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    Daqueles pensamentos pelos quais somos pegos de surpresa: quando foi que sequestraram a paz do domingo à tarde? Que o domingo à tarde ainda existe: infalível e impreterivelmente, uma vez por semana ele está lá. Mas há algo que ele parece ter perdido. Aliás, há algo que tantos de nós em realidade sequer temos certeza de que algum dia esteve lá: aquela sua desurgência.

Pode ter sido quando, rápidos aprendedores que somos, associamos que o domingo à tarde é o que antecede a segunda de manhã e, com cada segundo no relógio apertando um pouco mais a contagem regressiva, inadvertidamente reduzimos a existência dele a isso e só. Ou quando sorrateiramente se instalou na nossa cabeça a ideia de que melhor mesmo era ele virar logo a própria segunda de manhã: uma ótima hora para adiantar o trabalho ou, alternativamente,  usar o tempo livre para aprender francês, escrever um romance ou finalmente dar um gás naquela carreira atlética que ficou esquecida tantos anos antes.

Ou, talvez, tenha sido quando nos surpreendemos pela primeira vez ouvindo nosso próprio silêncio. E vimos isso crescer numa angústia que, porque tão silenciosa, se recusava a nos deixar nomeá-la – e, porque tão nossa, se recusava a nos deixar nos afastar.

E então sentimos que, no lugar disso, preferíamos estar fazendo literalmente qualquer outra coisa.

 

A tarde suave e os ranchos que passam

Fitados com interesse da janela,

O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,

E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,

Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,

Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.

E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

Alberto Caeiro

 

se ânsia mansa

não ex

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o que é

isto

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(de mim

não des)

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Arnaldo Antunes