Projeto monitora ouvidorias para reduzir letalidade policial

Para melhorar o trabalho das ouvidorias, pesquisadores ficarão responsáveis pelos registros de casos de letalidade nas abordagens policiais, visando uma forma de reduzir o número de ocorrências.

Por Carolina Marins, da Jornalismo Júnior (ECA/USP)

As ouvidorias de polícia são canais de atendimento à população, abertas a reclamações, denúncias e sugestões sobre a atuação policial. O estado de São Paulo foi o primeiro a implementar o serviço no Brasil, hoje tornado obrigatório por lei estadual. Há poucos anos, porém, nos poucos lugares em que existia, o serviço geralmente era oferecido de forma precária. Em vista disso, o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP desenvolveu uma metodologia para melhorar esses canais e torná-los responsáveis pelo registro e análise dos casos de letalidade em ações policias.

O projeto, chamado “Ouvidorias de Polícia e Redução da Letalidade em Ações Policiais no Brasil” e coordenado por Paulo Mesquita Neto, pesquisador sênior do NEV, já falecido, Fernando Afonso Salla e Viviane Cubas, ambos doutores em Sociologia pela USP, teve reconhecimento em nível federal. O empreendimento foi selecionado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República a partir de um edital lançado pelo Plano Nacional de Direitos Humanos, que visava incentivar e fortalecer as atividades de policiamento comunitário e ouvidorias de polícia.

Além de melhorar o trabalho das ouvidorias nas atividades já realizadas, o projeto pretende tornar sua responsabilidade os registros dos casos de letalidade nas abordagens policiais. Será possível, assim, estudar esse fenômeno e encontrar uma forma de reduzi-lo. Para coletar esses dados, foi necessário fazer levantamentos a partir da imprensa, já que não há dados oficiais desses fatos. Muitas ocorrências de morte em abordagens policiais não são contabilizadas, ou se tornam mais difíceis de serem identificadas, porque se juntam a outras estatísticas de homicídio. Não existe um registro específico para tal.

Para gerenciar o projeto, a equipe foi a campo conhecer as ouvidorias de outros lugares. Viviane relata que, em São Paulo, o serviço possuía um prédio próprio, além de uma equipe preparada. A mesma circunstância, entretanto, não fora encontrada em outros lugares. Em algumas regiões do Nordeste e Centro-oeste, por exemplo, havia locais em que o serviço todo era feito por um único ouvidor; em outros, o serviço parecia apenas um call-center, onde a população registrava as suas queixas e elas se perdiam ali. Houve caso em que a atividade era executada por um ex-policial, o que jamais poderia acontecer, visto que uma ouvidoria não deve possuir vínculos com policiais.

Em julho de 2008, o projeto foi apresentado na 21ª Reunião do Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia, realizado em Pernambuco. O planejamento foi feito em um ano e ocorreu concomitante ao projeto de um Manual de Policiamento Comunitário. Uma apresentação para um grupo de ouvidores foi a etapa final do planejamento pelo NEV. A partir de então, a implementação passou a ser de responsabilidade das ouvidorias.

Viviane afirma que existe um grande desafio em implementar o trabalho em todo o país. Afinal, cada região do Brasil possui uma polícia diferente, cuja relação com sua comunidade é muito diversa – principalmente da que se costuma ver em São Paulo. A pesquisadora enfatiza a importância em melhorar as ouvidorias, pois elas são importantes para o aperfeiçoamento do trabalho policial. O canal é usado não só pela sociedade civil, mas muitos policiais também o utilizam para registrar suas reclamações e sugestões. Por ser um sistema militarizado, e consequentemente muito rígido, o soldado não tem a liberdade de falar abertamente com seus superiores, o que torna extremamente importante a existência de uma ouvidoria.