Pesquisas em andamento

Doutorado

Felipe Marcondes da Costa

A partir do Atlas do Corpo e da Imaginação, livro publicado em 2013 e derivado da tese de doutoramento de Gonçalo M. Tavares, defendida em 2006, a pesquisa visa investigar o conceito de ligações. Concebido pelo autor português em outros momentos e ao longo do referido livro, trata-se de uma proposição para aproximação de ideias e/ou coisas – em suas palavras, “Uma teoria é um sistema de ligações, uma maneira racional de aproximar uma coisa ou uma ideia de outras” (2013, p. 509). O Atlas do Corpo e da Imaginação é composto de fragmentos, explorando ainda fotografias (a cargo do grupo Os Espacialistas), legendas (em que o autor explora mais o potencial poético que a mera descrição de imagens) e notas de rodapé (recurso típico do discurso acadêmico). Esses elementos formais em conjunto dão ensejo a uma leitura do conceito de ligações em funcionamento no próprio Atlas. No espírito dessa concepção de teoria, esta pesquisa lança mão das ligações como operador para (se) aproximar (d)o pensamento do autor a outras artes, reafirmando o potencial epistemológico destas. As reflexões de Tavares acerca do conhecimento contestam a hegemonia do textocentrismo como único modo válido de produção de conhecimento. Em consonância com esse modo de pensar tavariano e o manifesto interesse do autor por linguagens artísticas diversas, o trabalho que “materializará” o conhecimento gerado ao longo desta pesquisa será uma produção artística correspondente a uma tese: uma teoria que, expressa num trabalho artístico, refletirá as ligações potenciais do Atlas do Corpo e da Imaginação.

 

Maria Catarina Rabelo Bozio

No contexto da literatura portuguesa contemporânea, o livro O senhor Eliot e as conferências assume papel emblemático para aprofundar o olhar sobre a obra de Gonçalo M. Tavares. Para a pesquisa, é tomada como central a estratégia da escrita deformadora, a qual propomos como jogo representativo de seu processo criativo. Nesse percurso, são aproximados da produção tavariana outros autores, como T.S. Eliot e Roland Barthes, cujo reflexo crítico e procedimental se percebe e amplia as possibilidades interpretativas na obra do autor português. Entretanto, procura-se extrapolar tais procedimentos e suscitar, ao fim, reflexão mais ampla e perscrutada do corpus, a fim de contemplar tanto o seu potencial interno de formulação crítica, quanto os textos aventados para as conferências do Sr. Eliot. Dessa forma, pretendemos dialogar com a noção de cânone e revisitação dos clássicos movimentada pela leitura da obra tavariana, assim como todo o potencial de reflexão sobre o mecanismo de curadoria desempenhado pelo autor e pelo protagonista da obra.

Mestrado

Fernanda Duduch

Em “Jerusalém” (2006), terceiro livro da série “O Reino”, somos apresentados a personagens que perambulam na madrugada do dia 29 de Maio. Marcadas pela guerra e pelo confinamento, buscam por uma saída que nunca aparece visível em seus horizontes. Além da presença constante do trauma nessas personagens, há um discreto intertexto com as forças dialéticas da representação pós-Auschwitz. Considerando as breves perspectivas supracitadas, pretendemos abordar em nosso objeto de estudo as relações simbólicas que Gonçalo M. Tavares estabelece em “Jerusalém” com a memória da Shoah. Verificaremos como a memória, o esquecimento, a representação e o trauma são construídos no romance, evidenciando que, apesar de não ser uma obra de testemunho, o autor utiliza-se de conceitos pertinentes a esse gênero para recriar um intenso retrato psicológico de sobreviventes de ambientes traumáticos. Para além disso, analisamos como o autor utiliza dessa memória para evidenciar os pequenos e grandes males do mundo contemporâneo.

 

Luciana D’Ingiullo

A pesquisa intitulada As cartas das três Marias: Poesia, Erotismo, Revolução parte de duas hipóteses: a primeira, a questão da autoria compartilhada entre as três Marias, as escritoras portuguesas Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, no livro Novas Cartas Portuguesas, como constituição de um projeto comum marcado pela sororidade e, portanto, por um pacto ético; a segunda hipótese discute a presença do erotismo como estratégia política na escrita de autoria feminina, em uma época de repressão aos direitos de liberdade de expressão. Além do aspecto fragmentário das cartas, o trabalho também investiga a poesia e os contornos revolucionários que esse tipo de obra produziu em seu tempo, semeando novos paradigmas na produção literária do final do século XX.

 

Raphael Mendonça Fortin

Nesta pesquisa, olhando sobretudo para os livros que compõem o nicho “Mitologias” da obra de Gonçalo M. Tavares, a ideia é colocar em movimento a noção de que conceitos pensam conceitos e de que imagens são capazes de pensar imagens, buscando fragmentos que se utilizem do mito para abarcar o real, construindo uma cosmovisão dentro das obras que aponte para possibilidades de fim do mundo. Na obra tavariana, nos interessa observar como essas imagens são dispostas para conduzir o leitor a um certo tipo de horror que, muitas vezes, só pode ser abarcado pelo mito que, por sua vez, conduz a produção de um tipo de saber que tem suas origens em um uso primordial da linguagem. Partindo também do conceito do Antropoceno como sendo uma época geológica que aponta para o “fim da epocalidade” e diante da possibilidade de um fim do mundo, o exercício escatológico de pensar a finitude da experiência humana passa por questionar efetivamente o que é o humano na era da técnica. Nesse sentido, embora visto pelo ponto de vista do logos, tal problemática tem caráter essencialmente metafísico, justamente por se tratar de um tipo de reflexão que transcende a própria ideia do pensar. Se, de fato, a era do humano pode vir a ser a era do fim do humano, é necessário perguntar se a modernidade foi mesmo um projeto emancipatório.

 

Lucas Rodrigues Negri

Partindo da percepção de que o livro “A faca não corta o fogo”, de Herberto Helder, aponta para uma nova fase em sua obra, marcada por “algum recuo na frequência e na agudeza ou na tensão da metáfora” (Arnaldo Saraiva), um “estilo tardio” (Roberto Bezerra de Menezes), um retorno da subjetividade aurática dos românticos (Rosa Maria Martelo) ou ainda outras características apontadas por outros estudiosos, esta pesquisa identifica aspectos dessa transformação e examina o que colocam em jogo. Em linhas gerais, é possível afirmar que tais mudanças indicam uma nova postura na relação entre poesia e realidade, uma renovação ou atualização do confronto com o “real quotidiano”. Sem que seja indício de uma mudança de princípios, o que se reconhece é que, para levar adiante a compreensão que expressava acerca da natureza da poesia, da linguagem e suas relações com a realidade, a obra de Helder assume um conflito interno com a própria impotência e negatividade. Essa apreensão traz à tona uma nova forma de ironia (ou mesmo sarcasmo) e sinaliza para questões fundamentais acerca do lugar da poesia no mundo contemporâneo quando temos em vista sua herança visionária.

Iniciação Científica

Victor Ávila Ferrasso

A prática colecionista, enquanto ato de guardar e conferir valor simbólico a objetos, ocorre desde a Pré-História. Na obra de Karl Marx, a riqueza das sociedades no sistema capitalista aparece como uma “enorme coleção de mercadorias” e a compra de produtos desponta como o ato fundador da vida moderna. Sendo assim, qualquer reflexão sobre o contemporâneo passa pela investigação das relações estabelecidas entre os indivíduos com os objetos. O protagonista do romance A máquina de Joseph Walser, de Gonçalo M. Tavares, é um operário fabril que, inserido em um contexto bélico, no qual o desenvolvimento tecnocientífico parece afetar a conduta ética da sociedade, conserva uma coleção na qual se revelam, ao mesmo tempo, sentidos alienantes e percepções críticas à conjuntura sociopolítica. Joseph Walser, o protagonista, é um anormal, mas, como todos os outros, é transpassado por um sentimento de urgência de normalidade. Procura-se analisar, portanto, em que medida as relações estabelecidas por Walser com sua coleção, com a máquina em que trabalha e com jogos de dados são sintomáticas de uma constituição social pautada no uso da violência e determinada por pressupostos utilitaristas.