Aracataca (Colômbia), 1927 – Cidade do México (México), 2014
Flávio Aguiar
Entre o elenco de grandes narradores que a América Latina revelou ao mundo literário nas últimas seis décadas figura esse escritor e jornalista colombiano, uma das personalidades intelectuais mais atuantes e populares do mundo. Marco na narrativa do real maravilhoso, o Nobel de Literatura (1982) instaurou, com o romance Cien años de soledad (1967), a coluna central para uma literatura que funde no universo múltiplo próximo do Caribe a musicalidade do idioma espanhol com o mundo mágico de seus povos mestiços, herdeiros diretos ou enviesados dos indígenas, negros e europeus.
Na esteira da saga dos Buendía, desde a imaginária Macondo, o conjunto da obra reúne outros romances, contos, crônicas, relatos infantis, reportagens, artigos e a participação em um dicionário da língua espanhola, uma das obsessões linguísticas do autor. Sua narrativa de uma saga familiar o aproxima do brasileiro Érico Veríssimo, cujo O tempo e o vento foi uma de suas leituras. Sua produção foi, em grande parte, desenvolvida ao longo da carreira jornalística iniciada em seu país no final dos anos 1940, quando desistiu do curso de direito.
Na ficção e no jornalismo efetivou seu posicionamento ideológico de esquerda, expressando-se politicamente em textos que circularam em veículos de comunicação de massa ou mediante um leque diversificado de atividades intelectuais, como a criação da Fundación para un Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI), na cidade de Cartagena de Índias. Atuou em movimentos políticos culturais de países da América Latina, assim como em instituições dedicadas aos direitos humanos. Manteve fortes vínculos com o cinema, ministrando oficinas de roteiros cinematográficos e televisivos em Cuba, na Escuela Internacional de Cinema y Televisión (EICV), que ajudou a fundar.
Repassou os valores do prêmio Rómulo Gallegos obtido com o romance La increíble y triste historia de la cándida Eréndira y su abuela desalmada ao grupo venezuelano Movimiento al Socialismo (MAS) e ao Comitê de Solidariedade aos presos políticos. Incorporou-se à complexa tarefa de aproximar as duas facções do poder colombiano: chefes do governo e responsáveis por movimentos guerrilheiros nos anos 1980.
Ao lado de Alejo Carpentier figura como mestre do gênero literário surgido nos movimentos de vanguarda e continuado nos anos 1960 do século XX, mesclando realidade e magia, com traços de humor e ironia. Márquez tinha nas ditaduras militares tema recorrente. Como mostra o relato fictício da queda de três governantes hispano-americanos, El otoño del patriarca (1975). Deixou a Colômbia no início dos anos 1980 por divergências políticas com o governo militar de Julio César Turbay.
No começo do século XXI publicou parte de suas memórias em Vivir para contarla (2002). Sua atuação literário-jornalística corrobora essa tradição no cenário hispano-americano e dialoga com nomes como Rodolfo Walsh, Tomás Eloy Martínez, Elena Poniatowska, Carlos Fuentes.
Entre as premiações, destacam-se Esso (1961), o título de doutor honoris causa pela Universidade de Columbia, em Nova York (1971), e a medalha da Legião de Honra do governo francês (1981).
Em 2004 publicou aquele que seria o seu último romance, Memórias de minhas putas tristes. No ano seguinte, concedeu sua derradeira entrevista, em que dizia ter sido 2005 o primeiro ano de sua vida em que não escreveu nada. Acometido por demência senil, foi gradativamente perdendo a memória. Morreu em 17 de abril de 2014, na cidade do México, aos 87 anos. Deixou uma obra inédita, o romance Em agosto nos vemos.
Outras obras: Viva Sandino (1982); El amor en los tiempos del cólera (1985); Notas de prensa(1980-1984); La bendita manía de contar (1998).