NAP-CERU avalia estereótipos de população em situação de rua

Editado em livro, o estudo mostrou que população em situação de rua não se limita a usuários de drogas e pessoas com problemas mentais. Sexo masculino representa 84%.

English version

Por Giovanna Lukesic Reis

Ao contrário do que imagina o senso comum, a população em situação de rua não se restringe a usuários de drogas e pessoas com problemas mentais. Trata-se de um contingente heterogêneo e predominantemente masculino, uma vez que mulheres conseguem mais facilmente se incorporar em casas de família ou recorrer à prostituição.

Esse é um dos resultados de uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa Centro de Estudos Rurais e Urbanos (CERU), da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e que orientou políticas públicas da Prefeitura de São Paulo na área social. A pesquisa, realizada entre 2009 e 2011, foi coordenada pela pesquisadora Maria Helena Rocha Antuniassi, uma das diretoras do CERU, sendo editada em livro em 2014.

Feita sob demanda para a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo (SMADS), à época comandada por Alda Marco Antônio, vice-prefeita do governo Kassab (2003-2009), a pesquisa pretendia conhecer a trajetória da população em situação de rua, especialmente dos albergados – aqueles que utilizam os serviços de acolhimento da SMADS.

Para tomar conhecimento e compreender quem era essa população, a qual vem aumentando consideravelmente, foram utilizadas técnicas quantitativas e qualitativas. Em 1991, o número da população em estado de rua era de 3.392 pessoas; vinte anos depois, atingia 14.478, segundo censo feito pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

População masculina e heterogênea
A partir de tal método, foi possível identificar certas características entre aqueles que vivem em abrigos ou hotéis sociais e chegar a conclusões que orientaram a secretária da SMADS em suas decisões. A principal delas foi que essa população não se limita a usuários de drogas ou pessoas com problemas mentais; é, na verdade, heterogênea, demandando, portanto, abrigos diferenciados que possam trabalhar com as peculiaridades de cada caso.

Outro ponto importante é a predominância masculina em situação de rua (84,3%). Segundo Maria Helena, isso ocorre porque as mulheres conseguem com mais facilidade ser incorporadas a casas de família, como agregadas ou empregadas domésticas, o que não ocorre com homens. Além disso, mulheres com menos de 50 anos, quando se encontram nessa situação, são facilmente incorporadas à prostituição, não recorrendo, portanto, aos abrigos. Em geral, as que ficam na rua apresentam problemas mentais. Os homens, por sua vez, ainda carregam o papel de provedor da família, o qual é abalado pelo histórico prisional e pelo desemprego. Essa quebra de expectativa leva à ruptura familiar, uma das principais causas do fenômeno.

O CERU baseia muitos de seus estudos em sociólogos franceses, fazendo deles seu “arcabouço teórico”, como define Maria Helena. A pesquisa, portanto, buscou inspiração em estudos socioantropológicos que tratam da população em situação de rua e procurou olhar tal fenômeno de forma reflexiva e crítica. O objetivo desse apoio bibliográfico era utilizar estudos acadêmicos nacionais e internacionais para compreender problemas sociais vivenciados nas grandes cidades.

Políticas públicas
“Foi uma pesquisa muito interessante e útil porque a secretária pôde repensar situações da organização e da administração de suas ações relativas a essa população”, comenta Antuniassi. Com base nas conclusões acerca das pessoas em situação de rua, a então secretária municipal da SMADS, Alda Marco Antônio, editou a portaria 46/2010/SMADS, e o prefeito Haddad implementou o Programa de Metas 2013-2016 da Prefeitura, que propõe a superação da extrema pobreza na cidade de São Paulo.

Além disso, a SMADS abandonou o termo “população de rua” e incorporou o conceito de população em situação de rua, que abrange de forma mais específica as pessoas que ainda têm condições de lutar pela sua cidadania para não cair na total exclusão, que significa o morar na rua.

Em dezembro de 2014, foi lançado o livro Desemprego, Ruptura Familiar e Solidão: trajetória de vida da população em situação de rua em São Paulo (Editora Anna Blume, 144 páginas, R$35,00), que apresenta de forma detalhada as conclusões da pesquisa e traz relatos da trajetória de vida de alguns albergados.

Segundo a pesquisadora, a publicação, assim como outras pesquisas feitas pelo CERU, tem o intuito de ultrapassar as fronteiras do mundo acadêmico e socializar conhecimentos. Inicialmente uma sociedade civil sem fins lucrativos, formada por professores do antigo Departamento de Ciências Sociais e liderada pela professora emérita Maria Isaura Pereira de Queiroz, o CERU foi transformado em Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) em 1992, sendo, portanto, um dos mais antigos da Universidade.

Mais informações, com Maria Helena Rocha Antuniassi, telefones (11) 3091-3784/ 3735, e-mail mhrocha@uol.com.br, site www.fflch.usp.br/ceru