BRICS+: Uma Aliança Crucial para a Sustentabilidade e a Batalha Contra as Mudanças Climáticas.

Por João Pedro Soares Veloso

A expansão do grupo BRICS para incluir novos membros como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã, Etiópia e Argentina (que recusou o convite em janeiro de 2024) marca uma mudança significativa no cenário geopolítico e econômico global. Isso fortalece o BRICS, agora BRICS+, como um grupo econômico relevante, destacando a crescente necessidade de cooperação entre nações em desenvolvimento e emergentes para lidar com desafios complexos, especialmente relacionados ao clima e questões humanitárias.

A cooperação climática, dentro do BRICS+, se faz crucial na luta contra as mudanças climáticas, permitindo o desenvolvimento de estratégias conjuntas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, promover energias renováveis e proteger ecossistemas. Além disso, essa colaboração oferece oportunidades para promover a cooperação Sul-Sul em várias áreas, incluindo desenvolvimento sustentável, compartilhamento de tecnologias limpas e esforços humanitários, visando melhorar as condições de vida numa perspectiva global.

No entanto, é importante reconhecer que, junto com a expansão, surgirão desafios adicionais, como a necessidade de alinhar agendas políticas e econômicas divergentes, superar barreiras culturais e linguísticas e garantir uma distribuição equitativa dos benefícios da cooperação.

Dessa forma, em entrevista ao Brasil de Fato, a jornalista e observadora das negociações da ONU sobre mudanças climáticas, Angelina Davydova, aponta: “A expansão do Brics, com a adesão de seis novos membros, cria novos desafios para combater as mudanças climáticas. Com a exceção do Brasil, que tem 54% de sua matriz energética baseada em combustíveis fósseis, a África do Sul tem uma dependência de fontes fósseis em 97%, a Rússia em 94%, a Índia em 92% e a China em 87%”.

Para Davydova, será difícil esperar um compromisso real dos países em desenvolvimento sobre a redução de combustíveis fósseis. Ela ressalta que o fato de importantes produtores de combustíveis fósseis entrarem no BRICS, em particular os países do Golfo Pérsico, é um aspecto negativo. “Isso provavelmente não vai fortalecer a agenda climática do BRICS”, afirma.[1]

Portanto, o sucesso da cooperação expandida, dentro dos BRICS, dependerá da capacidade dos países membros de cultivar uma cultura de confiança mútua, diálogo aberto e compromisso comum com os objetivos compartilhados de desenvolvimento sustentável e mitigação das mudanças climáticas.

Em 2015, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu a Agenda 2030, com a participação de 193 estados membros. Segundo Marques (2019, p. 55), essa agenda foi concebida com o propósito de promover uma transformação de mentalidade na sociedade, oferecendo uma visão abrangente das diversas necessidades que precisam ser atendidas para que o mundo avance de maneira sustentável.

Dentro dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) delineados, o objetivo 13 destaca a importância da Ação Contra a Mudança Global do Clima, enfatizando o reforço da resiliência e da capacidade de adaptação aos riscos climáticos e às catástrofes naturais em todos os países[2]. Essa abordagem é essencial para garantir um futuro mais equitativo, promovendo a cooperação internacional e a implementação de políticas eficazes voltadas para a proteção dos direitos humanos e a promoção de um ambiente propício ao desenvolvimento sustentável em escala global.

Enquanto isso, o mundo enfrenta uma iminente catástrofe climática, com bilhões de pessoas já sofrendo suas consequências. As emissões de gases de efeito estufa relacionadas à geração de energia aumentaram em 6% em 2021, exacerbando ainda mais a situação e colocando o planeta em um estado crítico. Para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas, conforme previsto no Acordo de Paris[3], atingir o pico das emissões globais de gases de efeito estufa antes de 2025 e, em seguida, reduzi-las em 43% até 2030 é fundamental para o objetivo de alcançar emissões líquidas zero até 2050[4].

O Relatório de Desenvolvimento Sustentável 2022, baseado em dados fornecidos por quase 200 países, destaca os terríveis impactos das crises atuais nos 17 ODS. No entanto, ressalta que cumprir a Agenda 2030 é o remédio necessário para enfrentar os desafios globais. Alcançar os ODS requer ação transformadora urgente e abordagens baseadas em evidências em escala global. Nesse contexto, os membros do BRICS+ têm um papel crucial a desempenhar. Sua colaboração e comprometimento podem fortalecer os esforços globais para atingir os objetivos da Agenda 2030, promovendo o desenvolvimento sustentável e abordando os desafios enfrentados pela comunidade internacional.

Assim, em declaração durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, ressaltou: “Devemos subir mais alto para resgatar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – e permanecer fiéis à nossa promessa de um mundo de paz, dignidade e prosperidade em um planeta saudável”[5]. Essa mensagem destaca a interconexão entre as metas de desenvolvimento sustentável e a urgência de enfrentar a crise climática para garantir um futuro sustentável para todos.

A pesquisadora Maria Gabriella de Souza, que fez parte da delegação brasileira na COP28 em Dubai, salienta:

“Durante a COP28, com a oportunidade que tive de acompanhar as negociações, ficou ainda mais evidente que a crise climática não pode ser separada dos demais desafios globais, como as questões de classe, gênero e raça . Enquanto a justiça climática não for prioridade nessa luta, não há como pensarmos em verdadeira superação. A comunidade internacional deve intensificar seus esforços e comprometer-se verdadeiramente com a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.”

Atualmente, o regime climático global tem como principal instrumento o Acordo de Paris, cujo objetivo é evitar que a elevação da temperatura do planeta exceda 2ºC – com esforços para limitá-la a 1,5ºC – até 2100, em comparação aos níveis pré-industriais. Diferentemente de seu antecessor, o Protocolo de Quioto, que atribuía compromissos compulsórios de corte de emissões apenas para os países mais desenvolvidos, Paris estabelece que todos os Estados signatários devem contribuir com esforços de mitigação, apresentando periodicamente suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), à Convenção.

O acordo preconiza que as NDCs sejam renovadas a cada cinco anos, de modo a se tornarem cada vez mais ambiciosas e a garantir a limitação do aumento da temperatura global. Nesse contexto, é relevante mencionar que o Brasil sediará a COP30 em Belém do Pará, em 2025, um momento crucial para a renovação das NDCs conforme estabelecido pelo Acordo de Paris. A eleição do Brasil como sede teve amplo apoio do BRICS, conforme expresso no tópico 60 da declaração de Joanesburgo[7], onde os países destacaram a importância desse evento para o futuro da resposta global às alterações climáticas.

Durante o plenário aberto do XV Cúpula dos BRICS em Joanesburgo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfatizou a responsabilidade histórica dos países desenvolvidos nas emissões de carbono e na exploração predatória dos recursos naturais. Ele argumentou que esses países têm uma dívida histórica com o planeta Terra e a humanidade. Além disso, Lula criticou os altos custos da transição energética, apontando que a dívida externa limita o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento, que são penalizados com taxas de juro até oito vezes superiores às cobradas aos países ricos.[8]

Lula também voltou a cobrar dos países desenvolvidos uma medida acordada ainda em 2009, na COP 15, em Copenhagen, na Dinamarca. Na ocasião, ficou acertado que seria criado um fundo no valor de US$ 100 milhões para financiar ações de combate às mudanças climáticas, algo que nunca saiu do papel[9]. Esse compromisso não cumprido ressalta a lacuna entre os compromissos assumidos e a efetiva implementação de medidas concretas para lidar com a crise climática. Tanto a China[10] quanto o Brasil argumentam que esse montante não é mais suficiente para arcar com os prejuízos causados pela mudança climática, destacando a necessidade urgente de um apoio financeiro mais robusto e eficaz por parte dos países mais desenvolvidos.

Essa visão é compartilhada pelo presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, que alertou em seu discurso na COP27 sobre a inacessibilidade da ajuda multilateral para a maioria da população mundial devido a políticas de empréstimo avessas ao risco, com custos e condições demasiado onerosas. Ramaphosa defendeu uma reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento para atender às necessidades das economias em desenvolvimento para o desenvolvimento sustentável e a resiliência climática. Ele apelou à “equidade internacional” e a uma transição “justa e inclusiva”[11]. Essas demandas refletem a urgência de uma abordagem mais equitativa e colaborativa para enfrentar os desafios globais das mudanças climáticas e garantir um futuro sustentável para todas as nações.

Apesar dessas críticas aos países desenvolvidos e ao sistema financeiro internacional, é importante reconhecer que alguns países em desenvolvimento também contribuem significativamente para as emissões globais. Isso é particularmente evidente nos países que compõem os BRICS, que atualmente têm quotas de emissões mais elevadas do que os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), composta majoritariamente por países industrializados do Norte Global.[12]

Esse dado faz com que os BRICS+ adquiram relevância crescente em meio aos espaços multilaterais de negociações de clima, a ponto de suas metas de mitigação se mostrarem fundamentais para manter vivo o objetivo final do Acordo de Paris.

Unindo esforços, os países do BRICS+ emergem como protagonistas essenciais na batalha contra as mudanças climáticas. Essa colaboração não apenas consolida o bloco como uma força influente na arena climática global, mas também evidencia um compromisso conjunto em lidar com um dos maiores desafios contemporâneos da humanidade: a crise climática.

A troca de experiências desempenha um papel crucial nesse processo. Cada país do BRICS+ possui sua própria bagagem de conhecimento, políticas e estratégias para lidar com as mudanças climáticas, muitas das quais podem ser compartilhadas e adaptadas para atender às necessidades individuais de outros membros do bloco. Por exemplo, o Brasil pode oferecer insights valiosos sobre políticas de conservação da Amazônia e desenvolvimento de biocombustíveis, enquanto a China pode compartilhar seu conhecimento em tecnologias de energia solar e eficiência energética.

Além disso, o compartilhamento de recursos é essencial para impulsionar ações climáticas eficazes. Os países do BRICS+ possuem uma ampla gama de riquezas naturais e humanas que podem ser mobilizadas para enfrentar os desafios climáticos. Ao trabalharem juntos, esses países podem aproveitar ao máximo suas capacidades, seja na implementação de projetos de energia renovável, conservação de ecossistemas ou desenvolvimento de infraestrutura climática.

Referências:

[1] Os dilemas da agenda climática da Rússia. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/16/os-dilemas-da-agenda-climatica-da-russia

[2] ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/ods/ods13.html

[3] ACORDO DE PARIS. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/acordo-de-paris-e-ndc/arquivos/pdf/acordo_paris.pdf

[4] Crises globais em série ameaçam a sobrevivência humana – United Nations Development Programme. Disponível em:
https://www.undp.org/pt/brazil/news/crises-globais-em-serie-ameacam-sobrevivencia-humana-agenda-2030-e-caminho-seguir

[5] Relatório dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2022 – United Nations Statistics Division Development Data and Outreach Branch. Disponível em: https://unstats.un.org/sdgs/report/2022/

[6] CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA – REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/images/arquivo/80108/BRASIL%20iNDC%20portugues%20FINAL.pdf

[7] XV BRICS Summit – Johannesburg II Declaration. Disponível em: https://brics2023.gov.za/wp-content/uploads/2023/08/Jhb-II-Declaration-24-August-2023-1.pdf.

[8] Discurso do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva – XV Cúpula do BRICS. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2023/discurso-do-presidente-da-republica-luiz-inacio-lula-da-silva-durante-sessao-plenaria-aberta-da-xv-cupula-do-brics

[9] Na Cúpula do G20, Lula cobra ação de países ricos no combate às mudanças climáticas. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/09/na-cupula-do-g20-lula-cobra-acao-de-paises-ricos-no-combate-as-mudancas-climaticas

[10] Chinese envoy urges developed countries to fulfill climate finance promise, double adaption fund. Disponível em: https://www.globaltimes.cn/page/202211/1279074.shtml

[11] Ramaphosa critica custo do financiamento da transição energética. Disponível em: https://opais.co.mz/ramaphosa-critica-custo-do-financiamento-da-transicao-energetica/

[12] Ambição climática dos países BRICS – BRICS Policy Center. Disponível em: https://bricspolicycenter.org/wp-content/uploads/2023/03/Sumario-Executivo-Ambicao-Climatica-BRICS_WEB.pdf

MARQUES, Marcelo Filipe Carvalho. Agenda 2030: objetivos do desenvolvimento sustentável (ods) da ONU – desafios ao desenvolvimento tecnológico e à inovação empresarial. 2019. 124 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Engenharia Mecânica, Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, Lisboa, 2019.