Acelerador de elétrons revisa parâmetros da física atômica

Será reexaminada, com técnicas modernas, a interação de elétrons com a matéria, conhecimento essencial para a física atômica que hoje sofre com inconsistências entre cálculo e a prática.

Por Bruno Almeida Vaiano

Um homem magro, de pólo listrada, observa com calma seu peculiar ambiente de trabalho: longe de qualquer monótono escritório, Alexandre Malafronte e suas explicações por si só já seriam suficientes para convencer qualquer estudante de ensino médio de que física pode ser, sim, muito legal. Atrás dele, o acelerador de elétrons do Núcleo de Apoio a Pesquisa (NAP) em Interação de Fótons e Elétrons (FEM) confirma: só mesmo a convivência evita o susto.

A enorme máquina, repleta de fios e cabos e conectada a incontáveis sensores e computadores, tem jeito de ficção científica. É impossível não se impressionar.

Nele, os elétrons são levados a velocidades próximas à da luz por um campo eletromagnético, e então se chocam contra uma série de materiais. Por sua carga elétrica, essas partículas são extremamente agitadas. Na velocidade e energia que alcançam no acelerador, interagem intensamente com os átomos que encontram pelo caminho. A coleta de informações sobre a interação dessas pequenas partículas durante o impacto e a penetração gera dados essenciais para muitas aplicações teóricas e práticas.

A radiografia como método de diagnóstico não invasivo, a radioterapia para pacientes de câncer, a esterilização de material cirúrgico e até o tratamento de esgoto envolvem processos que não teriam sido possíveis sem o estudo das interações dos elétrons com muitos elementos na segunda metade do século 20. Na área teórica, um novo patamar foi alcançado, e a física avançou.

“A física se desdobrou em outras coisas, apareceram a física nuclear e a física das partículas”, explica Vito Vanin, professor titular do IF-USP e pós-doutor pelo Centre de Recherches Nucleaires de Strasbourg.

A interação foi bem entendida e usada, mas a pesquisa na área estagnou. “Hoje, em muitas das aplicações que se faz, os cálculos não estão prevendo exatamente o que acontecerá”, diz Vanin. Uma revisão e aumento da precisão dos valores da interação de elétrons com outros elementos se tornou necessária, agora baseada em métodos mais modernos e confiáveis que os empregados anteriormente.

Além disso, há novos elementos que nunca foram testados, e que não têm tabelas de referência que possam servir para o ajuste de valores. As contas que envolvem princípios básicos não podem ser feitas até o fim, e dependem de aproximações que ainda não foram estabelecidas nos casos mais recentes.

“Há muitos anos atrás havia limitações que antes eram insuperáveis. A gente tem a ousadia de acreditar que vai fazer melhor”, resume Vito, com uma risada.

Como funciona?
Os elétrons que serão acelerados “nascem” no canhão, através de uma diferença de potencial de 100 mil volts. Essa diferença é alcançada, na prática, através de um valor de – 100 mil volts. As demais partes do acelerador, que estão com potencial zero, atraem os elétrons, que possuem carga negativa, dando início ao movimento.

A próxima fase é essencialmente de organização. Aqui, os elétrons são separados em pequenos grupos, ou, nas palavras de palavras de Alexandre Malafronte, doutor em Tecnologia Nuclear pela USP, “pacotinhos”.

“O empacotamento dos elétrons é feito na frequência da micro-onda, e é tudo muito rápido”, afirma o pesquisador. A separação e transmissão desses grupos de elétrons em uma determinada frequência são imprescindíveis para a passagem correta dessas partículas para o próximo trecho da máquina, devido à maneira como ela produzirá a aceleração.

Acelerando
Nesse ponto, a trajetória do elétron passa por uma série de cavidades alternadas. Uma para cima, uma para baixo. Dentro dessas cavidades, esculpidas com precisão milimétrica para garantir a ressonância perfeita, são “injetadas” micro-ondas, que se sobrepõe e formam uma onda estacionária.

A onda estacionária ocorre quando há sobreposição de duas ondas idênticas, mas de sentidos opostos, confinadas no espaço. Ela efetivamente fica estacionada, como um corredor que pare de se locomover, mas continue dando passos falsos para manter o corpo em movimento.

Isso significa que ela oscila continuamente: suas áreas positivas (cristas) ficam negativas, suas áreas negativas (vales), positivas, e vice-versa. Há, porém, um problema: o elétron, por sua carga negativa, apenas continuará se movendo enquanto estiver na parte positiva da onda. Isso significa que ele deverá andar em sincronia com ela, para que esteja sempre em uma área positiva.

É como uma avenida com semáforos alternados. Se o primeiro está verde, o segundo está vermelho. Quando um muda, o outro muda também, de forma que estejam sempre invertidos. Um carro que cruze o primeiro farol verde poderá, se estiver na velocidade correta, alcançar o segundo após a inversão já haver ocorrido, pegando-o aberto sem interromper a trajetória do veículo.

Acelerando mais
Para levar os elétrons aos níveis de energia mais altos, um acelerador linear, reto, não bastaria: ele seria muito longo e pouco prático. A solução é fazer os pacotes de partículas darem várias voltas em uma espécie de circuito oval, que ocupa menos espaço, mas funciona de maneira mais complexa: é o “mícroton racetrack” (pista de corrida).

“Quando eles se aproximam da velocidade da luz, eles ganham mais energia do que velocidade”, explica Alexandre sobre os elétrons. Ele lembra que, conforme o elétron ganha velocidade, as cavidades precisam mudam de tamanho para manter a harmonia da trajetória do elétron com a oscilação da onda estacionária. “A cavidade precisa compensar [o aumento de velocidade]. Quando ele está lento, ela precisa ser um pouquinho mais comprida”.

Tudo ocorre no vácuo absoluto. Há, além dessas estruturas fundamentais, outras auxiliares, como eletroímãs que obrigam os pacotes de elétrons a fazer curvas, dirigindo-os através dos canos. Tudo isso culmina com o impacto, em diferentes níveis de energia, dos elétrons com outros elementos. A medição das interações dos elétrons com os átomos do objeto do teste gera dados fundamentais para inúmeras aplicações práticas e teóricas.