Bagaço de cana ajuda descontaminar águas subterrâneas

Pesquisadores da Escola Politécnica simulam barreiras reativas para recuperação dos lençóis (AUN/USP)

Pesquisadores da Escola Politécnica simulam barreiras reativas para recuperação dos lençóis

Por Marcos Nona, da Agência Universitária de Notícias (AUN/USP)

Os impactos causados pelo rompimento das barragens da Sarmarco e a perfuração de poços artesanais irregulares frente à crise hídrica trouxeram novamente à tona o debate sobre a contaminação das águas subterrâneas. Giuliano Bordin Trindade, pesquisador da Escola politécnica, estudou a viabilidade de remediar as águas do subsolo com o uso de BRPs – barreiras reativas permeáveis, e ao mesmo tempo dar um fim nobre para um dos resíduos mais fartos no Brasil: o bagaço de cana.

A contaminação dos solos e das águas subterrâneas sempre foi fonte de grande preocupação, atingindo principalmente os centros urbanos e industriais, como explica Giuliano: “a CETESB enfrenta alguns problemas graves por poços irregulares, que podem conter contaminantes. O poço precisa ser aprovado pelo DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) para que seja feita a perfuração e, por conta da crise hídrica, eles aumentaram a fiscalização em cima das casas e também das indústrias”.

Barreiras Reativas x Pump And Treat

As barreiras reativas permeáveis oferecem grande vantagem em comparação aos outros métodos conhecidos como o Pump And Treat – sistema que bombeia a água para a superfície, onde é tratada. As BRPs dispensam a utilização de energia elétrica – a água é tratada no próprio local, sem a necessidade de bombeamento – e não possuem o mesmo custo de manutenção mensal. Uma desvantagem, entretanto, está no tempo necessário para a remediação: nas barreiras permeáveis, o fluxo de água acompanha a velocidade do lençol freático, e podem se passar anos até que a limpeza total seja atingida.

Constituída por uma parede permeável e material reativo, a barreira é depositada dentro do solo, no caminho das águas subterrâneas contaminadas. “O material deve ser mais permeável do que o terreno natural para não atrapalhar o fluxo de água”, explica a professora Maria Eugenia Gimenez Boscov, que orientou Giuliano no decorrer da pesquisa. Ao atravessar a barreira, os contaminantes da água reagem com o material e a água sai tratada.

Giuliano estudou especificamente o bagaço de cana como material reativo com o auxílio de um professor do ITA: Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Paulo Scarano Hemsi. O bagaço de cana é um resíduo abundante: mesmo utilizado em ampla escala como fonte de energia, forragem e alimentação do gado, uma porcentagem considerável do bagaço torna-se resíduo, acumulando milhões de toneladas por ano. Fonte de carbono durável, o bagaço de cana serve como alimento para bactérias que metabolizam certos contaminantes, como metais e sulfato, que infiltram-se nas águas subterrâneas por atividade industrial, disposição inadequada e drenagem ácida de mineração.

Eficiência

Nas condições estudadas por Giuliano, a barreira mostrou-se muito eficiente para os metais como níquel e zinco, que foram completamente depositados no fundo da coluna de testes. “Para que as barreiras permeáveis funcionem é necessária uma série de circunstâncias”, ressalta a orientadora Maria Eugenia. “É preciso um material reativo próprio para aquele contaminante, saber a velocidade do lençol freático e o tempo de reação, que interferem no comprimento necessário da barreira e, portanto, no espaço que ela irá ocupar no solo. Cada caso é um estudo”. A pesquisa concluiu que o bagaço de cana é um substrato viável, e abre novas possibilidades de estudos sobre o aprimoramento das reações químicas, formação de subprodutos e viabilidade econômica.

Apesar de o País possuir profissionais qualificados, a maioria dos projetos de remediação de águas ainda vem do exterior. “O que acontece hoje em dia é que muitas empresas de consultoria são subsidiárias de companhias multinacionais”, lamenta Maria Eugenia. “É uma pena porque temos aqui um pessoal muito qualificado, com boas propostas e conhecimento dos solos e condições locais”.

Publicação original em AUN/USP