O BANCO DE DADOS

Resenha do capítulo “O Banco de Dados” de Lev Manovich

Por Maria de Fátima Morina

 

O texto “O Banco de Dados” foi traduzido por Camila Vieira e publicado em 2015 na Revista Eco Pós, mas, originalmente, é parte de um capítulo da obra mais significativa de Lev Manovich “A linguagem da nova mídia”. Nesse texto, o autor contextualiza o papel tecnológico e social do banco de dados e sua relação com os algoritmos, evidenciando tal dinâmica no uso de dados, que subjaz às narrativas digitais, o que as conectaria à narrativa cinematográfica, por exemplo.

Isso fez com que essa reflexão levasse Manovich a uma análise do cinema na perspectiva do banco de dados, usando os exemplos bem sucedidos de Peter Greenaway e Dziga Vertov, porque a mesma lógica se aplica a qualquer área da cultura informatizada, cujas muitas possibilidades dos softwares de edição prometem novas linguagens e contraditoriamente impedem que elas nasçam, pois o consumo exaustivo de novidades asfixia a continuidade e, portanto, a configuração e a consolidação de algum novo gênero.

De qualquer modo, de acordo com Manovich, o que define a sequência de gravação de um filme é sua logística e não a narrativa pretendida inicialmente, portanto, produzi-lo é gerar um grande banco de dados, cuja edição e montagem tem várias possibilidades de expressão e significação. No entanto, o cinema é apenas um exemplo do qual ele se utiliza nas últimas seis páginas das 20 existentes, pois sua intenção é de fato discutir a relação entre a narrativa e o banco de dados. Seu argumento para tal necessidade de reflexão foi o fato de que o romance e o cinema fizeram da narrativa o gênero cultural da modernidade e que o mesmo teria ocorrido com o banco de dados já no início deste século, conquistando a mesma relevância cultural na era digital.

Nessa direção, Manovich explica didaticamente que as produções midiáticas são composições de itens de mesma importância, na verdade, às vezes, apenas uma reunião de links de itens em si. Para explicar isso melhor, ele retoma alguns conceitos. Um desses é o conceito de banco de dados especificamente para a tecnologia da informação, entendido como uma estrutura de itens com mecanismos de busca e recuperação ágil, considerando que essa pode ser hierárquica, em rede, relacional ou mesmo orientada a objetos.

O artista e estudioso teórico russo, radicado nos EUA entende que, no século XXI, o mundo é “uma infinita e desestruturada coleção de imagens, textos e outros arquivos de dados”, portanto, nada mais conveniente do que organizar isso tudo em um banco de dados, assim como nada mais conveniente do que criar uma poética, uma estética e uma ética para esse banco de dados. Manovich aponta para tais necessidades e traz diversas reflexões fundamentadas em exemplos muito expressivos, que vão além do cinema, e estão continuamente na rotina das pessoas do século XXI, tais como os websites e os jogos online.

Os websites, sempre incompletos pela natureza aberta das mídias Web, expandindo-se indefinidamente com novos links. Cujo processo também inclui informações e imagens idênticas que se repetem em diversos outros websites de modo nada ético. De qualquer modo, se novos elementos são adicionados e informações são editadas o tempo todo, segundo o autor, não se tem aqui uma narrativa (história), mas sim um banco de dados (coleção de itens).

Os jogos online, que constituídos de forma invisível para seus usuários como bancos de dados, são vivenciados por eles enquanto narrativas com a ajuda de algoritmos em que consistem as tarefas definidas, as quais vão levá-los a ganhar a partida ou a perdê-la, por exemplo. Tais tarefas abarcam territórios, trajetórias, ações, personagens, itens ou objetos encontrados – todos ligados pelo algoritmo, portanto todos têm uma motivação. Além disso, o usuário, aos poucos, percebe as regras do universo de cada jogo, aprendendo sua lógica, isto é, seu algoritmo.

Manovich faz constatações e reflexões significativas em todo texto. Uma delas é a de que o banco de dados como forma cultural representa o mundo como uma lista de itens infindável e desordenada; e as narrativas como criadoras de relações de causa e efeito entre itens, apresentando formas diferentes e pretensamente exclusivas de dar sentido ao mundo humano. Outra é o uso conceitos de sintagma e de paradigma de Ferdinand de Saussure, ao mostrá-los como dimensões da produção midiática, entre o que é sintagmático como realizado e pertencente ao escopo das narrativas, e que é paradigmático como um elenco de possibilidades e pertencente ao escopo dos bancos de dados.

Apenas lendo o texto completo para ser ter a dimensão do alcance de suas reflexões sobre a produção midiática, o qual foi publicado em 2001 e tem inúmeras referências ao CD-ROM – hoje praticamente obsoleto -, e mesmo assim é brilhante no entendimento dos mecanismos essenciais da sociedade digital e, portanto, fundamental para as ações educomunicativas.

 

REFERÊNCIAS

MANOVICH, Lev. The Database. In: The Language of New Media. Massachusetts: MIT Press, 2001.

  . O Banco de Dados (The Database, Tradução de Camila Vieira). In: A Linguagem da Nova Mídia (2001). Revista Eco Pós. ISSN 2175-8689. Arte, Tecnologia e Mediação, V.18, N.1, ano de 2015. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/eco_pos/article/view/2366/2024. Acesso em: 28/12/2020.

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