Novo Banco de Desenvolvimento: de onde veio e para onde vai

Novo Banco de Desenvolvimento: de onde veio e para onde vai

Por Luana Paris Bastos

O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), criado pelos países do BRICS em 2014, surgiu como uma alternativa às instituições financeiras internacionais estabelecidas, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável e impulsionar as economias emergentes. Ao longo dos anos, o NBD tem buscado consolidar sua posição no cenário internacional, expandir suas operações e enfrentar os desafios que acompanham sua missão ambiciosa. Em 2021, novos membros foram incorporados, e em 2023, a ex-presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, assumiu a presidência do Banco. Com isso em mente, busca-se aqui explorar brevemente perspectivas sobre a fundação do NBD e sua trajetória futura, destacando seu potencial para moldar o panorama financeiro global e impulsionar noções de desenvolvimento mais inclusivas.
Os BRICS, para além dos relatórios econômicos disponibilizados pela Goldman Sachs no início do século XXI, se uniram também por interesses relativos à financeirização do Sul Global. Seus primeiros encontros, iniciados formalmente em 2008, tiveram como marca a insatisfação com a dinâmica e estrutura do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em uma percepção de que Estados que não compunham o rol do G7 eram mantidos às margens das tomadas de decisão e dos próprios benefícios objetivados por essas instituições. Outros aspectos também foram colocados em pauta, como a necessidade de uma reforma na Organização das Nações Unidas (ONU), com enfoque no Conselho de Segurança, e na ordem global vigente como um todo, em uma crítica à hegemonia mantida pela Europa e Estados Unidos.
Em 2012, a cúpula dos BRICS deu os primeiros sinais de investigar a possibilidade de ser criado um banco de desenvolvimento próprio do grupo. Apesar do FMI e do BM terem apresentado propostas reformistas em 2010 para tornar o sistema financeiro internacional mais inclusivo, a prática não refletiu uma resolução da demanda dos BRICS. Assim, surgiu a alternativa de criar seu próprio sistema, dando chance para estudos de viabilidade desta ideia inicial [1]. Em 2014, o Novo Banco de Desenvolvimento foi oficialmente fundado, no intuito de mobilizar recursos para projetos de infraestrutura, visando o desenvolvimento sustentável em economias emergentes e países em desenvolvimento [2]. Isso demonstra que, desde sua concepção, o NBD foi pensado para ir além do quinteto dos BRICS, apesar de ter se mantido neste limite por anos. Em 2015, a proposta de expandir o uso de moedas nacionais, especialmente o yuan chinês, dentro do Banco entre os Estados como forma de reduzir a dominação e a dependência do dólar estadunidense, surgiu, porém não obteve resultados significativos. Neste ano, também foi assinado o Acordo sobre o Novo Banco de Desenvolvimento, que formalizou os propósitos, objetivos, estrutura e meios de atuação do NBD [3].

Desde o início do debate sobre essa possibilidade até sua efetiva consolidação em 2015, as noções de desenvolvimento transmitidas nos discursos e documentos do NBD apresentaram aspectos utilitaristas, sendo pouco inovadores em comparação à ideia de desenvolvimento difundida pela ordem global dominante. A ideia de desenvolvimento como indstrialização, e que possui um fim a ser alcançado, independente do contexto histórico-político do Estado, foi reproduzida pela institucionalização do NBD [4]. Esta era uma oportunidade para, de fato, reformar a ordem internacional, pelo menos a partir do aspecto financeiro, mas que não foi guiada por novos princípios, como era de se esperar a partir de um grupo com forte presença não-ocidental, e que se enquadra, vez ou outra, como representativa de um Sul Global. Apesar de perdida a oportunidade de propor uma visão efetivamente reformista e inclusiva sobre o sistema financeiro internacional, o NBD já dedicou recursos significativos para projetos de infraestrutura nos países do BRICS, contribuindo para projetos de saneamento, energia, transporte, entre outros. O Brasil, por exemplo, já recebeu US$ 6 bilhões para projetos em seu território [5].
Após mais de 5 anos de atuação, o NBD aprovou a entrada de novos membros em 2021. Os novos membros foram: Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Egito. O Uruguai foi colocado como “Possível Membro”, o que significa que foi adicionado ao quadro de Governadores do Banco, mas ainda não depositou o instrumento de adesão [6]. Apesar da abertura para novos membros, na fundação do NBD foi estabelecido que os membros do BRICS possuem maior peso de voto. Na ocasião, também houve uma preocupação em não permitir uma desproporcionalidade de recursos recebidos entre os países dos BRICS, mas que não fica claro para os novos membros [3]. É notável que os recém-chegados, porém, contabilizam como representantes sobretdo do Sudeste Asiático, Oriente Médio, e da América do Sul, caso a entrada do Uruguai seja oficializada. Ou seja, novos representantes de regionalidades fora do eixo hegemônico. Tais Estados também representam economias em ascensão, o que segue com a lógica do grupo em se aliar às economias emergentes, buscando maior beneficiamento em termos financeiros do que se consegue a partir das vias dominantes, como FMI e BM.

No geral, a expansão do NBD para incluir novos membros reflete sua ambição de promover o desenvolvimento sustentável e fortalecer a cooperação entre economias emergentes. A incorporação de países fora do eixo hegemônico pode trazer perspectivas e experiências diversificadas para o banco, contribuindo para um maior beneficiamento financeiro e uma abordagem mais inclusiva em relação a diferentes regiões do mundo. Contudo, é válido questionar quantos mais Estados também possuem esse enquadramento de emergentes fora do eixo hegemônico, e quantos mais Estados o NBD cogita incorporar. Argumenta-se que a manutenção de um número limitado de membros dos BRICS garante uma maior efetividade das ações coletivas [7]. Essa afirmação se refere ao grupo em si, mas gera uma extensão do questionamento para o funcionamento do NBD também. Especialmente pensando em um maior alcance das mobilizações financeiras feitas por essa instituição e priorização na seleção de projetos a serem agraciados, cabe novamente a reflexão que concerne ao conceito de desenvolvimento.
O reforço do discurso desenvolvimentista, baseado numa percepção etapista constituída por início, meio e fim, com um caminho a ser trilhado por todos os Estados de forma igual, obscurece a necessidade do debate sobre desigualdades, tanto no Sistema Internacional, como nas próprias esferas domésticas. Tentar unir Estados com históricos de exploração e direcioná-los a um caminho pré-determinado por aqueles que ocupam espaços de dominação há séculos, sem levar em consideração suas diferentes realidades e necessidades, pode ser contraproducente. Portanto, englobar novos Estados pode ser um motor para também considerar e absorver visões de desenvolvimento alternativas.

Assim, a incorporação de novos membros deve ser vista como uma oportunidade para promover um diálogo mais inclusivo, permitindo que diferentes perspectivas e abordagens sejam consideradas no contexto do NBD, sobretudo ao pensar que se refere a uma instituição que financia projetos que buscam promover desenvolvimento sustentável. Por exemplo, o próprio conceito de desenvolvimento sustentável abarca noções que vão muito além de investimento em infraestrutura e modernização, como é constituída a base do Banco dos BRICS. Sendo uma instituição que ainda está consolidando sua presença e relevância internacional, perceber a necessidade de reforma em seus princípios é um grande desafio, mas não é impossível – e é provavelmente essencial para os próximos passos do NBD.
No entanto, é importante ressaltar que qualquer reforma no Banco dos BRICS deve levar em consideração a necessidade de equilibrar interesses diversos e garantir a sustentabilidade financeira do banco. Encontrar um equilíbrio entre a busca por visões de desenvolvimento alternativas e a manutenção da estabilidade financeira e do propósito central do NBD é uma tarefa complexa. O assentamento do NBD como uma instituição significativa no cenário internacional exigirá a disposição de enfrentar os desafios e adaptar seus princípios para melhor abordar as desigualdades e promover um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável.
Essa oportunidade pode ser bem aproveitada pela mudança de presidência do Banco, que ocorreu em 2023: de Marcos Toryjo para Dilma Rousseff. Troyjo, também brasileiro, ocupou o cargo de 2020 a março de 2023, e teve um mandato prodtivo, sobretudo em que fortaleceu o Departamento de ESG [8]. Entretanto, a presença de Rousseff pode ser uma oportunidade de emplacar estratégias inovadoras em termos de desenvolvimento sustentável para os países membros. Isso considerando que Rousseff possui grande aproximação com Lula, presidente atual do Brasil, e que foi o chefe de Estado que impulsionou a formalização do BRICS enquanto grupo, embasado em demandas de reformas da ordem global.

Esta alteração burocrática pode fazer com que os aspectos desenvolvimentistas se tornem pauta no contexto do NBD, juntamente com o fortalecimento de questões sociais e ambientais. Isto uniria as motivações da entrada de novos membros com o início do mandato de Dilma, e avançaria no projeto de questionamento da hegemonia e proposta de vias alternativas como fruto da união de Estados majoritariamente marginalizados. Ou, a disputa da narrativa hegemônica pode se manter esquecida em conjunto com os impulsos iniciais reformadores que brilharam na proposta de criação do BRICS e do próprio Banco de Desenvolvimento, e continuar comprometendo a reputação do grupo como um agente de mudança significativo. Mas o papel do NBD de romper com isto se mostra cada vez mais inegável [2].

REFERÊNCIAS
[1] QOBO, Mzukisi; SOKO, Mills. The rise of emerging powers in the global development finance architecture: The case of the BRICS and the New Development Bank. South African Journal of International Affairs 22, no. 3, pp. 277-288, 2015.
[2] STUENKEL, Oliver. BRICS e o futuro da ordem global. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2017.
[3] NDB. Agreement on the New Development Bank – Fortaleza, July 15. 15 de julho de 2014. New Development Bank. Disponível em: https://www.ndb.int/wp-content/themes/ndb/pdf/Agreement-on-the-New-Development-Bank.pdf. Acesso em: 13 de junho de 2023.
[4] KRISHNA, Sankaran. Globalization and Postcolonialism: Hegemony and Resistance in the Twenty-First Century. Lanham: Rowman & Littlefield, 2009.
[5] NDB. All Projects. New Development Bank. Disponível em: https://www.ndb.int/projects/all-projects/. Acesso em: 13 de junho de 2023.
[6] NDB. Members. New Development Bank. Disponível em: https://www.ndb.int/about-ndb/members/. Acesso em: 13 de junho de 2023.
[7] DAMICO, Flávio. Antecedentes: Do Acrônimo De Mercado À Concertação Político‐diplomática. In: n: BAUMANN, R; DAMICO, F; ABDENUR, A; FOLLY, M COZENDEY, C; FLORES, R. BRICS: Studies and Documents. FUNAG, p. 55-78, 2017.
[8] MENDEZ, Alvaro. Latin American agency: The New Development Bank, Uruguay’s accession and Brazilian influence. Global Policy, p. 1–9, 2023.