Por Jorge Rovira Mas
A América Central iniciou um ciclo histórico e político muito promissor em 1944, deixando para trás as ditaduras personalistas dos anos 1930, com exceção da Nicarágua, que preservou a dos Somoza. A institucionalização da democracia e o desenvolvimento foram seus motes. Entretanto, depois do aborto da Revolução de Outubro na Guatemala (1944-1954) – que favoreceu os interesses norte-americanos no contexto da Guerra Fria –, o referido ciclo centro-americano derrapou num sentido completamente diferente. Em geral – com exceção da Costa Rica –, institucionalizaram-se novas modalidades de regimes autoritários, ao mesmo tempo que as oportunidades econômicas propiciadas pelo boom do pós-guerra traduziram-se num desenvolvimento concentrador e excludente das grandes maiorias.
A quebra desse ciclo histórico e o começo de um novo ocorreu com a vitória da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) sobre Somoza, em julho de 1979, na Nicarágua. Meses depois deu-se um golpe de Estado em El Salvador e a guerrilha da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) se fortaleceu a partir de 1981. Na Guatemala, desde antes já recrudescia a política de terror de Estado imposta a partir de 1978 pelo governo do general Romeo Lucas García, e ela continuaria em 1982 e 1983 com o golpe do general Efraín Ríos Montt. Em Honduras, os militares entregaram o poder aos civis antecipadamente e a normalidade da disputa política democrática foi restaurada a partir de 1980-1981, mas com ingerência manifesta dos Estados Unidos, que começaram a utilizar o território hondurenho para sua estratégia regional de “guerra de baixa intensidade” contra os sandinistas e de limitação de espaço da FMLN. A Costa Rica, por sua vez, embarcada numa crise econômica profunda em 1980-1982, teve de apelar à administração Reagan (1981-1989) dos Estados Unidos para enfrentá-la. Em troca desse amparo à sólida democracia costa-riquense, os norte-americanos multiplicaram suas pressões para que o país entrasse no seu jogo, permitindo que seu território fosse utilizado pela Contra (contrarrevolução antissandinista) nicaraguense. Embora o presidente Monge (1982-1986), do Partido de Libertação Nacional (PLN), tivesse declarado em 1983, para se proteger de tais pressões, “a neutralidade perpétua, ativa e não armada da Costa Rica diante dos conflitos internacionais”, o certo é que só pôde resistir com limitações. A todo o contexto anterior se somava o apoio cubano e soviético aos sandinistas na Nicarágua e à FMLN em El Salvador. Em suma, a América Central vivia na década de 1980 a crise dos regimes autoritários renovados no pós-guerra e o início duvidoso de alguns processos de transição para a democracia representativa.
Ante a persistente política anticomunista da administração Reagan, que não dava trégua aos sandinistas, desde 1983 se desenvolveram negociações diplomáticas na região, com o concurso do Grupo de Contadora (Panamá, Colômbia , Venezuela e México) para encontrar uma saída para o conflito centro-americano, alternativa à pretendida pelos Estados Unidos. A partir de 1985, somou-se a esse esforço latino-americano o do Grupo de Apoio a Contadora (Brasil, Argentina, Peru e Uruguai), com negociações complexas, prolongadas e nunca concluídas. Depois veio a proposta do presidente guatemalteco democraticamente eleito, Vinicio Cerezo, apresentada no povoado de Esquipulas (Guatemala) em maio de 1986, tampouco concluída satisfatoriamente.
Na Costa Rica, foi eleito para o mandato de 1986-1990 o presidente Óscar Arias Sánchez do PLN. Nessa época, o pior da crise econômica de 1980-1982 havia ficado para trás, graças à gestão de Monge, o que dava margens de manobra para a ação do novo mandatário. Arias entendia que a Costa Rica, com sua democracia estável, não era um problema para a América Central, mas que a crise política centro-americana era uma pedra enorme no caminho do desenvolvimento costa-riquense. Em fevereiro de 1987, tomou a iniciativa com uma proposta intitulada “Uma hora para a paz”, que despertou suspeitas em alguns de que se tratava de uma proposta norte-americana usando outra pessoa, mas outros a entenderam como uma iniciativa surgida na América Central, com certa viabilidade política. Arias teve como vantagem o fato de a administração Reagan, em seu segundo mandato, encontrar-se no momento com sérias dificuldades políticas no Congresso e frente aos democratas pelo caso Irã-Contras.
Finalmente, contra qualquer expectativa favorável, sobretudo da administração Reagan, que sempre foi surpreendida pela audácia e firmeza de Arias, se chegou a um acordo entre os presidentes centro-americanos (Cerezo, da Guatemala; Azcona, de Honduras; Duarte, de El Salvador; Ortega, da Nicarágua; e Arias, da Costa Rica) em Esquipulas, em 6 e 7 de agosto de 1987, acordo este conhecido como Esquipulas II, cuja concretização ganhou vida no documento “Procedimento para estabelecer a paz firme e duradoura na América Central”. Ele se concentrou nos seguintes pontos: reconciliação nacional; exortação ao fim das hostilidades; democratização; eleições livres; fim da ajuda a forças irregulares e aos movimentos insurrecionais; não ao uso do território para agressão a outros Estados; negociações em matéria de segurança, verificação, controle e limitação de armamento; refugiados e deslocados; cooperação, democracia, liberdade para a paz e o desenvolvimento; verificação e seguimento internacional; calendário de execução de compromissos.
No final de 1987, foi conferido a Arias o Prêmio Nobel da Paz.
Com altos e baixos, o acordo de Esquipulas II foi-se concretizando nos anos seguintes e, ajudado pelas mudanças na geopolítica mundial (desaparecimento da União Soviética, democratização do Leste Europeu e outras), consumaram-se os processos de remate das guerras na região e a transição para a democracia. Em 1990, a FSLN perdeu as eleições na Nicarágua e entregou o poder pacificamente à oposição vitoriosa mediante um pacto que ofereceu garantias às partes em disputas. Em 1992, firmou-se o acordo de Chapultepec (México) entre a guerrilha salvadorenha e o governo de direita de Alfredo Cristiani, da Aliança Republicana Nacionalista (ARENA). E em dezembro de 1996, na cidade da Guatemala, foi assinado o último acordo entre a guerrilha da Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG) e o governo, também de direita como em El Salvador, de Álvaro Arzú, do Partido de Avanzada [Guarda] Nacional (PAN).
Desta maneira, encerrou-se a crise política centro-americana e em todos os países se institucionalizou a democracia representativa, uma novidade na história da região.