Vinhaça: o futuro da fertilização

Resíduo orgânico passou de vilão a fonte sustentável de nutrientes para o solo.

Por Gabriel Margato Marques, da Agência Universitária de Notícias (AUN/USP)

Foi-se o tempo em que a vinhaça era um vilão para o meio ambiente e uma dor de cabeça para o agricultor. Agora, a substância é largamente utilizada como fertilizante nas lavouras de cana-de-açúcar, após descobertas sobre sua composição. Todavia, ainda faltavam estudos que analisassem seus efeitos na fauna do solo das plantações.

Uma pesquisa de Paulo Roger Alves, para sua tese de doutorado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, avaliou como a concentração de vinhaça no solo pode interferir nos organismos que vivem no solo ou dependem dele para sobreviver.

A vinhaça ou vinhoto é um composto químico líquido que surge através do processo industrial que transforma a cana-de-açúcar em álcool. Este resíduo é formado de água, matéria orgânica e minerais, principalmente potássio, além de açúcares e outros elementos. Para cada litro de álcool produzido, são gerados entre 10 e 12 litros de vinhaça.

A vinhaça também pode ser produzida no processo da fermentação do melaço, que é a sobra gerada através da produção de açúcar. A principal diferença entre os resíduos é justamente a quantidade dos elementos, que são muito mais concentrados na vinhaça produzida por este método. Podem ocorrer variações entre as composições da substância devido ao processo da produção do líquido.

Anteriormente, o vinhoto era descartado diretamente em rios e em mananciais, aumentando consideravelmente a degradação ambiental dos ecossistemas. Atualmente, após uma série de estudos e pesquisas, foi descoberto que ele pode ser utilizado para adubar o solo, principalmente devido à alta concentração de potássio. Este mineral é fundamental no processo de fotossíntese, na absorção de nutrientes e em diversas reações enzimáticas no interior da planta.

O potássio vindo da vinhaça, originado da própria cana, não é utilizado para a produção de álcool ou açúcar. No solo, o elemento acaba retornando à cadeia produtiva do cultivo, evitando o desperdício dos nutrientes adequados. Os demais resíduos presentes na mistura não causam grandes problemas ao desenvolvimento da cana-de-açúcar.

A utilização da vinhaça como fertilizante natural resolveu os problemas do descarte da substância e ainda se reaproveitam minerais e resíduos orgânicos, evitando a necessidade de utilização de adubos para reposição de tais elementos. Por outro lado, ainda não se sabe ao certo se a sua utilização afeta os seres vivos que dependem do solo de tais plantações.

A vinhaça e a fauna

No estudo da Esalq foram analisados alguns seres vivos comuns a este habitat, como minhocas, colêmbolos (pequenos artrópodes que vivem na superfície do solo) e ácaros do solo. A pesquisa estudou a forma como eles reagiam após a aplicação de vinhaça em diferentes concentrações e em solos distintos.

As pesquisas apontaram que apenas a aplicação de vinhaça em altas concentrações no solo acabou comprometendo a vida de alguns organismos. Nesses casos, reduziu-se a fauna local e diminuiu-se a diversidade de alguns micro-organismos. Isto pode atrapalhar o ecossistema, uma vez que esses seres vivos têm funções na utilização e no aproveitamento de nutrientes do solo. “Os problemas advindos do mal ou do exagerado uso podem ser minimizados através de análises preventivas ou de monitoramento”, propõe Alves.

De acordo com a Agência Embrapa de Informação Tecnológica (Ageitec), o uso excessivo da vinhaça também pode provocar o retardamento da maturação da cana, reduzindo a quantidade de sacarose na planta e afetando o produto. Também são ressaltados os efeitos em longo prazo no solo, cuja contaminação pode até afetar os lençóis freáticos.

O pesquisador acredita que a utilização da vinhaça como fertilizante é uma boa oportunidade para o descarte do resíduo, além de trazer vantagens econômicas e ecológicas devido à redução do uso de fertilizantes. Mesmo assim, ele deve ser usado com moderação para evitar possíveis problemas.

Um modelo que permite a análise mais aprofundada dos impactos é o que utiliza os ensaios ecotoxicológicos. Estes estudos analisam os efeitos de produtos químicos no meio ambiente e em todo o ecossistema. Em alguns países europeus, já existe uma regulamentação que determina a produção dos ensaios, de forma que se analise o perigo da utilização de resíduos no solo.

Outra alternativa estudada para reduzir os riscos ao solo é um possível tratamento para a vinhaça antes de ela ser aplicada. O problema é que isto acaba se tornando inviável, devido à alta quantidade de líquido produzido, que dificilmente conseguiria ser completamente avaliado antes do uso. Além disso, existem problemas de logística, uma vez que isso não se sustentaria no mercado como modelo comercial, devido aos altos custos.

A Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) vem regulamentando a aplicação da vinhaça nos solos de plantações. O objetivo geral deste controle seria evitar danos ambientais, principalmente os de caráter químico e físico. Por outro lado, ainda não existia uma pesquisa em relação aos efeitos biológicos, os quais afetam toda a fauna do cultivo.

Para o avanço das pesquisas, Alves sugere que elas sejam feitas novamente em condições de campo para verificar se o mesmo ocorre. Além disso, ele aponta que, se forem identificados todos os organismos afetados, é possível analisar as suas funções para o ecossistema e verificar a viabilidade da aplicação do resíduo em cada solo.

fonte: http://www.usp.br/aun/exibir.php?id=7108&edicao=1216