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Guiana Francesa

Por Rodrigo Nobile

Nome oficial Guyane
Localização Norte da América do Sul, banhada pelo oceano Atlântico ao norte, faz fronteira com o Suriname a oeste e com o Brasil a leste e ao sul
Estado e Governo¹ Coletividade Territorial Única
Idiomas² Francês (oficial), crioulo local (de base francesa), chinês hak, javanês, saramaccan (crioulo de base inglesa), línguas indígenas
Moeda³ Euro
Capital⁴ Caiena (55.198 hab. em 2012)
Superfície³ 86.504 km²
População⁴ 239.648 hab. (2012)
Densidade demográfica 2,8 hab./km² (2012)
Distribuição
da população⁵
Urbana (84,1%) e
rural (15,9%) (2014)
Analfabetismo² 17% 
PIB⁴ € 3,8 bilhões (2012)
PIB per capita⁴ € 15.857 (2012)
Composição étnica³ Crioulos guianeses, ameríndios, negros quilombolas, h’mongs, metropolitanos, outras populações
Eleições⁶ Prefeito nomeado pela França, é representante do Estado. Legislativo unicameral, a Assembléia da Guiana (Assemblée de Guyane), é composta por 51 conselheiros eleitos direta e proporcionalmente em sistema de maior média em dois turnos para mandatos de 6 anos, com direito à reeleição, em um distrito único plurinominal.A Guiana elege 2 deputados para a Assembléia Nacional francesa e 2 representantes para o Senado francês⁷.
Fontes:
¹ DROM-COM
² Ethnologue: Languages of the World
³ Informações do Ministère des Outre-Mer
⁴  Institut national de la statistique et des études économiques (INSEE)
⁵ ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision
⁶  Portail de l’État em Guyane
⁷  Politiquemania

A partir de abril de 2015, a Guiana Francesa deixou de ser um departamento ultramarino da França para se transformar numa coletividade territorial única. O país continua sendo território francês, mas ganhou maior autonomia administrativa. Passou a contar com um legislativo unicameral, a Assembleia da Guiana, composta por 51 conselheiros eleitos de forma direta para mandatos de seis anos. A Guiana Francesa tem a menor extensão da América do Sul, 86.504 km², e também a menor população, cerca de 239 mil habitantes. Sua última pendência territorial, com o Brasil, foi solucionada em 1900, com mediação internacional, que reafirmou os termos do Tratado de Utrecht, de 1713, favorável aos portugueses. A França reivindicava a área entre os rios Oiapoque e o Amazonas, correspondente ao atual estado brasileiro do Amapá.

economia interna da Guiana Francesa gravita em torno da europeia. Mais de metade das suas exportações destina-se à França. A renda per capita é de € 15.857 graças ao auxílio financeiro francês e aos negócios da base espacial de Kourou. Esta, sozinha, contribui com cerca de 25% do seu PIB anual. Aproximadamente 90% do seu território é coberto por uma densa floresta tropical, cuja exploração, juntamente com a mineração, fornece os principais produtos de exportação. A agricultura, apesar do solo fértil, é basicamente para consumo interno e insuficiente para satisfazer a demanda.

 

Dificuldades na ocupação e colônia penal

Após cerca de um século de inconteste hegemonia espanhola, os franceses iniciaram a ocupação do território em 1604. Para tanto, criaram em 1635 a Companhia das Ilhas da América. A região passou por sucessivos domínios coloniais: holandeses, ingleses e portugueses. Somente em 1817 foi declarada oficialmente colônia francesa.

A população é formada em sua maioria por indígenas aruaques e caribes, que resistiram à ocupação, sendo pouco significativo o afluxo de escravos africanos. O esforço de povoamento foi iniciado em fins do século XVIII, quando cerca de 3 mil colonos franceses foram enviados principalmente para o interior. A maior parte dos escravos africanos e imigrantes europeus foi dizimada por enfermidades tropicais, como a febre amarela e a malária. Os sobreviventes europeus, poucas centenas, posteriormente migraram para as ilhas da costa, chamadas de “Ilhas da Saúde”.

Em decorrência das elevadas taxas de mortalidade, da fuga de escravos e da rebeldia dos nativos, diferentemente das outras colônias francesas como Martinica Guadalupe, a Guiana Francesa não conseguiu desenvolver uma monocultura intensiva de cana-de-açúcar. Assim, por decisão da metrópole, passou a receber fluxos de exilados políticos. No início, chegaram 193 seguidores de Robespierre, depois da morte de seu líder em 1794. Há notícias de que, em 1797, teria chegado uma outra leva de presos políticos republicanos. Os novos contingentes teriam sido dizimados pelas enfermidades tropicais e nas tentativas de fuga.

Mercado de Caiena, capital da Guiana Francesa (Julie Drewnowski/Creative Commons)

Com a abolição da escravidão, já em 1848, muitos negros e mulatos libertos instalaram comunidades na selva e mantiveram uma cultura parecida com a de seus ancestrais na África. Com vistas ao desenvolvimento da produção agrícola, da mesma forma que em Suriname e na Guiana, a partir de 1850, foram trazidas levas de indianos, malaios e chineses que, entretanto, preferiram ficar nas cidades e viver do comércio.

Ainda no século XIX, a metrópole estabeleceu uma colônia penal em seu protetorado, com diversos presídios, não apenas para resolver o problema do despovoamento e desenvolvimento econômico, mas para livrar a França dos seus “piores elementos” – adversários políticos e bandidos comuns. Os presos eram obrigados, depois de libertos, a viver na Guiana Francesa por mais um período de tempo equivalente ao de sua pena.

Estudos revelam que cerca de 70 mil prisioneiros foram para lá enviados entre 1852 e 1939. Na verdade, cumprir pena na Guiana Francesa equivalia a uma sentença de morte. Estimativas apontam que 90% dos prisioneiros morreram de malária ou febre amarela. A colônia penal funcionou formalmente de 1852 a 1946. Das prisões, a mais conhecida foi a da Ilha do Diabo, cenário do famoso livro Papillon, de Henri Charriére, que relata a sua tentativa de fuga com Alfred Dreyfus. No período entre o final do século XIX e a Segunda Guerra, foram descobertos veios de ouro e iniciou-se a sua exploração, mas isso não determinou mudanças profundas na sua estrutura econômica, apenas atraiu garimpeiros de outros países, como o Brasil.

 

Base de foguetes e movimentos independentistas

Após a Segunda Guerra Mundial, em 19 de março de 1946, a Guiana Francesa tornou-se um Departamento de Ultramar, com direito a cadeiras no Senado, na Assembleia Nacional e no Conselho Econômico e Social franceses. O presidente da República francesa, eleito a cada sete anos (até o ano 2000, e a cada cinco a partir daí), passou a nomear pessoalmente seu representante na Guiana Francesa. Seus habitantes adquiriram cidadania francesa e, juntamente com Guadalupe, o território passou a ter uma Corte de Apelação próxima, sediada na Martinica.

Centro Espacial de Kourou (Julie Drewnowski/Creative Commons)

 

No âmbito socioeconômico e geopolítico, o período posterior a 1946 foi marcado pela construção de uma base de lançamento de satélites em 1968, em Kourou, pela Agência Europeia Espacial. O local foi escolhido devido a sua proximidade da linha do equador. A base trouxe grande notoriedade internacional e aumentou as atenções francesas sobre a Guiana, já que o território se tornou uma fonte de divisas e importância geopolítica.

Embora a base tenha se transformado numa das principais fontes de divisas, o progresso ainda não beneficiou a população local. Os trabalhadores e técnicos são estrangeiros e a maior parte dos insumos utilizados é importada. Após a instalação da base, os únicos setores da economia local que cresceram foram o da construção civil e o do comércio. Ainda assim, as alterações estimulariam um novo fluxo migratório, constituído principalmente de asiáticos do leste e de países vizinhos como Brasil e Haiti.

Nos anos 1970, o movimento autonomista fortaleceu-se e o Partido Socialista Guianense passou a ser majoritário nas instâncias locais. Esse movimento, posteriormente, se radicalizou com a emergência dos movimentos armados, que passaram a realizar atentados contra alvos “colonialistas”. Apenas com a eleição dos socialistas na França, em 1981, as tensões declinariam.

Em 1982, a França adotou uma política de descentralização, com o direito de eleição de Conselhos Regionais, e os Departamentos de Ultramar ganharam um status político semelhante ao das regiões metropolitanas francesas. Em 1985, foi realizada a I Conferência das Últimas Colônias Francesas, em Guadalupe, em que foram criticadas as facilidades de concessão de vistos de cidadania francesa aos recém-chegados do leste-asiático, em contraste com as discriminações sofridas por brasileiros e haitianos. No ano seguinte, foram realizadas eleições em todos os territórios franceses e a Guiana Francesa aumentou sua participação na Assembleia Nacional da França. Em 1989, a esquerda conquistou o governo da capital e de mais 12 das 19 circunscrições. Nesse mesmo ano, Georges Othily, um dissidente do PSG, foi eleito senador.

O ambiente político, contudo, deteriorou-se no início dos anos 1990, com uma paralisação geral de empresários e trabalhadores, causada por uma grave crise econômica, sucedida pela intensificação do fluxo de imigrantes; no final dos anos 1980 e início dos 1990, passaram a chegar também surinameses fugidos de perseguição política. Como não investiu em obras de infraestrutura para receber os novos habitantes, as condições da saúde e da educação pública decaíram.

Em 1994, a Guina Francesa passou a integrar a Associação dos Países do Caribe. O presidente francês Jacques Chirac, em 1997, anunciou outro plano de desenvolvimento. O movimento pela descolonização se fortaleceu, conquistando três cadeiras. André Lecante, do partido Ação Democrática Guiananse, foi nomeado presidente do Conselho Geral da Guiana em 1998. A Central de Trabalhadores da Guiana Francesa, ainda nesse ano, convocaria nova paralisação em protesto contra a recusa do subsecretário francês dos Territórios de Ultramar de dialogar com representantes do movimento independentista.

 

Os criollos na virada do século

A Guiana Francesa começaria o novo século em crise apesar da boa nova representada pelo início das negociações, no ano 2000, entre o Brasil, então representado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, e a França para a construção de uma estrada que ligaria o Estado do Amapá e a cidade de Caiena.

Embora representem 66% da população, os criollos ainda ocupam somente postos secundários na administração pública e na polícia, e continuam subordinados à elite branca. Mais do que o restante dos habitantes, eles são as principais vítimas das altas taxas de desemprego, superiores a 25%, e de pobreza, que afetam principalmente os mais jovens. A situação social, porém, foi amenizada com o envio de recursos franceses para o seguro-desemprego – um benefício tipicamente europeu que contribui para a subsistência da população.

O movimento independentista não reivindica mais a independência total, mas apenas um status intermediário para o autogoverno. Começou o milênio enfraquecido devido às atenções crescentes da França e União Europeia para a base de lançamento, que se converteu numa das principais do mundo.

No plano internacional, finalmente, a França começou a enfrentar diversos tipos de problemas. Um deles é com o Suriname, que retomou o litígio pela área situada entre o rio Litani e o rio Marouini. Há também queixas de que garimpeiros e trabalhadores brasileiros estariam invadindo o território, principalmente Caiena, em virtude da desvalorização da moeda brasileira – o real – e da atração representada pelos ganhos em euros.

A Guiana Francesa destoa dos vizinhos sul-americanos em relação ao IDH (0,862), considerado alto, assim como o custo de vida, os preços e os salários praticados – estes até quatro vezes maiores que a média da região. Além disso, a população apresenta um índice de crescimento de 3,5 ao ano e a taxa de desemprego gira em torno de 20% (Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos, 2014).

A Guiana ainda tem a economia ligada à Europa, mas percebe-se um esforço no sentido de uma maior interação com países fronteiriços, em especial com o Brasil. Em 2011, por exemplo, ficou pronta a ponte binacional que liga o estado do Amapá ao território francês.

Contudo, na última década, a criminalidade tem aumentado, com casos de contrabando, tráfico de drogas, imigração e garimpo clandestinos, entre outras atividades ilícitas. Diante disso, Rodolphe Alexander, presidente da região da Guiana Francesa desde 2010, ex-membro do Partido Socialista, defende uma política de forte repressão para combater o problema. Em 2015, uma delegação de políticos locais abriu negociação para ingresso do território francês na Comunidade do Caribe (Caricon).

Ilhas du Salut ou ilhas da Salvação (do povo francês), presos eram enviados para a ilha na época de Napoleão III. No centro estão os suportes para a instalação da guilhotina da prisão (Julie Drewnowski/Creative Commons)

 

Bibliografia

ADELAIDE-MERLAND, Jacques. Historie contemporaine de la Caribe et des Guyanes: de 1945 à nos jours. Paris: Éditions Karthala, 2002.

APPIAH, Kwame A.; GATES, Henry L. Africana: the encyclopedia of the african and african american experience. New York: Civitas Books, 1999.

ENCICLOPÉDIA DO MUNDO CONTEMPORÂNEO. Rio de Janeiro/São Paulo: Terceiro Milênio/Publifolha, 1999.

FOUCK, Serge. Historie générale de la Guyane française. Paris: Íbis Rouge Editions, 2002. (Coleção Espaces Guyanais)

LUXNER, Larry. Job Lack Fuels French Guiana Unrest: Space Center Employs Few Local Citizens. The Washington Times, August 19, 1997.

 

Quadros Estatísticos

Indicadores demográficos

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020*
População 
(em mil habitantes)
25 32 48 67 116 163 234 304
• Sexo masculino (%) 52,00 50,00 52,08 52,24 51,72 51,53 50,00 50,00
• Sexo feminino (%) 48,00 50,00 47,92 47,76 48,28 48,47 50,00 50,00
Densidade demográfica 
(hab./km²)
0,3 0,4 0,6 0,8 1,4 2,0 2,8 3,7
Taxa bruta de natalidade 
(por mil habitantes)**
36,4 31,6 30,4 28,9 31,6 28,2 26,1 22,4
Taxa de crescimento 
populacional
(por mil habitantes)**
20,6 19,1 22,1 22,7 27,1 24,7 22,9 19,3
Expectativa de vida 
(anos)**
53,30 59,48 65,75 69,18 72,75 76,13 78,98 81,6
População entre 
0 e 14 anos (%)
30,70 37,60 38,40 34,20 34,90 35,80 35,20 32,10
População com mais 
de 65 anos (%)
5,5 6,6 5,3 4,9 3,6 3,7 4,2 6,0
População urbana (%)¹ 53,7 63,3 67,4 70,8 74,6 79,1 82,9 85,6
População rural (%)¹ 46,3 36,7 32,6 29,2 25,4 20,9 17,1 14,4
Participação na população 
latino-americana (%)***
0,01 0,01 0,02 0,02 0,03 0,03 0,04 0,05
Participação na população 
mundial (%)
0,001 0,001 0,001 0,002 0,002 0,003 0,003 0,004
Fontes: ONU. World Population Prospects: The 2015 Revision Database
¹ Dados sobre a população urbana e rural retirados de ONU. World Urbanization Prospects, the 2014 Revision
*Projeção. | ** Estimativa por quinquênios. | *** Inclui o Caribe.
Obs.: Informações sobre fontes primárias e metodologia de apuração (incluindo eventuais mudanças) são encontradas na base de dados indicada.

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Conteúdo atualizado em 08/06/2017 21:41