da Paraíba Nova. Tomou-se vila em 28/11/1816 com o nome de Vila de São Miguel das Areias. O nome São Miguel foi uma homenagem ao Príncipe Dom Miguel, filho de D. João VI.

São Miguel das Areias foi um dos primeiros municípios a plantar café. As mudas da planta vinham de Resende. Pertenciam a Areias as freguesias de Silveiras, São José do Barreiro, Queluz e Bananal. A vila foi promovida a cidade em 24/03/1857. A maior parte das casas e sobrados datam do século XIX. Atualmente, a pecuária é a atividade econômica que se destaca.

Em Areias sugerimos o percurso pela rua principal – Rua Quinze de Novembro – observando as construções: o Solar do Capitão-Mor (que foi o Hotel Solar Imperial e atualmente o Hotel e Restaurante Sant’Ana); a Casa da Cultura, que abrigou a Câmara dos Vereadores, a Cadeia Pública e o Fórum em que trabalhou Monteiro Lobato como Promotor Público); a casa em que morou Lobato (sobrado de nº. 37); os velhos sobrados; a Igreja Matriz Sant’Ana e a figueira (marco inicial da cidade).

Fazenda Pau D’Alho

Localizada no município de São José do Barreiro, a Fazenda Pau D’Alho

foi implantada por volta de 1817/1819, por João Ferreira de Sousa [fundador de São José do Barreiro], em terras de sesmarias herdadas de seu pai. Foi uma das primeiras, ou mesmo a primeira instalação voltada inteiramente para a produção e beneficiamento do café. É excepcional por sua racionalidade de planejamento e sabedoria na aplicação de diferentes influências técnicas e agenciamentos espaciais, especialmente no aproveitamento dos recursos do terreno, tais como o uso da roda d’água e bateria de pilões. Em 1968, começa a ser restaurada, quando foi adquirida pela União, através do extinto Instituto Brasileiro do Café. Recebeu obras recentes, entre as quais merece destaque a reconstituição da roda d’água e bateria de pilões. (GALVÃO, 2010, p. 82).

Esta fazenda foi tombada pelo CONDEPHAAT e a intenção é que se torne o “Museu do Café”. Delimitada por muros altos e possuindo palmeiras imperiais em sua entrada, a Fazenda Pau D’Alho é uma memória da aristocracia cafeeira e há rumores de que ali desenvolveu-se a maior plantação de café do país. Destacamos que é a única fazenda que possui senzala localizada num nível superior ao terreiro. As diversas portas tinham a intenção de facilitar a saída das pessoas que foram escravizadas. (ANTONIO FILHO, 2009).

[1] Galvão, Marco Antônio Pereira (org.). Casas do Patrimônio. Brasília: Iphan, 2010.

[2] Antonio Filho, Fadel David. O “caminho novo”: o vale histórico da Serra da Bocaina – opulência e decadência da sub-região Paraibana Paulista: reintegração de um espaço geográfico “deprimido”. Tese (livre docência) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Rio Claro: [s.n.], 2009.

São José do Barreiro

No final do século XVIII, o capitão Fortunato Pereira Leite e seu cunhado, o coronel João Ferreira de Souza, fundaram um arraial que se denominou São José do Barreiro. Foi uma freguesia de Areias desde 1842. Tomou-se vila em 09/03/1859, emancipando-se de Areias e tomando-se cidade em 10/03/1885. O nome barreiro veio de “passagem difícil, um verdadeiro atoleiro, onde a custo os animais conseguiam atravessar”.

O município situa-se numa altitude de 508 m menor que Areias (517 m) e Bananal (560 m) destacando-se em paisagem a Serra da Bocaina, compartimento do Planalto Atlântico que apresenta picos elevados como o Tira Chapéu (2.100 m) e o da Boa Vista (1.800 m). Além do turismo, a cidade vive basicamente da pecuária. Destacou-se muito na cafeicultura paulista e muitas casas e sobrados são testemunhas dessa época, além da Igreja Matriz, o cine-teatro São José, entre outros.

Em São José do Barreiro além de parada para almoço/lanche é importante a observação do casario colonial e do movimento relacionado ao turismo ecológico na Serra da Bocaina.

Fazenda dos Coqueiros

Fazenda importante da região, construída em 1855 pelo Major Cândido Ribeiro Barbosa e sua esposa D. Joaquina Maria de Jesus, pais de Candoca, conhecida como o “menino de ouro”. Candoca nasceu muito doente e seus pais fizeram uma promessa: se o menino atingisse os 15 anos de idade, doariam o mesmo valor de seu peso em ouro para a Santa Casa de Misericórdia. Conquistada a graça veio a se tornar o Barão Ribeiro Barbosa.

Localizada na Rodovia dos Tropeiros, a 5 km de Bananal, a fazenda dos Coqueiros tem atualmente como fonte de produção o gado leiteiro. É possível conhecer a casa/sede da fazenda, parte da Mata Atlântica conservada, o lavador da fazenda, o terreiro de café, as senzalas, móveis antigos, alguns objetos encontrados ao redor da fazenda, documentos históricos com a listagem de todas as pessoas escravizadas que ali trabalhavam na época áurea do café e um moinho autêntico.

Nessa visita é possível se ter uma ideia do processo de produção do café bem como das características e elementos necessários para o desenvolvimento dessa atividade no século XIX.

Hotel Fazenda Boa Vista

A origem dessa fazenda encontra-se na Sesmaria do Caminho Novo doada a Manoel Antônio de Sá Carvalho, natural de São Luiz do Paraitinga-SP, nascido em 1723. Essa sesmaria era contígua à de Pedro de Almeida Leal – Água Comprida e Piratininga – com a qual defronta-se a Oeste. O sucessor de Sá Carvalho foi Antônio Rodrigues Pinto. Sua filha, Ana Maria, casou-se com Luiz José de Almeida e recebeu a fazenda como herança, dando-lhe impulso com a produção de anil e açúcar. Porém, foi Luciano José de Almeida, filho de Luiz José e Ana Maria quem a converteu em uma das mais opulentas da região, como maior produtora de café.

Construção provável da década de 1840, é retratada em toda a sua pujança por um quadro a óleo de autor desconhecido. Ao fundo de extenso casario, localizavam-se engenhos, carpintarias, ferrovia, tulhas e paios demolidos em meados do século passado. Em 1842, Luciano José de Almeida hospedou o Barão de Caxias, comandante das tropas da Corte destacadas para o combate dos rebeldes liberais de Silveiras. Prestou-lhe total assistência reabastecendo as tropas e fornecendo animais de carga, gesto retribuído pelo Governo Imperial que lhe conferiu a Comenda de Cristo.

Com o falecimento do Comendador Luciano José de Almeida, herdou a fazenda D. Maria Joaquina Sampaio de Almeida como a “Matriarca” que assumiu a direção da Boa Vista e outras propriedades da família. Ampliou as lavouras de café às custas da exploração de mão-de-obra escravizada, foi dessa forma que aumentou significativamente o número de escravizados e multiplicou seu patrimônio. A fazenda possuía farmácia própria e padre capelão residente. Por ocasião do falecimento de D. Maria Joaquina, em 1882, a fazenda contava com 352.000 pés de café, 287 pessoas escravizadas e 323 alqueires de terra. Hoje, transformada em Hotel Fazenda, ainda guarda a arquitetura, instalação e algumas peças do mobiliário da época (informações fornecidas por funcionários do hotel).

A estada nessa fazenda possibilita o relacionamento com o espaço físico de uma antiga e próspera propriedade produtora de café. É importante a observação minuciosa buscando identificar as características que possam retratar o modo de vida da aristocracia cafeeira de meados do século XIX.

Fazenda Três Barras

Construída em 1813 durante o regime imperial, a sede da fazenda mantém a pujança aristocrática dos barões do café com sua arquitetura preservada, salões, 25 aposentos, móveis e adega.

A estada nessa fazenda possibilita o relacionamento com o espaço físico de uma antiga propriedade produtora de café. É importante a observação buscando identificar as marcas que possa retratar o modo de vida da aristocracia cafeeira, além da conversa/entrevista com pessoas que possam esclarecer um pouco da história do lugar.

Bananal

Fundada no século XVIII, por volta de 1783, originária da sesmaria doada a João Barbosa de Camargo que junto com sua esposa, D. Maria Ribeiro de Jesus, construiu uma capela dedicada ao Senhor Born Jesus do Livramento. Com o advento da cultura de café, Bananal se tornou a cidade mais rica do Vale do Paraíba, alcançando o título de maior produtora de café em 1850.

Muitas foram as novidades introduzidas pela chamada “arquitetura do café”, cuja característica principal foi o imenso tamanho das casas, decorrente, entre outros aspectos, da estrutura patriarcal da família. No centro urbano de Bananal, tombado pelo CONDEPHAAT, encontramos prédios oitocentistas, pequenos e grandes sobrados com portas abrindo para sacadas de ferro trabalhadas, igrejas, praças, chafarizes etc. Entre outras edificações podemos destacar: Solar do Comendador Luciano José de Almeida, atual Hotel Brasil, Estação Ferroviária, Pharmacia Popular – a mais antiga do Brasil (em funcionamento até 2011), o antigo chafariz da Praça da Matriz.

O reconhecimento do centro urbano de Bananal é importante para um primeiro contato com o lugar e, a partir daí, possibilitar as atividades em grupos. Cada grupo deve orientar seu trabalho, (observações, entrevistas, fotos etc.) em função das temáticas escolhidas buscando levantar dados e informações que possam enriquecer a compreensão acerca da realidade estudada.