Por Leandro Bernardo, da Agência Universitária de Notícias (AUN/USP)
Uma pesquisa buscou retratar as experiências de mídias alternativas da América Latina e sua diferenciação em relação aos grandes meios de comunicação. A análise, realizada pelo Centro de Pesquisas Latino-Americanas sobre Cultura e Comunicação (Celacc), teve o intuito de levantar como mídias mais populares dão voz a diferentes grupos e contrariam a padronização cultural e comportamental que a grande imprensa acaba instaurando.
Criado em 1996, o Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP), vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, tem como meta analisar a construção da integração do povo latino-americano a partir de sua singularidade, além da ótica de mercado gerada pelos blocos econômicos como o Mercosul, que, segundo Dennis de Oliveira, coordenador do Núcleo, gera problemas e não atende à população desses países. Com povos originários de grande riqueza cultural, dizimados a partir da colonização do século XV, a América Latina consolidou o capitalismo numa época tardia, enquanto na Europa já se assistia ao processo de imperialismo.
A grande questão que se coloca até hoje é se esse sistema latino-americano seria independente ou subalterno às grandes potências mundiais. A prevalência dessa dependência gera uma burguesia autocrática que, a partir de um sistema de opressão sofisticado e de uma democracia intermitente, busca manter esse sistema imperialista. A cultura popular surge como forma de resistência a esse processo, sendo a mídia alternativa – meios de comunicação de massa não vinculados aos grandes grupos econômicos, associados a movimentos sociais e com objetivos não comerciais – uma maneira de ir contra o mecanismo ideológico das grandes corporações midiáticas. Segundo Oliveira, “vivemos em uma sociedade que a mídia é o elemento central”, portanto, a análise desses veículos populares é essencial para o estudo desse embate cultural-ideológico na América Latina.
Para tanto, foram estudadas experiências de mídias alternativas na Argentina, Colômbia, Equador e Brasil – que teve como representante o jornal Brasil de Fato. A base das conclusões foi a análise de fontes e de conteúdo. Segundo o professor, a segunda fase da pesquisa, ainda não realizada, consistiria na visita a esses países e na conversa com os editores desses veículos para a discussão de suas funções, ideologias e demais aspectos.
Entre as diferenças observadas em relação à “grande imprensa”, uma delas é a presença de diferentes fontes além das “oficiais” – privilegiadas pelos grandes veículos -, ligadas ao mainstream do poder e parte do aparelho político-institucional e econômico do país. Principalmente ligadas a movimentos sociais, as fontes das mídias alternativas não aparecem apenas para discutir as mobilizações de que fazem parte, mas são colocadas como participantes qualificadas para análises político-econômicas: o dirigente de uma associação de moradores discutindo sobre o aumento da taxa básica de juros é um exemplo citado pelo pesquisador. Além disso, a presença de intelectuais e acadêmicos também é constante, o que abre o leque de discussões: “A mídia alternativa amplia o espaço público à medida que traz novas vozes para fazer a reflexão sobre os processos políticos”.
Além das fontes, a temática foi um ponto analisado: a pauta central dessas mídias é a questão da violência, relacionada aos direitos humanos. No entanto, é pouco presente, de acordo com Oliveira, a percepção das culturas populares como expressões de resistência às opressões geradas pelo sistema imperialista, pois ainda não está fixada a visão da política institucional como política cultural.
De acordo com o coordenador do Núcleo, a cultura não é um produto, mas um processo de construção de significados, com implicações diretas nos mais diversos âmbitos da sociedade e de suas relações. Assim, o papel da mídia é importante por gerar imagens e ideias, que se refletirão nos comportamentos das pessoas. A análise das mídias alternativas seria uma maneira de se estudar o processo de combate à opressão do sistema latino-americano para criar um tipo de integração cultural na região que vá além das interações econômicas do Mercosul.
Mais informações: www.usp.br/celacc