Projetos concluídos

Doutorado

Maria Catarina Rabelo Bozio

No contexto da literatura portuguesa contemporânea, o livro O senhor Eliot e as conferências assume papel emblemático para aprofundar o olhar sobre a obra de Gonçalo M. Tavares. Para a pesquisa, é tomada como central a estratégia da escrita deformadora, a qual propomos como jogo representativo de seu processo criativo. Nesse percurso, são aproximados da produção tavariana outros autores, como T.S. Eliot e Roland Barthes, cujo reflexo crítico e procedimental se percebe e amplia as possibilidades interpretativas na obra do autor português. Entretanto, procura-se extrapolar tais procedimentos e suscitar, ao fim, reflexão mais ampla e perscrutada do corpus, a fim de contemplar tanto o seu potencial interno de formulação crítica, quanto os textos aventados para as conferências do Sr. Eliot. Dessa forma, pretendemos dialogar com a noção de cânone e revisitação dos clássicos movimentada pela leitura da obra tavariana, assim como todo o potencial de reflexão sobre o mecanismo de curadoria desempenhado pelo autor e pelo protagonista da obra.

Roberta Almeida Prado de Figueiredo Ferraz

Em 2016, defendeu a tese “Teixeira de Pascoaes revisitado: um ensaio sobre literatura e ausência”. O eixo do trabalho apóia-se sobre a ideia de que a obra de Teixeira de Pascoaes, quando lida como um todo dialogante, sugere-nos a forma de um romance da saudade, na medida em que evoca a concepção romântica do romance como livro absoluto. Neste sentido, Pascoaes é um autor vinculado às questões maiores do Romantismo inicial, cujos temas e questões estéticos são revisitados sob sua poética da saudade, que, trabalhada ao longo de toda a obra, permite-nos que seja lida em potente intratextualidade. A saudade é, sobretudo, uma maneira de ler o humano a partir de seus sinais de ausência; e o lugar maior de visualização e encontro com a fantasmagoria do sujeito é a literatura.

Cibele Lopresti Costa

Projeto cujo objetivo foi o de registrar o processo de uma leitura de Nenhum olhar, de José Luís Peixoto, a partir do reconhecimento de um conjunto de enigmas que o romance elabora, estendendo a negatividade do título às várias camadas do texto narrativo. O método escolhido para a análise baseou-se na hermenêutica de Paul Ricoeur, que destaca a relação tensionada entre o texto literário (como conjunto de enigmas) e o leitor (com sua bagagem decifrativa). A análise textual realizada proporcionou a observação dos mecanismos de enunciação que dotam o texto de um particular hermetismo. Através desses mecanismos, José Luís Peixoto apresenta uma abordagem bastante complexificadora do homem simples do Alentejo, de modo que convida a aproximações entre o romance e as parábolas bíblicas. E na universalidade que essa abordagem é capaz de atingir, Nenhum olhar é aqui lido como parábola contemporânea do homem estagnado.

Mestrado

Felipe Marcondes da Costa

Em 1971 vem à luz Antropofagias, de Herberto Helder. Conjunto muito particular de textos dessa década, em que a significativa mudança no discurso das artes, incubada desde fins dos anos 50, influencia a atitude de artistas diante do mundo e do fazer artístico, resultando em uma nova forma de expressão artística que se aloja no limiar entre a vida e a arte: a performance.

O projeto objetivou analisar o estatuto do corpo como materialidade basilar da performance, a partir do corpus (corpo textual) de Herberto Helder, e tomou como campo de observação o livro Antropofagias, reescrito ao longo da vida do autor, no seu constante exercício de assimilação entre arte e vida. Traçando relações entre os procedimentos de (re)escrita e a centralidade que o corpo assume na arte da performance, refletiu-se sobre como a ausência e a invisibilidade física que marcara a trajetória de Helder acabou por conferir valor corpóreo à sua poesia, a ponto de a obra tomar o lugar de seu corpo empírico no mundo.Conferindo ao poema a dimensão corpórea, o exercício de revisão contínua equivale ao envelhecimento próprio pelo qual passa todo corpo ao longo do tempo, que o torna o mesmo e outro. Esse processo de reescritura também responde a uma demanda do aqui-e-agora do autor, como um ato de presentificação que altera, inevitavelmente, o seu passado. Partindo do corpo, os três elementos mencionados – limiar entre arte e vida, evocação do estado de presença e instauração do aqui-agora – e os desdobramentos que se dão a partir deles se apresentam como tópicos de aproximação a seus contemporâneos na arte da performance.

Fernanda Duduch

Em “Jerusalém” (2006), terceiro livro da série “O Reino”, somos apresentados a personagens que perambulam na madrugada do dia 29 de Maio. Marcadas pela guerra e pelo confinamento, buscam por uma saída que nunca aparece visível em seus horizontes. Além da presença constante do trauma nessas personagens, há um discreto intertexto com as forças dialéticas da representação pós-Auschwitz. Considerando as breves perspectivas supracitadas, pretendemos abordar em nosso objeto de estudo as relações simbólicas que Gonçalo M. Tavares estabelece em “Jerusalém” com a memória da Shoah. Verificaremos como a memória, o esquecimento, a representação e o trauma são construídos no romance, evidenciando que, apesar de não ser uma obra de testemunho, o autor utiliza-se de conceitos pertinentes a esse gênero para recriar um intenso retrato psicológico de sobreviventes de ambientes traumáticos. Para além disso, analisamos como o autor utiliza dessa memória para evidenciar os pequenos e grandes males do mundo contemporâneo.

Luciana D’Ingiullo

A pesquisa intitulada As cartas das três Marias: Poesia, Erotismo, Revolução parte de duas hipóteses: a primeira, a questão da autoria compartilhada entre as três Marias, as escritoras portuguesas Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, no livro Novas Cartas Portuguesas, como constituição de um projeto comum marcado pela sororidade e, portanto, por um pacto ético; a segunda hipótese discute a presença do erotismo como estratégia política na escrita de autoria feminina, em uma época de repressão aos direitos de liberdade de expressão. Além do aspecto fragmentário das cartas, o trabalho também investiga a poesia e os contornos revolucionários que esse tipo de obra produziu em seu tempo, semeando novos paradigmas na produção literária do final do século XX. 

Lucas Rodrigues Negri

Partindo da percepção de que o livro “A faca não corta o fogo”, de Herberto Helder, aponta para uma nova fase em sua obra, marcada por “algum recuo na frequência e na agudeza ou na tensão da metáfora” (Arnaldo Saraiva), um “estilo tardio” (Roberto Bezerra de Menezes), um retorno da subjetividade aurática dos românticos (Rosa Maria Martelo) ou ainda outras características apontadas por outros estudiosos, esta pesquisa identifica aspectos dessa transformação e examina o que colocam em jogo. Em linhas gerais, é possível afirmar que tais mudanças indicam uma nova postura na relação entre poesia e realidade, uma renovação ou atualização do confronto com o “real quotidiano”. Sem que seja indício de uma mudança de princípios, o que se reconhece é que, para levar adiante a compreensão que expressava acerca da natureza da poesia, da linguagem e suas relações com a realidade, a obra de Helder assume um conflito interno com a própria impotência e negatividade. Essa apreensão traz à tona uma nova forma de ironia (ou mesmo sarcasmo) e sinaliza para questões fundamentais acerca do lugar da poesia no mundo contemporâneo quando temos em vista sua herança visionária.

Iniciação Científica

Victor Ávila Ferrasso

A prática colecionista, enquanto ato de guardar e conferir valor simbólico a objetos, ocorre desde a Pré-História. Na obra de Karl Marx, a riqueza das sociedades no sistema capitalista aparece como uma “enorme coleção de mercadorias” e a compra de produtos desponta como o ato fundador da vida moderna. Sendo assim, qualquer reflexão sobre o contemporâneo passa pela investigação das relações estabelecidas entre os indivíduos com os objetos. O protagonista do romance A máquina de Joseph Walser, de Gonçalo M. Tavares, é um operário fabril que, inserido em um contexto bélico, no qual o desenvolvimento tecnocientífico parece afetar a conduta ética da sociedade, conserva uma coleção na qual se revelam, ao mesmo tempo, sentidos alienantes e percepções críticas à conjuntura sociopolítica. Joseph Walser, o protagonista, é um anormal, mas, como todos os outros, é transpassado por um sentimento de urgência de normalidade. Procura-se analisar, portanto, em que medida as relações estabelecidas por Walser com sua coleção, com a máquina em que trabalha e com jogos de dados são sintomáticas de uma constituição social pautada no uso da violência e determinada por pressupostos utilitaristas.