Valparaíso, 1915 – Santiago (Chile), 2006
Por Rodrigo Nobile
Aos 17 anos, o futuro ditador do Chile, Augusto José Ramón Pinochet Ugarte, ingressou na carreira militar. Sua primeira participação direta na política deu-se no governo da Unidade Popular, quando integrou o gabinete cívico-militar instituído por Salvador Allende como forma de atenuar a crise, o que, na verdade, serviu para agravá-la.
Utilizando-se da sua posição privilegiada, Pinochet tomou conhecimento da convocação do plebiscito que garantiria a transição institucional para 11 de setembro de 1973 e antecipou o golpe de Estado para a mesma data. Para tanto, contou com o apoio estratégico da CIA e militar da Marinha dos Estados Unidos, que se posicionara na costa chilena. Assumiu o posto de ditador, à frente de uma Junta Militar composta de comandantes em chefe dos outros setores das Forças Armadas chilenas, instalando um regime de terror que duraria dezessete anos.
O governo de Pinochet pode ser dividido em duas fases. A primeira, que durou até 1983, após uma crise econômica inicial, desfrutou de um ambiente favorável, para o qual contribuíam a forte repressão política e a implementação de políticas de cunho neoliberal. Na segunda, entre 1983 e 1989, o governo passou a enfrentar uma conjuntura econômica desfavorável, o que o forçou a aplicar políticas anticíclicas e a iniciar, paulatinamente, um processo de transição institucional, que levou ao fim do regime militar.
Choque neoliberal e repressão política
Pinochet governou inicialmente por meio de uma Junta Militar, que procurava resolver dois problemas. O primeiro, e mais imediato, era impor a estabilidade socioeconômica, após um período de intensa disputa e desarticulação econômica, provocadas em grande parte por ações da própria direita.
O segundo era desenvolver um novo processo de acumulação capitalista de cunho ortodoxo, baseado na abertura comercial, revertendo as políticas distribuidoras de renda, com privatizações rápidas e generalizadas, reversão parcial do processo de reforma agrária iniciado no governo de Eduardo Frei Montalva e aprofundado pela Unidade Popular, e estabelecimento da hegemonia do capital financeiro sobre o produtivo. Diante da persistente estagnação, em 1975, o governo aplicou uma nova política de choque, implementada por discípulos de Milton Friedman, da Escola de Economia de Chicago. Essa política ultraliberal resultou na especialização das exportações em commodities e na quebra de setores, como têxteis, eletrodomésticos, autopeças etc. A decisão de saída imediata do Pacto Andino, logo depois do golpe militar, favoreceu essa tendência econômica.
Para financiar o desenvolvimento dos setores primário-exportadores, os investimentos foram efetuados por meio de empréstimos de bancos internacionais, o que ampliou o endividamento. Outros fatores negativos foram as privatizações de bancos, setores da indústria e serviços públicos, como a previdência social, saúde e educação, que favoreceram as grandes empresas e a concentração de capital.
No plano trabalhista, o governo reprimiu as organizações de assalariados, suspendeu as negociações coletivas e estimulou a adoção de contratos individuais e flexíveis.
A partir de 1977, presenciou-se um novo ciclo de crescimento baseado no aumento da demanda externa. No entanto, com a economia baseada nesse modelo de acumulação, apenas o enclave exportador teve benefícios reais. Isso gerou poucas externalidades positivas e ainda aumentou a desigualdade, comprovada pela proliferação das poblaciones .
Em decorrência das pressões internacionais, a ditadura chilena realizou um plebiscito em 1980, em plena vigência do estado de sítio, no qual se aprovou uma nova Constituição, que, na verdade, dava maiores poderes e imunidade aos militares, e consolidava suas políticas, além de fixar um novo mandato para Pinochet de oito anos, ao fim dos quais se realizaria nova consulta popular.
Nesse período, apesar da forte repressão, os movimentos populares e a esquerda se fortaleciam. Em 1977, ocorreram os primeiros protestos de massas. Atingiriam o ápice em 1983 com uma jornada de protestos, em decorrência da grave crise econômica iniciada em 1982, que resultou no aumento do desemprego. Devido ao crescente endividamento, o governo foi obrigado a recorrer ao FMI, o que implicou mais arrocho e desemprego, entre outras mazelas, e, por consequência, o aumento da insatisfação.
Ao mesmo tempo, a crise destruiu a aliança entre a burguesia média e a financeira, causando o fortalecimento da democracia cristã, ao centro, e da direita independente. Por sua vez, os movimentos armados, como o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) e a Frente Patriótica Manuel Rodriguez, oriunda de dissidentes radicalizados do Partido Comunista, intensificaram suas ações. A última foi acusada de organizar uma frustrada tentativa para assassinar Pinochet, em setembro de 1986.
No plano internacional, a alteração na agenda, que colocou a questão dos direitos humanos na ordem do dia, levou a pressões por parte de organismos internacionais e à minimização do apoio por parte do governo dos Estados Unidos. Ademais, nesse contexto de alterações, muitos países do Cone Sul, após períodos ditatoriais, passaram por um processo de democratização.
Transição negociada
Embora Pinochet ainda contasse com o fiel apoio da alta burguesia, e o MIR e o PCC estivessem debilitados em virtude da repressão, a Democracia Cristã e os socialistas se aliaram, criando no plano interno forças democráticas capazes de enfrentar o ditador. Assim, em 1988, ocorreu a consulta popular, acompanhada por observadores internacionais, na qual a maioria optou pela não continuidade de Pinochet no poder.
Convocadas as eleições, a Concertación de Partidos por la Democracia, coalizão de centro-esquerda, conseguiu eleger Patricio Aylwin Azócar no primeiro turno, com 55% dos votos. O candidato apoiado por Pinochet conquistou cerca de um terço dos votos. Esse fato, somado à Constituição conservadora de 1980, conseguiria garantir uma transição negociada, na qual os privilégios dos militares e a política econômica foram mantidos.
Não por acaso, Pinochet tornou-se símbolo de opressão, violência e autoritarismo na América Latina. Diferentemente das ditaduras na Argentina e no Brasil, a chilena foi instituída em um período em que se enfrentava uma crise econômica sistêmica e em uma sociedade na qual a consciência política e as lutas sociais estavam impregnadas na cultura popular. Caso se considere a eleição de Allende como símbolo da radicalização democrática chilena, a ditadura de Pinochet poderia ser vista como uma contrarrevolução.
Nesse sentido, o governo militar promoveu uma profunda despolitização e eliminação dos espaços públicos, anteriormente utilizados para a convivência coletiva. As Forças Armadas e o órgão de inteligência, a DINA, posteriormente denominada Centro Nacional de Inteligência (CNI), organizaram inúmeras ações, como a Caravana da Morte, a Operação Condor, a Operação Colombo, a Operação Albânia, entre muitas outras, que resultaram no assassinato ou desaparecimento de milhares pessoas, prisões arbitrárias e exílios forçados. A prática da tortura tornou-se corrente nos processos de investigação. Além disso, presenciou-se o fechamento de partidos de esquerda e a suspensão das atividades de outros; o Congresso foi fechado; houve intervenção no Poder Judiciário e foram proibidos os meios de comunicação críticos, entre outras ações.
Por esses crimes contra os direitos humanos, embora conseguisse viver em liberdade no Chile graças ao seu posto de senador vitalício, Pinochet foi preso em sua primeira viagem internacional, em outubro de 1998, em Londres, por ordem expedida pelo juiz espanhol Baltasar Garzón. O então presidente Eduardo Frei Ruiz-Tagle, pressionado por seguidores do ex-ditador, iniciou um árduo trabalho para libertá-lo. Ainda assim, ele ficou detido por cerca de quinhentos dias.
Além das acusações de assassinatos e violações de direitos humanos, Pinochet enfrentava acusações de enriquecimento ilícito, reforçadas pela descoberta de contas milionárias a ele vinculadas em bancos no exterior. Houve o congelamento das contas, que ainda assim foram movimentadas. As últimas estratégias da defesa de Pinochet, para mantê-lo livre, foram as alegações de senilidade e debilidade de saúde.
Apesar de protegido pela inimputabilidade, as investigações sobre os crimes e irregularidades cometidos durante sua ditadura prosseguiram. Em 2005, foram descobertas pelo Senado dos Estados Unidos contas secretas de Pinochet no Riggs Bank, de Londres, e em vários bancos dos EUA, que somavam quase US$ 20 milhões amealhados de forma ilícita.
Pinochet morreu vítima de uma ataque cardíaco em 10 de dezembro de 2006, aos 91 anos, em Santiago, capital chilena. Na ocasião, por decisão do governo de Michelle Bachelet, seu funeral não recebeu honras de Estado. O ditador não deixou herdeiros políticos e mesmo o exército chileno decidiu, em 2014, retirar o nome do general de uma das medalhas reservadas aos cadetes da academia militar. Em 2015, a presidenta Bachelet anunciou o início do processo constituinte para elaboração de uma nova Carta, em substituição a Constituição herdada da ditadura Pinochet.