A Expansão dos BRICS: Critérios de Adesão e Novas Formas de Institucionalização

Por Elen Bueno

1. Introdução

Em 2001, os relatórios publicados por Jim O’Neill [1] demonstraram que algumas das maiores economias emergentes, como Brasil, Rússia, Índia e China, teriam um desempenho econômico superior comparado com os prognósticos dos países do G-7. Cerca de vinte anos depois, o estudo conduzido pela agência Bloomberg [2] revelou que os países do G7 e do BRICS contribuíram igualmente para o crescimento econômico global em 2020 e que até 2028 o G-7 representará apenas 27,8% da economia global enquanto o BRICS representará 35%.

A análise do potencial econômico das grandes economias emergentes relevada por Jim O’Neill resultou na criação do acrônimo BRIC e impulsionou a futura concertação político-diplomática que atualmente reúne Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul. Desde 2009, e com a entrada da África do Sul em 2011, os líderes dos países BRICS se reúnem anualmente para discutir os principais temas emergentes da agenda internacional, sobretudo as temáticas relativas ao desenvolvimento, sustentabilidade e reformas das instituições financeiras internacionais. Face ao reconhecimento de que o comprovado déficit de infraestrutura em muitos países em desenvolvimento dificultava as perspectivas de crescimento, os BRICS criaram, em 2014, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), delineado de forma complementar para financiar projetos sustentáveis de infraestrutura nos países do BRICS e em outras economias emergentes e países em desenvolvimento [3].

Em 2017, durante a Cúpula de Xiamen, os líderes dos países BRICS enalteceram a necessidade de abertura e inclusão de outros países em desenvolvimento de modo a fortalecer a cooperação do Sul Global. Dentro do escopo do denominado BRICS Plus (BRICS+), uma iniciativa conduzida pela China, ressaltou-se a necessidade de trabalhar conjuntamente para firmar amplas parcerias, diálogo e cooperação com países não participantes do BRICS. Fora da plataforma BRICS, igualmente cresceu o número de países interessados em unir-se ao grupo, sobretudo em decorrência da insatisfação de muitos países em desenvolvimento com o atual sistema monetário e financeiro internacional, em especial da alta concentração de recursos financeiros nos países desenvolvimentos, da hegemonia do dólar no sistema financeiro global e das dificuldades na obtenção de financiamento de longo prazo e de investimento externo direto. Nos últimos dois anos, países como Argélia, Argentina, Bahrain, Cuba, Arabia Saudita, Bielorrússia, Etiópia, Bolívia, Egito, Venezuela, Etiópia, Indonésia, Irã, Turquia, Cazaquistão, Nigéria, Senegal, Tailândia, Emirados Árabes Unidos, Uruguai, Síria, Marrocos, República Democrática do Congo, Gabão, Bangladesh e Zimbábue manifestaram interesse em integrar o grupo ou obter uma maior participação durante as cúpulas anuais.

2. Aspectos da expansão

Enquanto China e Rússia são os principais defensores da expansão do agrupamento, Brasil e Índia apresentam resistência e observam com cautela as possibilidades relativas ao projeto BRICS plus. No atual momento histórico de uma guerra militar indireta entre Estados Unidos e Rússia, bem como a guerra comercial entre China e Estados Unidos, uma expansão do BRICS iria ao encontro dos interesses geopolíticos da Rússia e da China, principalmente no que diz respeito à tentativa de angariar aliados detentores de recursos estratégicos ou posições geográficas estratégicas, bem como de alavancar o projeto rumo à desdolarização da economia global.

No caso da Índia e do Brasil, uma expansão poderia representar um enfraquecimento de suas respectivas posições no agrupamento, sobretudo porque atuam como líderes regionais e buscam apoio para uma maior representação nas relações internacionais, incluindo a pretensão de se tornarem membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Independentemente dos interesses estratégicos de cada membro do grupo, qualquer processo que leve à expansão de seus membros ocorrerá inelutavelmente através do consenso.

Do ponto de vista dos interesses do grupo como um conjunto, uma expansão do BRICS poderia estar em consonância com inevitáveis transformações geopolíticas globais. O considerável número de economias emergentes e de países em desenvolvimento interessados em aderir ao grupo não pode ser ignorado porquanto sinaliza um movimento que pode contribuir para o incremento da cooperação e do diálogo entre os países do Sul Global. O movimento, ademais, estaria em consonância com um dos mais importantes princípios que norteiam o grupo desde seus primórdios: a democratização das relações internacionais. Se em todas as Cúpulas e Declarações os BRICS reiteraram a importância de conceder maior voz e participação aos países em desenvolvimento na governança global, não faz sentido negar acesso àqueles que demonstram interesse em participar da concertação político-diplomática dos BRICS. Sob uma perspectiva essencialmente econômica, a expansão do BRICS poderia igualmente representar uma oportunidade para a criação de plataformas de integração do sistema econômico internacional e de liberalização do comércio do Sul global, tendo como alternativa uma nova moeda capaz de impulsionar o desempenho das moedas nacionais das economias emergentes de modo a adquirir uma parcela maior do total de transações monetárias na economia global.

Por outro lado, um maior número de participantes poderia adicionar entraves aos processos de negociação e cooperação entre seus membros e ameaçar a coesão do grupo, contribuindo para o enfraquecimento do BRICS, de forma semelhante ao que ocorreu com o G-77 e o G-24 nas décadas anteriores. Ademais, um BRICS tenazmente direcionado ao contexto do conflito econômico e geopolítico entre Estados Unidos, Rússia e China poderia corroer os alicerces que há quinze anos unem os cinco países e que foram construídos em um momento de paz e com foco no desenvolvimento sustentável e na reforma das organizações internacionais.

3. Critérios de Expansão

Os critérios de expansão serão um dos principais temas da próxima Cúpula dos BRICS, a ser realizada no mês de agosto, na África do Sul. Até o momento, pouco se avançou na elaboração de critérios e a ausência de um consenso é o cenário mais provável diante da complexidade, facetas e sobretudo resistência de parte dos membros fundadores.

Se a concepção do BRICS ocorreu levando-se em conta que esses países eram considerados economias emergentes, potências regionais, além de possuírem vastos territórios, grandes populações, riquezas e recursos naturais, além do grau de desenvolvimento científico e tecnológico, é possível questionar se mesmas características deveriam ser consideradas como critério para o ingresso de novos membros. Outras questões igualmente surgem, como o caso de alguns países do Oriente Médio, os quais são potências energéticas embora possuam territórios e população menores. Como sopesar suas preferências diante de outras potências energéticas da África e da América Latina detentoras de populações e territórios maiores? A indicação de acordo com a respectiva área de influência de cada membro do grupo poderia facilitar a busca de um primeiro consenso? O Brasil, por exemplo, indicaria um país da América Latina e os demais de forma semelhante em seus respectivos contextos sub-regionais? Seria possível considerar membros observadores em um primeiro momento? Como funcionaria e em quais condições? A adesão ao Novo Banco de Desenvolvimento poderia ser um critério a ser considerado?

Não há respostas simples para as questões exemplificadas acima ou para outras que fazem e farão parte das mesas de discussões e negociações na esfera intra-BRICS. O consenso a respeito da expansão do agrupamento pode ocorrer de forma abrupta, gradual ou nunca ser alcançado. O diálogo, mais uma vez, será peça central para a obtenção de consensos que englobem não apenas os interesses individuais, como também que sejam capazes de alavancar as pretensões iniciais do grupo em consonância com os princípios reiterados ao longo da última década.

A expansão do grupo, os projetos de desdolarização da economia, as reformas das organizações internacionais e todos os outros projetos que fazem parte da agenda BRICS não ocorrerão em uma única cúpula com a imposição de uma superpotência. Uma das principais características do grupo reside justamente no seu modelo equitativo de cooperação e na capacidade de proporcionar uma plataforma de constante debate e aprendizados mútuos. Outra característica inovadora do BRICS – que difere de forma substancial do G-7, diz respeito à abertura para participação da sociedade civil, juventude, sindicatos, empresários e acadêmicos em cúpulas paralelas de modo a conferir uma pluralidade de vozes reivindicadoras de maior participação nas relações internacionais. Todo esse arcabouço reitera a ideia de que os debates e a contextualização dos temas relativos à expansão dos BRICS devem ultrapassar as esferas diplomáticas e percorrer outras instâncias governamentais e não governamentais, sobretudo no campo da produção, da assessoria e do conhecimento científico.

4. Conclusão e a recomendação de um projeto alternativo de institucionalização dos BRICS

Tendo em vista a importância da comunidade científica para a elaboração de projetos complexos no campo da economia, do direito, das relações internacionais, do desenvolvimento sustentável e das mudanças climáticas, uma alternativa de criação de uma organização internacional poderia ser considerada de modo a abraçar todas as pretensões dos países em desenvolvimento. Trata-se da criação de uma organização internacional semelhante à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Os BRICS, tal como criaram o Novo Banco de Desenvolvimento, possuem potencial para trabalharem juntos rumo à criação da Organização para a Cooperação Sul-Sul e Desenvolvimento Sustentável (em inglês, OSSCSD – Organization for South-South Cooperation and Sustainable Development), cujo principal objetivo seria fomentar a cooperação entre os países do Sul Global e a criação de estudos e assessoria para os países em desenvolvimento enfrentarem os desafios contemporâneos relativos ao desenvolvimento, agricultura, economia, moeda, comércio, digital, educação, emprego, meio ambiente, mudanças climáticas, inovação, saúde, reforma das organizações internacionais, entre outros temas relevantes. Seria, portanto, uma organização impulsionada e criada pelo BRICS e expandida para outros membros com base nos critérios a serem estabelecidos no tratado constitutivo.

À luz da vertente funcionalista das relações internacionais, os crescentes níveis de interdependência entre os países do Sul Global podem levar a um processo contínuo de cooperação que inevitavelmente conduzirá à institucionalização. As questões relativas à desdolarização da economia, reformas das organizações internacionais, além dos temas relativos à segurança internacional e mudanças climáticas são altamente técnicas e não podem ficar restritas às mesas de negociação sem a apresentação de um projeto analítico e técnico prévio. Cumpre lembrar que a primeira proposta de criação de um novo banco de desenvolvimento surgiu a partir da produção acadêmica de especialistas dentro do arcabouço das Nações Unidas e posteriormente incluído na mesa de negociações da plataforma BRICS.

A criação de uma organização internacional focada no desenvolvimento econômico sustentável, nas mudanças dos parâmetros da economia global, no combate às mudanças climáticas e na democratização das relações internacionais pode constituir importante alicerce para mudanças efetivamente globais à luz de uma perspectiva do Sul Global. Por meio da realização de análises e estudos das tendências e mudanças desejadas pelos países membros, a Organização para a Cooperação Sul-Sul e Desenvolvimento Sustentável pode lançar bases para futuras decisões em políticas econômicas e ambientais. Além disso, ao realizar estudo, diretrizes e recomendações, a Organização pode lançar bases mais aprofundadas de cooperação entre os estados membros não apenas no campo econômico como também nas esferas científica, tecnológica e de inovação. Nesse sentido, a Organização para a Cooperação Sul-Sul e Desenvolvimento Sustentável pode representar um arcabouço institucional através da qual os estados do Sul Global terão voz ativa e participativa para lidar com os problemas internacionais de interesse comum, contribuindo para a democratização das relações internacionais e para a restauração de um sistema internacional pós-1945.

Referências

[1] O’NEILL, Jim. Building better economic BRICs. Global Economics Paper, n. 66, 30 nov. 2001. Disponível em: http://www.goldmansachs.com/our-thinking/archive/archive-pdfs/build-better-brics.pdf. Acesso em: 22 de fevereiro de 2015.
[2] STEFFENS, Paulina. BRICS superará al G7 en aporte a crecimiento mundial. Bloomberg, Economics, April, 18, 2023. Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2023-04-18/brics-superara-a-g7-en-aporte-a-crecimiento-mundial-grafico?in_source=embedded-checkout-banner
[3] Bueno, Elen de Paula. Direito e Relações Internacionais. Os BRICS e as Reformas das Instituições Internacionais. São Paulo: Editora dos Editores, 2019.